terça-feira, 26 de outubro de 2010

Tra le sollecitudini (1903), S. Pio X, papa

Para apresentar o motu proprio Tra le sollecitudini do papa S. Pio X recorremos às palavras com que Jordi-Agustí Piqué i Collado, em Teologia i música: propostes per a un diàleg, (do qual existe uma versão em castelhano) comenta uma passagem do texto em apreço (tradução minha do catalão(1)):
Neste fragmento (2) estão concentradas as ideias principais que caracterizam a música como litúrgica, quer dizer, como elemento activo e essencial ― em sentido profundo ― da acção litúrgica: revestir e tornar mais eficaz a palavra dos textos litúrgicos; excitar a devoção dos fiéis e prepará-los para receber os frutos da graça que emanam dos sagrados mistérios celebrados.
Da relação da música com a palavra e com os textos litúrgicos, podemos entender que a música, em certo sentido, se constitui como a primeira hermeneuta da palavra celebrada e nos faz compreender a Palavra, conduz-nos à contemplação e à admiração do Mistério celebrado na liturgia. Basta prestar atenção a algumas melodias gregorianas para observar como é íntima a relação entre a melodia e o texto e a forma tão sapiencial através da qual a música lhe realça o sentido. A himnodia gregoriana, com a escolha dos modos e a alternância coral, realça, expressa e cria o ambiente de reflexão, meditação (ruminatio) dos textos que a Igreja coloca na boca dos fiéis para a santificação das horas.
A excitação da devoção dos fiéis mostra uma concepção da música como criadora de emoção que move o "afecto". Este é um tema muito apreciado por filósofos e pelos Padres da Igreja. A tendência à devoção mostra a sapiente maneira através da qual a Igreja sempre utilizou a música para chegar ao coração, ao interior, ao lugar onde a simples pregação com palavras não pode chegar; o sábio modo através do qual a Igreja fez da arte um dos elementos principais da sua catequese.
A preparação para receber a graça da vida litúrgica celebrada parece-nos o elemento mais inovador do texto de Pio X, a par da famosa referência à participação activa. Facilmente se pode entender que a participação no canto por parte da assembleia é uma das aplicações directas desta intuição. Ainda assim, parece-nos muito mais profunda a intuição de Pio X se lida em conexão com a questão da moção interna à devoção. Esta preparação-participação activa não se reduz à materialidade do canto, quer dizer, não só através da acção de cantar activamente se participa, mas também através da acção da escuta: escuta da palavra, escuta da música, que se complementam intimamente se a música é verdadeiramente litúrgica. Ambas se comentam, se identificam e penetram entre si e no mais íntimo do crente, que vai entrando, em atitude de escuta e de abertura à graça santificante, abrindo-se, portanto, à vivência do encontro com Cristo. É uma dinâmica semelhante àquela que se realiza nos sacramentos. A música tem, assim, uma função plena de significado, já que, por meio da experiência estética, se abre ao mundo da beleza do Mistério de Deus e abre, eficazmente, o coração à escuta da Palavra, ao encontro com Cristo e à realização da obra de salvação operada na liturgia. No fundo estamos a falar de uma dimensão "quase" sacramental.
Estes parecem-nos elementos chave na concepção do MP [motu proprio Tra le sollecitudini] e são fundamentais para a sua recta interpretação. Tudo o resto deriva deles, justamente interpretados: a bondade das formas musicais, a alternância gregoriano-polifonia, a santidade da música, a música moderna, o órgão, a função ministerial dos cantores, tudo há-de ser lido de acordo com esta atenção à palavra celebrada, à adoração daquilo que se celebra e à abertura às fontes da graça que o homem e a mulher chamados à comunhão com Deus recebem na vida sacramental e litúrgica. Neste sentido, as limitações próprias do seu tempo no texto do MP ― leia-se, a discriminação da mulher, a proibição de certos instrumentos, a adopção de determinadas formas e arquétipos ― adquirem uma importância menor, a ponto de deixar de ser consistentes.
A situação actual da música na liturgia, e aqui podemos especificar na liturgia católica, está longe de responder às intuições do Papa Pio X. Talvez uma releitura do seu pensamento, de acordo com a riqueza da SC [constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia], nos oferecesse elementos para um novo trabalho de compreensão da função da música na liturgia.

MOTU PROPRIO
TRA LE SOLLECITUDINI
DO SUMO PONTÍFICE
PIO X
SOBRE A MÚSICA SACRA

INTRODUÇÃO

Entre os cuidados do ofício pastoral, não somente desta Suprema Cátedra, que por imperscrutável disposição da Providência, ainda que indigno, ocupamos, mas também de todas as Igrejas particulares, é, sem dúvida, um dos principais o de manter e promover o decoro da Casa de Deus, onde se celebram os augustos mistérios da religião e o povo cristão se reúne, para receber a graça dos Sacramentos, assistir ao Santo Sacrifício do altar, adorar o augustíssimo Sacramento do Corpo do Senhor e unir-se à oração comum da Igreja na celebração pública e solene dos ofícios litúrgicos.

Nada, pois, deve suceder no templo que perturbe ou, sequer, diminua a piedade e a devoção dos fiéis, nada que dê justificado motivo de desgosto ou de escândalo, nada, sobretudo, que directamente ofenda o decoro e a santidade das sacras funções e seja por isso indigno da Casa de Oração e da majestade de Deus.

Não nos ocupamos de cada um dos abusos que nesta matéria podem ocorrer. A nossa atenção dirige-se hoje para um dos mais comuns, dos mais difíceis de desarraigar e que às vezes se deve deplorar em lugares onde tudo o mais é digno de máximo encómio para beleza e sumptuosidade do templo, esplendor e perfeita ordem das cerimónias, frequência do clero, gravidade e piedade dos ministros do altar. Tal é o abuso em matéria de canto e Música Sacra. E de facto, quer pela natureza desta arte de si flutuante e variável, quer pela sucessiva alteração do gosto e dos hábitos no correr dos tempos, quer pelo funesto influxo que sobre a arte sacra exerce a arte profana e teatral, quer pelo prazer que a música directamente produz e que nem sempre é fácil conter nos justos limites, quer, finalmente, pelos muitos preconceitos, que em tal assunto facilmente se insinuam e depois tenazmente se mantêm, ainda entre pessoas autorizadas e piedosas, há uma tendência contínua para desviar da recta norma, estabelecida em vista do fim para que a arte se admitiu ao serviço do culto, e expressa nos cânones eclesiásticos, nas ordenações dos Concílios gerais e provinciais, nas prescrições várias vezes emanadas das Sagradas Congregações Romanas e dos Sumos Pontífices Nossos Predecessores.

Com verdadeira satisfação da alma nos apraz recordar o muito bem que nesta parte se tem feito nos últimos decénios, também nesta nossa augusta cidade de Roma e em muitas Igrejas da Nossa pátria, mas em modo muito particular em algumas nações, onde homens egrégios e zelosos do culto de Deus, com aprovação desta Santa Sé e dos Bispos, se uniram em florescentes sociedades e reconduziram ao seu lugar de honra a Música Sacra em quase todas as suas Igrejas e Capelas. Este progresso está todavia ainda muito longe de ser comum a todos; e se consultarmos a nossa experiência pessoal e tivermos em conta as reiteradas queixas, que de todas as partes Nos chegaram neste pouco tempo decorrido, desde que aprouve ao Senhor elevar a Nossa humilde Pessoa à suprema culminância do Pontificado Romano, sem protrairmos por mais tempo, cremos que é nosso primeiro dever levantar a voz para reprovação e condenação de tudo o que nas funções do culto e nos ofícios eclesiásticos se reconhece desconforme com a recta norma indicada.

Sendo de facto nosso vivíssimo desejo que o espírito cristão refloresça em tudo e se mantenha em todos os fiéis, é necessário prover antes de mais nada à santidade e dignidade do templo, onde os fiéis se reúnem precisamente para haurirem esse espírito da sua primária e indispensável fonte: a participação activa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja. E debalde se espera que para isso desça sobre nós copiosa a bênção do Céu, quando o nosso obséquio ao Altíssimo, em vez de ascender em odor de suavidade, vai pelo contrário repor nas mãos do Senhor os flagelos, com que uma vez o Divino Redentor expulsou do templo os indignos profanadores. Portanto, para que ninguém doravante possa alegar a desculpa de não conhecer claramente o seu dever, e para que desapareça qualquer equívoco na interpretação de certas determinações anteriores, julgamos oportuno indicar com brevidade os princípios que regem a Música Sacra nas funções do culto e recolher num quadro geral as principais prescrições da Igreja contra os abusos mais comuns em tal matéria.

E por isso, de própria iniciativa e ciência certa, publicamos a Nossa presente instrução; será ela como que um código jurídico de Música Sacra; e, em virtude da plenitude de Nossa Autoridade Apostólica, queremos que se lhe dê força de lei, impondo a todos, por este Nosso quirógrafo, a sua mais escrupulosa observância.


I. Princípios gerais
1. A música sacra, como parte integrante da Liturgia solene, participa do seu fim geral, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis. A música concorre para aumentar o decoro e esplendor das sagradas cerimónias; e, assim como o seu ofício principal é revestir de adequadas melodias o texto litúrgico proposto à consideração dos fiéis, assim o seu fim próprio é acrescentar mais eficácia ao mesmo texto, a fim de que por tal meio se excitem mais facilmente os fiéis à piedade e se preparem melhor para receber os frutos da graça, próprios da celebração dos sagrados mistérios.

2. Por isso a música sacra deve possuir, em grau eminente, as qualidades próprias da liturgia, e nomeadamente a santidade e a delicadeza das formas, donde resulta espontaneamente outra característica, a universalidade.
Deve ser santa, e por isso excluir todo o profano não só em si mesma, mas também no modo como é desempenhada pelos executantes.
Deve ser arte verdadeira, não sendo possível que, doutra forma, exerça no ânimo dos ouvintes aquela eficácia que a Igreja se propõe obter ao admitir na sua liturgia a arte dos sons. Mas seja, ao mesmo tempo, universal no sentido de que, embora seja permitido a cada nação admitir nas composições religiosas aquelas formas particulares, que em certo modo constituem o carácter específico da sua música própria, estas devem ser de tal maneira subordinadas aos caracteres gerais da música sacra que ninguém doutra nação, ao ouvi-las, sinta uma impressão desagradável.

II. Géneros de Música Sacra
3. Estas qualidades se encontram em grau sumo no canto gregoriano, que é por consequência o canto próprio da Igreja Romana, o único que ela herdou dos antigos Padres, que conservou cuidadosamente no decurso dos séculos em seus códigos litúrgicos e que, como seu, propõe directamente aos fiéis, o qual estudos recentíssimos restituíram à sua integridade e pureza.
Por tais motivos, o canto gregoriano foi sempre considerado como o modelo supremo da música sacra, podendo com razão estabelecer-se a seguinte lei geral: uma composição religiosa será tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproxima no andamento, inspiração e sabor da melodia gregoriana, e será tanto menos digna do templo quanto mais se afastar daquele modelo supremo.
O canto gregoriano deverá, pois, restabelecer-se amplamente nas funções do culto, sendo certo que uma função eclesiástica nada perde da sua solenidade, mesmo quando não é acompanhada senão da música gregoriana.
Procure-se nomeadamente restabelecer o canto gregoriano no uso do povo, para que os fiéis tomem de novo parte mais activa nos ofícios litúrgicos, como se fazia antigamente.

4. As sobreditas qualidades verificam-se também na polifonia clássica, especialmente na da Escola Romana, que no século XVI atingiu a sua maior perfeição com as obras de Pedro Luís de Palestrina [Giovanni Pierluigi da Palestrina], e que continuou depois a produzir composições de excelente qualidade musical e litúrgica. A polifonia clássica, aproximando-se do modelo de toda a música sacra, que é o canto gregoriano, mereceu por esse motivo ser admitida, juntamente com o canto gregoriano, nas funções mais solenes da Igreja, quais são as da Capela Pontifícia. Por isso também essa deverá restabelecer-se nas funções eclesiásticas, principalmente nas mais insignes basílicas, nas igrejas catedrais, nas dos Seminários e outros institutos eclesiásticos, onde não costumam faltar os meios necessários.

5. A Igreja tem reconhecido e favorecido sempre o progresso das artes, admitindo ao serviço do culto o que o génio encontrou de bom e belo através dos séculos, salvas sempre as leis litúrgicas. Por isso é que a música mais moderna é também admitida na Igreja, visto que apresenta composições de tal qualidade, seriedade e gravidade que não são de forma alguma indigna das funções litúrgicas.
Todavia, como a música moderna foi inventada principalmente para uso profano, deverá vigiar-se com maior cuidado por que as composições musicais de estilo moderno, que se admitem na Igreja, não tenham coisa alguma de profana, não tenham reminiscências de motivos teatrais, e não sejam compostas, mesmo nas suas formas externas, sobre o andamento das composições profanas.
6. Entre os vários géneros de música moderna, o que parece menos próprio para acompanhar as funções do culto é o que tem ressaibos de estilo teatral, que durante o século XVI esteve tanto em voga, sobretudo na Itália. Este, por sua natureza, apresenta a máxima oposição ao canto gregoriano e à clássica polifonia, por isso mesmo às leis mais importantes de toda a boa música sacra. Além disso, a íntima estrutura, o ritmo e o chamado convencionalismo de tal estilo não se adaptam bem às exigências da verdadeira música litúrgica.

III. Texto Litúrgico
7. A língua própria da Igreja Romana é a latina. Por isso é proibido cantar em língua vulgar, nas funções litúrgicas solenes, seja o que for, e muito particularmente, tratando-se das partes variáveis ou comuns da Missa e do Ofício.

8. Estando determinados, para cada função litúrgica, os textos que hão de musicar-se e a ordem por que se devem cantar, não é lícito alterar esta ordem, nem substituir os textos prescritos por outros, nem omiti-los na íntegra ou em parte, a não ser que as Rubricas litúrgicas permitam suprir, com órgão, alguns versículos do texto, que são simplesmente recitados no coro. É permitido somente, segundo o costume romano, cantar um motete em honra do S. Sacramento depois do Benedictus da Missa solene. Permite-se outrossim que, depois de cantado o ofertório prescrito, se possa executar, no tempo que resta, um breve motete sobre palavras aprovadas pela Igreja.

9. O texto litúrgico tem de ser cantado como se encontra nos livros aprovados, sem posposição ou alteração das palavras, sem repetições indevidas, sem deslocar as silabas, sempre de modo inteligível.

IV. Forma externa das composições sacras
10. As várias artes da Missa e Ofício devem conservar, até musicalmente, a forma que a tradição eclesiástica lhes deu, e que se encontra admiravelmente expressada no canto gregoriano. É, pois, diverso o modo de compor um Introitus, um Gradual, uma Antifona, um Salmo, um Hino, um Gloria in excelsis, etc.

11. Observem-se, em particular, as normas seguintes:
a) O Kyrie, o Gloria, o Credo, etc., da Missa, devem conservar a unidade de composição própria do texto. Por conseguinte, não é lícito compô-las como peças separadas, de modo que cada uma destas forme uma composição musical tão completa que possa separar-se das restantes e ser substituída por outra.
b) No ofício de Vésperas deve seguir-se, ordinariamente, a norma do Caeremoniale Episcoporum que prescreve o canto gregoriano para a salmodia, e permite a música figurada nos versículos do Gloria Patri e no hino.
Contudo, é permitido, nas maiores solenidades, alternar o canto gregoriano do coro com os chamados "falsibordoni" ou com versos de modo semelhante convenientemente compostos. Poderá também conceder-se, uma vez por outra, que cada um dos salmos seja totalmente musicado, contanto que, em tais composições, se conserve a forma própria da salmodia, isto é, que os cantores pareçam salmodiar entre si, já com motivos musicais novos, já com motivos tirados do canto gregoriano, ou imitados deste.
Ficam proibidos, nas cerimónias litúrgicas, os salmos de concerto.
c) Conserve-se, nas músicas da Igreja, a forma tradicional do hino. Não é permitido compor, por exemplo, o Tantum ergo de modo que a primeira estrofe apresente a forma de romanza, cavatina ou adágio e o Genitori a de allegro.
d) As antífonas de Vésperas têm de ser cantadas, ordinariamente, com a melodia gregoriana que lhes é própria. Porém, se em algum caso particular se cantarem em música, não deverão nunca ter a forma de melodia de concerto, nem a amplitude dum motete ou de cantata.
V. Os cantores
12. Exceptuadas as melodias próprias do celebrante e dos ministros, que sempre devem ser em gregoriano, sem acompanhamento de órgão, todo o restante canto litúrgico faz parte do coro dos levitas. Por isso, os cantores, ainda que leigos, realizam, propriamente, as funções de coro eclesiástico, devendo as músicas, ao menos na sua maior parte, conservar o carácter de música de coro.
Não se entende com isto excluir, de todo, os solos; mas estes não devem nunca predominar de tal maneira que a maior parte do texto litúrgico seja assim executada; deve antes ter o carácter de uma simples frase melódica e estar intimamente ligada ao resto da composição coral.

13. Os cantores têm na Igreja um verdadeiro ofício litúrgico e, por isso, as mulheres sendo incapazes de tal ofício, não podem ser admitidas a fazer parte do coro ou da capela musical. Querendo-se, pois, ter vozes agudas de sopranos e contraltos, empreguem-se os meninos, segundo o uso antiquíssimo da Igreja.

14. Finalmente, não se admitam a fazer parte da capela musical senão homens de conhecida piedade e probidade de vida, os quais, com a sua devota e modesta atitude, durante as funções litúrgicas, se mostrem dignos do santo ofício que exercem. Será, além disso, conveniente que os cantores, enquanto cantam na igreja, vistam hábito eclesiástico e sobrepeliz e que, se o coro estiver muito exposto à vista do público, seja resguardado por grades.

VI. Órgão e Instrumentos
15. Posto que a música própria da Igreja é a música meramente vocal, contudo também se permite a música com acompanhamento de órgão. Nalgum caso particular, com as convenientes cautelas, poderão admitir-se outros instrumentos nunca sem o consentimento especial do Ordinário, conforme as prescrições do Caeremoniale Episcoporum.

16. Como o canto tem de ouvir-se sempre, o órgão e os instrumentos devem simplesmente sustentá-lo, e nunca encobri-lo.

17. Não é permitido antepor ao canto extensos prelúdios, ou interrompê-lo com peças de interlúdios.

18. O som do órgão, nos acompanhamentos do canto, nos prelúdios, interlúdios e outras passagens semelhantes, não só deve ser de harmonia com a própria natureza de tal instrumento, isto é, grave, mas deve ainda participar de todas as qualidades que tem a verdadeira música sacra, acima mencionadas.

19. É proibido, na Igreja, o uso do piano bem como o de instrumentos fragorosos, o tambor, o bombo, os pratos, as campainhas e semelhantes.

20. É rigorosamente proibido que as bandas musicais toquem nas igrejas, e só em algum caso particular, com o consentimento do Ordinário, será permitida uma escolha limitada, judiciosa e proporcionada ao ambiente de instrumentos de sopro, contanto que a composição seja em estilo grave, conveniente e semelhante em tudo às do órgão.

21. Nas procissões, fora da igreja, pode o Ordinário permitir a banda musical, uma vez que não se executem composições profanas. Seria para desejar que a banda se restringisse a acompanhar algum cântico espiritual, em latim ou vulgar, proposto pelos cantores ou pias congregações que tomam parte na procissão.

VII. Amplitude da Música Sacra
22. Não é licito, por motivo do canto, fazer esperar o sacerdote no altar mais tempo do que exige a cerimónia litúrgica. Segundo as prescrições eclesiásticas, o Sanctus deve ser cantado antes da elevação, devendo o celebrante esperar que o canto termine, para fazer a elevação. A música da Glória e do Credo, segundo a tradição gregoriana, deve ser relativamente breve.

23. É condenável, como abuso gravíssimo, que nas funções eclesiásticas a liturgia esteja dependente da música, quando é certo que a música é que é parte da liturgia e sua humilde serva.

VIII. Meios principais
24. Para o exacto cumprimento de quanto fica estabelecido, os Bispos, se ainda não o fizeram, instituam, nas suas dioceses, uma comissão especial de pessoas verdadeiramente competentes na música sacra, à qual confiarão o cargo de vigiar as músicas que se vão executando em suas igrejas para que sejam conformes com estas determinações. Nem atender somente a que sejam boas as músicas, senão também a que correspondam ao valor dos cantores, para haver boa execução.

25. Nos Seminários e nos Institutos eclesiásticos, segundo as prescrições tridentinas, consagrem-se todos os alunos ao estudo do canto gregoriano e os superiores sejam liberais em animar e louvar os seus súbditos. Igualmente, onde for possível, promova-se entre os clérigos a fundação de uma Schola Cantorum para a execução da sagrada polifonia e da boa música litúrgica.

26. Nas lições ordinárias de Liturgia, Moral e Direito Canónico, que se dão aos estudantes de teologia, não se deixe de tocar naqueles pontos que, de modo mais particular, dizem respeito aos princípios e leis da música sacra, e procure-se completar a doutrina com alguma instrução especial acerca da estética da arte sacra, para que os clérigos não saiam dos seminários ignorando estas noções, tão necessária à plena cultura eclesiástica.

27. Tenha-se o cuidado de restabelecer, ao menos nas igrejas principais, as antigas Scholae Cantorum, como se há feito já, com óptimo fruto, em muitos lugares. Não é difícil, ao clero zeloso, instituir tais Scholae, mesmo nas igrejas de menor importância, e até encontrará nelas um meio fácil para reunir em volta de si os meninos e os adultos, com proveito para eles e edificação do povo.

28. Procure-se sustentar e promover, do melhor modo, as escolas superiores de música sacra, onde já existem, e concorrer para as fundar, onde as não há. É sumamente importante que a mesma igreja atenda à instrução dos seus mestres de música, organistas e cantores, segundo os verdadeiros princípios da arte sacra.

IX Conclusão
29. Por último, recomenda-se aos mestres de capela, aos cantores, aos clérigos, aos superiores dos Seminários, Institutos eclesiásticos e comunidades religiosas, aos párocos e reitores de igrejas, aos cónegos das colegiadas e catedrais, e sobretudo aos Ordinários diocesanos, que favoreçam, com todo o zelo, estas reformas de há muito desejadas e por todos unanimemente pedidas, para que não caia em desprezo a autoridade da Igreja que repetidamente as propôs e agora de novo as inculca.

Dado em o Nosso Palácio do Vaticano, na festa da Virgem e Mártir Santa Cecília, 22 de Novembro de 1903, primeiro ano do nosso pontificado.

PAPA PIO X
© Copyright - Libreria Editrice Vaticana

(1) - «En aquest fragment s'hi concentren les principals idees que denoten la música com a litúrgica, és a dir com a element actiu i essencial - en sentit profund - de l'acció litúrgica: revestir i fer més eficaç la paraula dels textos litúrgics; excitar la devoció dels fidels i preparar-los per a rebre els fruits de la gràcia que emanen dels sants misteris celebrats. De la relació de la música amb la paraula i amb els textos litúrgics es pot entendre que la música, en cert sentit, es constitueix com la primera hermeneuta de la paraula celebrada i ens fa comprendre la Paraula, ens condueix a la contemplació i l'admiració del Misteri celebrat en la litúrgia. Cal només fer atenció a algunes melodies gregorianes per a observar com és d'íntima la relació entre melodia i text i de quina manera més sapiencial la música en subratlla el sentit. La himnòdia gregoriana, amb la distribució dels modes i l'alternança coral subratlla, expressa i crea l'ambient de reflexió, meditació (ruminatio) dels textos que l'Església posa en boca dels fidels per a santificar les hores. L'excitació a la devoció dels fidels mostra la concepció de la música com a creadora d'emoció que mou l'«afecte». Aquest és un tema molt apreciat per filòsofs i pels Pares de l'Església. La inclinació a la devoció ve a subratllar de quina manera més sàvia l'Església sempre ha utilitzat la música per a arribar al cor, a l'interior, al lloc on la simple predicació amb paraules no pot arribar; de quina manera més sàvia l'Església ha fet de l'art un dels seus principals elements de catequesi. La preparació per a rebre la gràcia de la vida litúrgica celebrada ens sembla l'element més nou del text de Pius X, juntament amb el ja famós de la participació activa. Fàcilment es pot entendre que la participació en el cant per part de l'assemblea és una de les aplicacions directes d'aquesta intuïció. Tot i així, ens sembla molt més profunda la intuïció de Pius X si es llegeix en connexió amb la qüestió moció interna a la devoció. Aquesta preparació-participació activa no es redueix a la materialitat del cant, és a dir, no tan sols en l'acció de cantar activament es participa, sinó que ve exemplificada amb l'acció de l'escolta: escolta de la paraula, escolta de la música, que es complementen íntimament si la música és veritablement litúrgica". Ambdues es comenten, s'identifiquen i penetren entre si en el més íntim del creient, que va entrant, en actitud d'escolta i d'Obertura a la gràcia santificant, obrint-se, per tant, a la vivència de l'encontre amb Crist. És una dinàmica semblant a allò que es realitza en els sagraments. La música té així una funció plena de significat ja que, per mitjà de l'experiència estètica, s'obre al món de la bellesa del misteri de Déu i obre, eficaçment, el cor a l'escolta de la Paraula, a l'encontre amb Crist i a la realització de l'obra de la salvació operada en la litúrgia. En el fons estem parlant d'una dimensió «quasi» sacramental de la música. Aquests elements ens semblen claus en la concepció del MP i són fonamentals per a la seva recta interpretació. Tota la resta resulta derivat d'això i justament interpretat: la bondat de les formes de la música, l'alternança gregorià-polifonia, la santedat de la música, la música moderna, l'orgue, la funció ministerial dels cantors, tot s'ha de llegir d'acord amb aquesta atenció a la paraula celebrada, a l'adoració d'allò que se celebra i a l'obertura a les fonts de la gràcia que l'home i la dona cridats a la comunió amb Déu reben en la vida sacramental i litúrgica. En aquest sentit les limitacions pròpies del seu temps del text del MP - llegeixi's la discriminació de la dona, la prohibició de certs instruments, l'adopció de detertninades formes i arquetips - apareixen tan menors que deixen de ser consistents. La situació actual de la música en la litúrgia, i aquí sí que podem especificar en la litúrgia catòlica, dista molt de respondre a les intuïcions del Papa Pius X. Potser una relectura del seu pensament, d'acord amb la riquesa de la SC, ens oferiria elements per a un nou treball de comprensió de la funció de la música en la litúrgia.»

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