sábado, 24 de novembro de 2012

Bento XVI: canto gregoriano e polifonia do Renascimento para o Ano da Fé


Queridos irmãos e irmãs!

É com grande alegria que vos recebo, por ocasião da peregrinação organizada pela Associação Italiana Santa Cecília, à qual dirijo antes de tudo as minhas felicitações, com a saudação cordial ao Presidente, ao qual agradeço pelas gentis palavras, e a todos os colaboradores. Com afecto vos saúdo a vós, que pertenceis a numerosas Scholae Cantorum de todas as partes da Itália! Sinto-me muito feliz por vos encontrar, e também por saber — como aqui foi recordado — que amanhã participareis na Basílica de São Pedro na celebração eucarística presidida pelo Cardeal Arcipreste Angelo Comastri, oferecendo naturalmente o serviço do louvor com o canto.

Este vosso congresso situa-se intencionalmente na celebração do cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II. E vi com prazer que a Associação Santa Cecília pretendeu deste modo repropôr à vossa atenção o ensinamento da Constituição conciliar sobre a liturgia, em particular onde — no sexto capítulo — trata da música sacra. Nesta circunstância, como bem sabeis, quis para toda a Igreja um especial Ano da fé, a fim de promover o aprofundamento da fé em todos os baptizados e o comum compromisso pela nova evangelização. Por isso, ao encontrar-me convosco, quereria ressaltar brevemente como a música sacra pode, antes de tudo, favorecer a fé e, além disso, cooperar para a nova evangelização.

Sobre a fé, é espontâneo pensar na vicissitude pessoal de Santo Agostinho — um dos grandes Padres da Igreja, que viveu entre o IV e o V século depois de Cristo — para cuja conversão contribuiu certamente de maneira relevante a escuta do canto dos salmos e dos hinos, nas liturgias presididas por Santo Ambrósio. Se, de facto, a fé nasce sempre da escuta da Palavra de Deus — uma escuta naturalmente não só dos sentidos, mas que dos sentidos passa para a mente e para o coração — não há dúvida de que a música e sobretudo o canto podem conferir à recitação dos salmos e dos cânticos bíblicos maior força comunicativa. Entre os carismas de Santo Ambrósio havia precisamente o de uma aguda sensibilidade e capacidade musical, e ele, uma vez ordenado Bispo de Milão, meteu este dom ao serviço da fé e da evangelização. Em relação a isto, é muito significativo o testemunho de Agostinho, que naquele tempo era professor em Milão e procurava a Deus, procurava a fé. No décimo livro das Confissões, da sua Autobiografia, ele escreve: «Quando me voltam à mente as lágrimas que os cânticos da Igreja me fizeram derramar nos primórdios da minha fé reconquistada, e a comoção que ainda hoje suscita em mim não o cântico, mas as palavras cantadas, se são cantadas com voz límpida e com a modulação mais conveniente, reconheço de novo a grande utilidade desta prática» (33, 50). A experiência dos hinos ambrosianos foi tão forte, que Agostinho os levou impressos na memória e citou-os com frequência nas suas obras; aliás, escreveu uma obra precisamente sobre a música, a De Musica. Ele afirma que não aprova, durante as liturgias cantadas, a busca do mero prazer sensível, mas reconhece que a música e o canto bem feitos podem ajudar a acolher a Palavra de Deus e a sentir uma salutar comoção. Este testemunho de Santo Agostinho ajuda-nos a compreender o facto de que a Constituição Sacrosanctum Concilium, em linha com a tradição da Igreja, ensina que «o canto sacro, unido às palavras, é parte necessária e integrante da liturgia solene» (n. 112). Porquê «necessária e integrante»? Certamente não por motivos estéticos, num sentido superficial, mas porque coopera, precisamente pela sua beleza, para nutrir e expressar a fé e, por conseguinte, para a glória de Deus e a santificação dos fiéis, que são os fins da música sacra (cf. ibid.). Precisamente por este motivo gostaria de vos agradecer o serviço precioso que prestais: a música que executais não é um acessório ou só um embelezamento exterior da liturgia, mas ela mesma é liturgia. Vós ajudais toda a Assembleia a louvar a Deus, a fazer penetrar no profundo do coração a sua Palavra: com o canto rezais e fazeis rezar, e participais no canto e na oração da liturgia que abraça a criação inteira na glorificação do Criador.

O segundo aspecto que proponho à vossa reflexão é a relação entre o canto sacro e a nova evangelização. A Constituição conciliar sobre a liturgia recorda a importância da música sacra na missão ad gentes e exorta a valorizar as tradições musicais dos povos (cf. n. 119). Mas também precisamente nos países de antiga evangelização, como a Itália, a música sacra — com a sua grande tradição que lhe é própria, que é cultura nossa, ocidental — pode ter de facto uma tarefa relevante, para favorecer a redescoberta de Deus, uma renovada abordagem da mensagem cristã e dos mistérios da fé. Pensamos na célebre experiência de Paul Claudel, poeta francês, que se converteu ouvindo o canto do Magnificat durante as Vésperas de Natal na Catedral de Notre-Dame de Paris: «Naquele momento — escreve ele — deu-se o acontecimento que domina toda a minha vida. Num instante o meu coração foi tocado e eu acreditei. Acreditei com uma força de adesão tão grande, com uma tal elevação de todo o meu ser, com uma convicção tão poderosa, numa certeza que não deixava lugar a espécie alguma de dúvida e que, a partir daquele momento, raciocínio algum ou circunstância da minha vida movimentada puderam abalar a minha fé nem afectá-la». Mas, já sem incomodarmos personagens ilustres, pensemos em quantas pessoas foram tocadas no fundo do ânimo ouvindo música sacra; e ainda mais em quantos se sentiram de novo atraídos por Deus através da beleza da música litúrgica como Claudel. E aqui, queridos amigos, vós desempenhais um papel importante: comprometei-vos por melhorar a qualidade do canto litúrgico, sem ter receio de recuperar e valorizar a grande tradição musical da Igreja, que no gregoriano e na polifonia tem duas das expressões mais nobres, como afirma o Vaticano II (cf. Sacrosanctum Concilium, 116). E gostaria de ressaltar que a participação activa de todo o Povo de Deus na liturgia não consiste só em falar, mas também em escutar, em acolher com os sentidos e com o espírito a Palavra, e isto vale também para a música sacra. Vós, que tendes o dom do canto, podeis fazer cantar o coração de tantas pessoas nas celebrações litúrgicas.

Queridos amigos, faço votos de que na Itália a música litúrgica tenda cada vez mais para o alto, para louvar dignamente o Senhor e para mostrar como a Igreja é o lugar no qual a beleza está em casa. Mais uma vez obrigado a todos por este encontro! Obrigado.

sábado, 3 de novembro de 2012

Veterum Sapientia (1962), Papa João XXIII

Beato João XXIII, o Papa que convocou o
Concílio Vaticano II. Em 1962 escreveu a
carta apostólica que aqui publicamos, a qual
foi assinada pelo Papa no altar de S. Pedro, no
Vaticano. Esta tradução portuguesa,
 não-oficial, adaptada do site da
Associação Cultural Monfort, à
qual agradeço, e que pode ser confrontada
com a versão original em Latim no site do
Vaticano. Pedimos o favor a quem saiba de
uma tradução oficial desta Constituição,
que no-la comunique para que a possamos
substituir por esta.
A propósito do assunto, já aqui tenho
apresentado alguns exemplos de cânticos
gregorianos transcritos para o Português
,
os quais tenho cantado durante a Liturgia.
Na minha curta experiência com o assunto,
a assembleia não entende o que digo
quando canto estes cânticos em português,
especialmente se forem muito ornados
ou melismáticos, como os da Liturgia
da Palavra ou do Ofertório; para eles,
é Latim à mesma. Isto, juntamente com
o que vem escrito nesta Constituição,
mais o estarem os cânticos gregorianos
especialmente moldados ao texto litúrgico
em Latim (à sua semântica, à sua sintaxe,
à sua acentuação), o que transforma a
adaptação de tal estilo musical à língua
Portuguesa num verdadeiro trabalho de
composição para o qual não estou de
maneira nenhuma preparado, leva-
-me a abandonar por completo novas
tentativas "Gregorianáculas".
CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO XXIII
SOBRE O ESTUDO DA LATINIDADE QUE HÁ-DE SER FEITO

JOÃO, BISPO E SERVO DOS SERVOS DE DEUS,
PARA A PERPÉTUA MEMÓRIA DO ASSUNTO

VETERVM SAPIENTIA

1. A sabedoria dos antigos, contida nas obras literárias romanas e gregas, bem como os memoráveis ensinamentos dos antigos povos, devem ser entendidos como a aurora anunciadora da Verdade Evangélica, que o Filho de Deus, «juiz e mestre da graça e da ciência, luz e guia do gênero humano» (1) anunciou nesta terra. De facto, os Padres e Doutores da Igreja reconheceram nestes antiqüíssimos e importantíssimos monumentos literários uma certa preparação dos ânimos para receber a celeste riqueza que Jesus Cristo «aquando da plenitude dos tempos» (2), comunicou aos mortais; disto resulta claramente que, com o advento do Cristianismo, não se perdeu o quanto de verdade, de justo, de nobre e também de belo os séculos passados tinham produzido.


2. Por isso a Santa Igreja teve sempre em grande consideração os documentos daquela sabedoria e antes de tudo as línguas Latina e Grega, como vestimentas douradas da mesma sabedoria; aceitou ainda o uso de outras veneráveis línguas que floresceram nas regiões orientais, que muito contribuíram para o progresso do género humano e da civilização; as mesmas, usadas nas cerimónias religiosas ou na interpretação das Sagradas Escrituras, têm muito vigor ainda hoje em algumas regiões, como contínuas vozes de um uso antigo ainda vigoroso.

3. Na variedade destas línguas certamente se distingue aquela que, nascida no Lácio, depois auxiliou admiravelmente a difusão do Cristianismo nas regiões ocidentais. E ainda, não sem disposição da Divina Providência, aconteceu que a língua, que por muitíssimos séculos havia unido tantos povos sob o Império Romano, se tornou a própria língua da Sé Apostólica (3) e, guardada pela posteridade, uniu num mesmo vínculo, uns com outros, os povos cristãos da Europa.


De facto, pela sua própria natureza, a língua latina é capaz de promover, junto a qualquer povo, toda a forma de cultura; e como não suscita inveja e se apresenta imparcial para todos os povos, não é privilégio de ninguém, e, enfim, a todos aceita e reúne. Não se deve esquecer que a língua latina tem uma nobreza de estrutura e de gramática, permitindo a possibilidade de «um estilo conciso, rico, harmonioso, cheio de majestade e de dignidade» (4), que singularmente contribui à clareza e à seriedade.


4. Por estes motivos a Santa Sé cuidou carinhosamente da conservação e do desenvolvimento da língua latina, e considera-la digna de ser usarda «como magnífica veste da doutrina celeste e das santíssimas leis» (5), no exercício do seu magistério, e quer também que os seus ministros a usem. De facto, estes homens da Igreja, onde quer que se encontrem, usando a língua de Roma, podem mais rapidamente vir a saber o que se refere à Santa Sé e ter com ela e entre eles uma comunicação mais ágil.


«O conhecimento pleno e o uso dessa língua», tão ligada à vida da Igreja, «não importa tanto às Humanidades e às Letras quanto à Religião» (6), como o Nosso Predecessor de imortal memória Pio XI nos ensinou; ele, ocupando-se cientificamente do tema, indicou claramente os três dons dessa língua, de um modo admirável, conforme a natureza da Igreja: «Com efeito, a Igreja, assim como mantém unidos no seu conjunto todos os povos e durará até a consumação dos séculos (...), exige, pela sua natureza, uma linguagem universal, imutável, não vulgar» (7).


5. E como é preciso, na verdade, que «cada Igreja se una» à Igreja Romana (8), e, tendo os Sumos Pontífices «autoridade episcopal, ordinária e imediata sobre todas as Igrejas e sobre cada Igreja em particular, sobre todos os pastores e sobre cada pastor e seus fiéis» (9) de qualquer rito, de qualquer nação, de qualquer língua que sejam, parece ser conseqüência natural que o meio de comunicação seja universal e o mesmo para todos, especialmente entre a Sé Apostólica e as Igrejas que seguem o mesmo rito latino. Assim, tanto os Pontífices Romanos, quando querem comunicar algum ensinamento aos povos católicos, como os Dicastérios da Cúria Romana, quando tratam de assuntos, quando emitem decretos dirigidos a todos os fiéis, usem sempre a língua latina, que é recebida por incontáveis pessoas, como voz da mãe comum.


6. E é necessário que a Igreja use uma língua não só universal, mas também imutável. Se, de facto, as verdades da Igreja Católica fossem confiadas a algumas ou a muitas línguas modernas que estão sujeitas à contínua mudança, e, ainda, as quais nenhuma tem sobre as outras maior autoridade e prestígio, resultaria, sem dúvida alguma, que, devido às suas variações, não seria manifestado a muitos com suficiente precisão e clareza o sentido de tais verdades, nem, de outro lado, poderíamos dispor de alguma língua comum e estável, com que confrontar o significado das outras. Pelo contrário, a língua latina, há muito tempo imune àquelas variações que o uso diário do povo costuma introduzir nas palavras, deve ser considerada estável e imóvel, visto que as novas significações de algumas palavras latinas postuladas pelo progresso, a interpretação e a defesa das verdades cristãs já foi definitivamente adquirido e estabelecido.
7. Finalmente, como a Igreja Católica, tendo sido fundada por Cristo Nosso Senhor, excede significativamente em dignidade a todas as sociedades humanas, é sumamente conveniente que ela use uma língua não vulgar, mas rica de majestade e de nobreza.


8. Além disso, a língua latina, que «com todo o direito podemos chamar de católica» (10), pois é própria da Sé Apostólica, mãe e mestra de todas as Igrejas, consagrada pelo uso perene, deve ser mantida como «tesouro de incomparável valor» (11) e como porta através da qual se abre a todos o acesso às mesmas verdades cristãs, transmitidas dos antigos tempos, para interpretar o testemunho da doutrina da Igreja (12); é, enfim, o mais idóneo vínculo, mediante o qual a Igreja da idade presente se mantém unida aos tempos passados e ao futuro de modo admirável.


9. Na verdade, ninguém pode duvidar que a língua dos Romanos e a cultura humanística sejam providas daquela força intrínseca, e mais capacitada, para instruir e formar as tenras mentes dos jovens. Através dela, de facto, formam-se, amadurecem, e aperfeiçoam-se as melhores capacidades da alma; a finura da mente e a capacidade de juízo aguçam-se; além disso, a inteligência da criança é mais convenientemente preparada para compreender e julgar no justo senso cada coisa; enfim, aprende-se a pensar e a falar com suma ordem.


10. Reflectindo sobre todos estes méritos, compreende-se por que os Pontífices Romanos tão freqüente e sumamente louvaram não só a importância e a excelência da língua latina, mas também prescreveram o seu estudo e sua prática aos ministros sagrados de todo o clero, sem omitir a denúncia dos perigos derivantes do seu abandono.


Também Nós, impelidos por esses gravíssimos motivos, tais os Nossos Predecessores e os Sínodos Provinciais (13), com firme vontade queremos empenharmo-nos para que o estudo e o uso desta língua, restituída à sua dignidade, faça sempre maiores progressos. E como neste nosso tempo começou a contestar-se em muitos lugares o uso da língua Romana e muitíssimos pedem o parecer da Sé Apostólica sobre tal assunto, decidimos, com oportunas normas enunciadas neste documento, proceder de tal modo que o antigo e jamais interrupto costume da língua latina seja conservado e, se de alguma forma ele foi colocado em desuso, seja completamente restabelecido.


Além disso, como é o nosso entendimento sobre tal tema, acreditamos tê-lo suficiente e claramente declarado quando dirigimos estas palavras aos ilustres estudiosos do Latim: «Infelizmente, muitos há que, seduzidos exageradamente pelo extraordinário progresso das ciências, têm a presunção de repelir ou de limitar o estudo do Latim e de outras disciplinas do gênero (...). Justamente movidos por esta necessidade, julgamos Nós que se deva tomar o caminho oposto. E como a alma se nutre e compenetra de tudo aquilo que mais honra a natureza e a dignidade do homem, com maior ardor se deve assimilar aquilo que enriquece e embeleza o espírito, para que os míseros mortais não sejam frios, áridos e privados de amor, como as máquinas que fabricam» (14).


11. Após ter examinado e considerado atentamente estas coisas, com a segura consciência do Nosso serviço, e no exercício da Nossa autoridade, definimos e ordenamos o quanto segue:


§ 1. Que os Bispos e os Superiores das Ordens religiosas se empenhem eficazmente para que nos seus Seminários e nas suas Escolas, nas quais os jovens são preparados para o sacerdócio, todos se voltem com empenho à vontade da Sé Apostólica e obedeçam com a maior diligência a estas Nossas prescrições.


§ 2. Que os mesmos Bispos e Superiores Gerais das Ordens religiosas, movidos de paterna solicitude, deverão vigiar para que nenhum dos seus subordinados, ansioso de novidades, escreva contra o uso da língua latina no ensino das sagradas disciplinas e nos sagrados ritos da Liturgia e, com opiniões preconceituosas, se permita de diminuir a vontade da Sé Apostólica na matéria e de interpretá-la erroneamente.


§ 3. Que, como está estabelecido nas disposições quer do Código do Direto Canônico (can. 1364) quer pelos Nossos Predecessores, os aspirantes ao Sacerdócio, antes de iniciar os estudos eclesiásticos verdadeiros e específicos, sejam instruídos na língua latina com sumo cuidado e com método racional, por mestres extremamente capazes, por um conveniente período de tempo, «também para que, atingindo disciplinas que exigem maior empenho...não aconteça que, ignorando a língua, não possam alcançar a completa compreensão das doutrinas e nem mesmo exercitar-se nas discussões escolásticas, por meio das quais a mente dos jovens se afinam na defesa da verdade» (15). E queremos que esta norma seja estendida também àqueles que, chamados pela vontade divina a receber as sagradas ordens em idade avançada, se aplicaram pouco ou nada nos estudos humanísticos. Ninguém, na verdade, deve ser introduzido no estudo das disciplinas filosóficas ou teológicas se não tenha sido plena e perfeitamente instruído nesta língua e saiba usá-la bem.


§ 4. Se, ainda, nalgum país onde se adoptou o programa de estudo próprio das escolas públicas do Estado, o estudo da língua latina sofreu diminuições prejudiciais a um ensino sólido e eficiente, decretamos que, em tal caso, seja completamente restabelecida a ordem tradicional do ensino de tal língua para a formação dos sacerdotes: porque todos devem persuadir-se de que, também neste campo, o método de instrução dos futuros sacerdotes deve ser escrupulosamente defendido, não só quanto ao número e gênero das matérias, mas também relativamente aos períodos de tempo necessários para ensiná-las. E se, por exigências circunstanciais de tempo e de lugar, se devem acrescentar, por necessidade, disciplinas comuns, nesse caso ou se prolongue o curso dos estudos ou se resuma a matéria, ou, enfim, se adie o estudo para um outro momento.


§ 5. As mais importantes disciplinas sagradas, como foi freqüentemente prescrito, devem ser ensinadas na língua latina, a qual, como o demonstra a experiência de muitos séculos, «é reconhecida como a mais apta para explicar a íntima e a profunda natureza das noções e das formas com absoluta clareza e lucidez» (16); com mais razão ainda porque ela se enriqueceu com as palavras apropriadas e precisas para defender inequivocamente a integridade da fé católica, e não está sujeita a dubiedades de qualquer vazia verbosidade. Por isso, aqueles que na Universidade ou nos Seminários ensinam tais disciplinas são obrigados a falar em Latim e usar textos escritos em Latim. Se alguns, por ignorarem a língua latina, não podem obedecer estas prescrições da Santa Sé, devem ser gradativamente substituídos por docentes especificamente preparados para tal. Se, ainda, alunos e professores apresentem dificuldades, é preciso que estas sejam vencidas pela firmeza dos Bispos e dos Superiores religiosos e pela boa disposição dos docentes.


§ 6. Como a língua latina é língua viva da Igreja, que deve ser continuamente adequada às crescentes necessidades da linguagem e enriquecida com novos apropriados e convenientes vocábulos, segundo uma regra constante, universal e conforme o espírito da antiga língua latina – regra já seguida pelos Santos Padres e pelos melhores escritores «escolásticos» - confiamos à Sagrada Congregação dos Seminários e das Universidades de Estudos a responsabilidade de fundar uma Academia de Estudos Latinos. Tal Academia, na qual é preciso que seja constituído um Colégio de Professores especializadíssimos em Latim e Grego, convocados de diversas partes do mundo, será sobretudo destinada a, não diferentemente do que acontece nas Academias nacionais constituídas para o incremento das línguas nacionais dos respectivos países, prover ao mesmo tempo um ordenado desenvolvimento do estudo da língua latina e acrescentar, se preciso, o léxico com palavras adequadas à sua natureza e ao seu caráter, e que tenha, paralelamente, cursos sobre o Latim para cada época, mas principalmente da época Cristã. Nessas escolas, todos os estudantes serão também instruídos paraobterem uma consciência mais profunda do latim, para o usarem e de modo a escreverem apropriada e elegantemente, ou ainda para o ensinar nos Seminários e nos Colégios eclesiásticos, redigir decretos ou sentenças, ou melhorar a correspondência das Congregações da Santa Sé, nas Cúrias, nas Dioceses, e nos escritórios das Ordens religiosas.


§ 7. Como a língua latina está estreitamente ligada à grega, e pelo conjunto da sua estrutura e importância dos seus textos transmitidos de geração em geração, é necessário que também nesta sejam instruídos os futuros ministros das artes das escolas inferiores e médias, como muitas vezes os Nossos Predecessores ordenaram, para que, quando se aplicarem às disciplinas superiores, em especial os cursos acadêmicos sobre as Sagradas Escrituras e a Sagrada Teologia, eles tenham as condições necessárias para se aproximarem e interpretarem exactamente não só as fontes gregas da filosofia escolástica, mas também os textos originais das Sagradas Escrituras, da Liturgia e dos Santos Padres gregos. (17)


§ 8. Ordenamos ainda à mesma Sagrada Congregação de preparar um programa de estudos da língua latina, que todos devem observar com extremo cuidado, de modo que todos os que o seguirem adquiram o respectivo conhecimento e prática daquela língua. Se fôr necessário, as Comissões dos Ordinários poderão regular diversamente o programa, mas nunca alterar ou diminuir sua natureza e o seu fim. Entretanto, os Bispos não devem actuar conforme suas decisões sem a devida análise e aprovação da Sagrada Congregação.


12. Finalmente, em virtude da Nossa Autoridade Apostólica queremos e ordenamos que quanto estabelecemos, decretamos, e ordenamos nesta Nossa Constituição seja definitivamente fixado e sancionado, não obstante quaisquer prescrições em contrário, embora dignas de especial menção.

Dado em Roma, junto a S. Pedro, no dia 22 de Fevereiro, Festa da Cátedra de S. Pedro Apóstolo, no ano de 1962, quarto do Nosso Pontificado.

JOÃO PAPA XXIII


(1) Tertull., Apol. 21; Migne, PL 1, 394.
(2) Eph. 1, 10.
- Textus editus in AAS 54(1962) 129-35; et in L'Oss. Rom. 24 Febbr. 1962, p. 1-2.
(3) Epist. S. Congr. Stud. Vehementer sane, ad Ep. universos, 1 Iul. 1908: Ench. Cler., N. 820. Cfr etiam Epist. Ap. Pii XI, Unigenitus Dei Filius, 19 Mar. 1924: A.A.S. 16 (1924), 141.
(4) Pius XI, Epist. Ap. Offιciorum omnium, 1 Aug. 1922: A.A.S. 14 (1922), 452-453.
(5) Pius XI, Motu Proprio Litterarum latinarum, 20 Oct. 1924: A.A.S. 16 (1924), 417.
(6) Pius XI, Epist. Ap. Offιciorum omnium, 1 Aug. 1922: A.A.S. 14 (1922) 452.
(7) Ibidem.
(8) S. Iren., Adv. Haer. 3, 3, 2; MignePG 7, 848.
(9) Cfr C. I. C., can. 218, § 2.
(10) Cfr Pius XI, Epist. Ap. Officiorum omnium, 1 Aug. 1922: A.A.S. 14 (1922), 453.
(11) Pius XII, Alloc. Magis quam, 23 Nov. 1951: A.A.S. 43 (1951) 737.
(12) LEO XIII, Epist. Encycl. Depuis le jour, 8 Sept. 1899: Acta Leonis XIII 19 (1899) 166.
(13) Cfr Collectio Lacensis, praesertim: vol. III, 1918s. (Conc. Prov. Westmonasteriense, a. 1859); vol. IV, 29 (Conc. Prov. Parisiense, a. 1849); vol. IV, 149, 153 (Conc. Prov. Rhemense, a. 1849); vol. IV, 359, 361 (Conc. Prov. Avenionense, a. 1849); vol. IV, 394, 396 (Conc. Prov. Burdigalense, a. 1850); vol. V, 61 (Conc. Strigoniense, a. 1858); vol. V, 664 (Conc. Prov. Colocense, a. 1863) ; vol. VI, 619 (Synod. Vicariatus Suchnensis, a. 1803).

(14) Ad Conventum internat. « Ciceronianis Studiis provehendis », 7 Sept. 1959; in Discorsi Messaggi Colloqui del Santo Padre Giovanni XXIII, I, pp. 234-235; cfr etiam Alloc. ad cives dioecesis Placentinae Romam peregrinantes habita, 15 Apr. 1959: L'Osservatore Romano, 16 apr. 1959; Epist. Pater misericordiarum, 22 Aug. 1961: A.A.S. 53 (1961), 677; Alloc. in sollemni auspicatione Collegii Insularum Philippinarum de Urbe habita, 7 Oct. 1961: L'Osservatore Romano, 9-10 Oct. 1961 Epist. Iucunda laudatio, 8 Dec. 1961: A.A.S. 53 (1961), 812.
(15) Pius XI, Epist. Ap. Officiorum omnium, 1 Aug. 1922: A.A.S. 14 (1922), 453.
(16) Epist. S. C. Studiorum, Vehementer sane, 1 Iul. 1908: Ench. Cler., n. 821.
(17) Leo XII, Litt. Encycl. Providentissimus Deus, 18 Nov. 1893: Acta Leonis XIII, 13 (1893), 342; Epist. Plane quidem intelligis, 20 Maii 1885, Acta, 5, 63-64; Pius XII, Alloc. Magis quam,23 Sept. 1951: A.A.S. 43 (1951), 737.