quinta-feira, 16 de maio de 2024

Alberto Turco: os Ofertórios das Solenidades Pascais

Continuamos a tradução e republicação
dos espantosos artigos contidos no 

  

Alberto Turco

Os Ofertórios das solenidades pascais

São dezoito os ofertórios não sálmicos, dos quais dezassete estão presentes no nosso Graduale Romanum. O décimo oitavo ofertório é o Factus est repénte de Pentecostes. Estes ofertórios conservam traços da tradição galicana; em Roma eram os salmos que preenchiam a liturgia.

Os ofertórios Angelus Domini, Viri Galilǽi, Factus est repénte devem ser considerados os cantos primitivos da Páscoa, da Ascensão e do Pentecostes. Nos Antifonais Gregorianos dos séculos VIII-IX ocupam uma posição significativa:
- Angelus Dómini, na feria II do Anjo e na Oitava da Páscoa (AMS 81a - 87);
- Ascéndit Deus, na Vigília da Ascensão (AMS 101bis);
- Factus est repénte, no próprio dia de Pentecostes, como segundo (item) ofertório do Antiphonale de Mont-Blandin (AMS 106).
Estes, ao contrário dos outros ofertórios, têm apenas um verseto; não é exceção o 2º v. de Angelus Dómini, que foi composto para a Oitava da Páscoa.
As peças da historicização, com textos salmos, que substituíram os precedentes, são Terra trémuit para a Páscoa, do salmo 75, 9. 10 (GT 199), Ascéndit Deus para a Ascensão, do salmo 46, 6 (GT 237), Confírma hoc Deus para Pentecostes, do Salmo 67, 29-30 (GT 255).

1. Angelus Dómini (GT 217).

O texto, ligeiramente adaptado e reformulado, é retirado de Mt 28, 2-5-6. Todas as palavras têm um seu curso melódico; todas têm um melisma no acento; todas as finais são tratadas brevemente. Trata-se de um estilo compositivo diferente do de outras peças do fundo primitivo do repertório gregoriano. Com efeito, o estilo “antigo” vinha expresso em dois momentos: o anúncio de um texto, ao qual se seguia a meditação (leitura do Evangelho e Homilia): cfr. o Gr. Gloriósus (GT 456), em que as palavras possuem a parte ornada (iubilus) na última sílaba. O estilo composicional “moderno”, precisamente o do nosso ofertório, não necessita de apresentar o texto: adorna-se palavra por palavra, cada sílaba é dilatada, mas sobretudo ilustra-se o acento (anima vocis).

Particularidades:
O incipit de Angelus é comum ao do timbre modal da ant. Angelus autem Dómini de Páscoa (AM 453). É injustificada a acentuação Angélus tanto no grego como no latim. A melodia é dada por uma fórmula galicana, onde o Dó é o efeito do desenvolvimento melódico de Si bemol a Si bequadro;
Dómini: o som Si é evitado deliberadamente;
descéndit: aparecimento e desaparecimento imediato de um Mi grave (escala pentatónica no estado puro);
cælo:     do     do/si     do-sol-la
                       do/si    do-re-mi-do-do
et dixit: fórmula galicana, presente em outras peças. Por exemplo, Of. Viri Galilæi (GT 237), In. Omnes gentes (GT 297), Of. Stetit ángelus (GT 610), Gr. Dilexísti (GT 500), Of. Posuísti (GT 500);
muliéribus: três notas na sílaba final: um máximum;
quem quǽritis: terminatio clássica, emprestada para a ornamentação do acento;
surréxit: cfr. Of. Si ambulávero ... “extendes” (GT 341), Of. Precátus est ... “et dixit” (GT 317);
allelúia: “incorporado”.

2. Viri Galilǽi (GT 237)

O texto é tomado de Actos 1, 11. Discurso de despedida, já utilizado no intróito; mas aqui, o texto é prolongado:

OfertórioIntróito e Responsório
Viri Galilǽi, quid admiráminiViri Galilǽi, quid admirámini
aspiciéntes in cælum? Hic Iesus,aspiciéntes in cælum? [
qui assumptus est a vobis in cælum,
sic véniet, quæmádmodum vidístis eum] quæmádmodum vidístis eum
ascendéntem in cælum, [ ] allelúia.ascendéntem in cælum, ita veniet, alleluia.

É a «parusia» o verdadeiro anúncio (sic véniet, ita véniet) da festa da Ascensão.

A melodia deste ofertório não provém da tradição romana, mas sim galicana. Ali se encontram fórmulas galicanas. As cópias deste ofertório (Stetit ángelus, GT 610; Iustórum ánimæ, GT 468) deixaram de fora as passagens melódicas difíceis, eliminando quase todos os recitativos, no âmbito melódico grave da peça até ascendentem. Repetição de fórmulas: aspiciéntes - cælum (2ª vez) - véniet (em parte) – dixérunt (v. 1). Esta fórmula encontra-se ainda em Gr. Dómine, prævenísti… “longituúdinem” (GT 509).

Existem algumas incertezas na escrita neumática: por exemplo, no interior do iubilus de cælum (1ª vez), é raríssima a grafia do trigon grave, em que o último elemento após o tractulus é escrito com um punctum encolhido. Incerteza ainda, dentro do iubilus de ascendéntem ao escrever o som grave dos neumas com o tractulus, por oposição ao correspondente punctum encolhido em Stetit ángelus.

3. Factus est repente [1]

[1] HESBERT R.-J., Un antique offertoire de la Pentecôte : ‘Factus est repente’, «Organicæ voces», festschrift Joseph Smits Van Waesberghe, Amsterdam, 1963, pp. 59-69.

Os testemunhos manuscritos desta peça encontram-se quase exclusivamente em Benevento e, provavelmente, em algumas igrejas da área litúrgica romano-beneventana.
Sabemos que o rito romano se instaura em Benevento no séc. VIII. É bem provável que, por esta altura, o Factus est repénte tenha chegado a Benevento.
O texto é retirado de Actos 2, 2. O do intróito a renda é reformulado: Actos 2, 2-4-11.

OfertórioIntróito e Responsório
Factus est repénte de cælo sonus Factus est repénte de cælo sonus
tamquam adveniéntis spíritus veheméntis, adveniéntis spíritus veheméntis
et replevit totam domum et repléti sunt Spíritu Sancto, 
ubi erant sedéntes, allelúia.    loquéntes magnália Dei, allelúia.

Factus est repénte é uma peça galicana, que conservou mais que as precedentes esta conotação modal. Pode colocar-se ao mesmo nível do Of. Elegérunt Apóstoli (GT 634) [2]. Em ambos, temos o triunfo do neuma monossónico na sílaba final da palavra e o iubilus no acento da mesma. Além disso, o neuma cadencial, antecipado no acento verbal, é o mesmo dos Tractos em Ré. Enfim, o estilo galicano está bem presente com o acento cadencial no grave: cfr. a alleluia final das duas peças; “di-cén-tem” no Of. Elegérunt.

[2] Destaquemos outros ofertórios provenientes da tradição galicana: Prótege, Dómine (GT 599), Dómine Iesu Christe (GT 674), Felix namque es (GT 422), O pie Deus (Offertoriale Triplex 178).

O texto:
A pontuação textual não está em sintonia com a melódica. O texto consta de duas frases amplas.
Frase I: Factus est repénte de cælo sonus
                    tamquam adveniéntis spíritus veemémentis,
Frase II: et replevit totam domum
                    ubi erant sedéntes, aleluia.

A melodia:
A melodia da frase I subdivide-se em duas partes, cada uma das quais consistindo de três incisos melódicos de género ornado. Eis o fraseado:
Factus est (sol)     repente (do)                                de caelo (sol)
sonus (sol)            tamquam adveniéntis (re-do)     spíritus veheméntis (sol).

A melodia da frase II consta de quatro secções, caracterizadas pelo âmbito melódico grave:
et replévit: o amplo iubilus sintetiza a modalidade de uma das seções precedentes: “sol - do - sol”.
totam domum: a cadência desce ao grave uma quarta, em Ré (protus à quarta).
ubi erant sedéntes: a cadência desce para a quinta, em Dó (tetrardus autêntico), uma antecipação da modalidade do verseto.
allelúia: corda dominante e cadência final Sol (= Ré em terminologia arcaica).

Conclusão:
O Factus est repénte é um modo de Ré, escrito em dominante Sol (=Re). A alternância de Sib, no âmbito grave da melodia, e Siq, no âmbito agudo da melodia.

Outras particularidades:
Em “repénte” propõe-se novamente a melodia de “de cælo” do Of. Angelus Dómini.
A série de sons conjuntos de Dó até Lá em “sonus” encontra-se na antífona galicana Alleluia. Hódie omnes Apóstoli de Pentecostes (Processional Monástico 88).

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