domingo, 21 de novembro de 2010

Cânticos da Solenidade de Cristo-Rei / Christus Universorum Rex

Apresentamos as 2 versões que já tivemos o privilégio de cantar em anos consecutivos.
1ª Versão - Simples (por nós cantada em 2010): Todas as peças pertencem ao Graduale Simplex (GS), excepto a comunhão Sedebit, retirada do Graduale Romanum (GR).
  • Antiphona ad introitum: Regnum eius regnum sempiternum est (GS)
  • Psalmus responsorius E5: Omnes gentes servient ei (GS)
  • Alleluia: Afferte Domino gloriam et potentiam (GS)
  • Antiphona ad offertorium: Ecce dedi te in lucem gentium (GS)
  • Antiphona ad communionem: Sedebit Dominus Rex (GR)
  • Hino Iesu Rex admirabilis
  • Antífona Salve regina

2ª Versão - Semiológica (por nós cantada em 2011):
Christus Universorum Rex - Próprio paleográfico (.ODT)

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

«Que se valorize adequadamente o canto gregoriano como canto próprio da liturgia romana.»

Na linha da entrada anterior, já há três anos, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, Bento XVI afirmava sobre a música litúrgica:

O canto litúrgico
42. Na arte da celebração, ocupa lugar de destaque o canto litúrgico.(126) Com razão afirma Santo Agostinho, num famoso sermão: « O homem novo conhece o cântico novo. O cântico é uma manifestação de alegria e, se considerarmos melhor, um sinal de amor ».(127) O povo de Deus, reunido para a celebração, canta os louvores de Deus. Na sua história bimilenária, a Igreja criou, e continua a criar, música e cânticos que constituem um património de fé e amor que não se deve perder. Verdadeiramente, em liturgia, não podemos dizer que tanto vale um cântico como outro; a propósito, é necessário evitar a improvisação genérica ou a introdução de géneros musicais que não respeitem o sentido da liturgia. Enquanto elemento litúrgico, o canto deve integrar-se na forma própria da celebração; (128) consequentemente, tudo — no texto, na melodia, na execução — deve corresponder ao sentido do mistério celebrado, às várias partes do rito e aos diferentes tempos litúrgicos.(129) Enfim, embora tendo em conta as distintas orientações e as diferentes e amplamente louváveis tradições, desejo — como foi pedido pelos padres sinodais — que se valorize adequadamente o canto gregoriano,(130) como canto próprio da liturgia romana.(131)

126. Cf. Instrução Geral do Missal Romano, 39-41; Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, 112-118.
127. Sermo 34, 1: PL 38, 210.
128. Cf. Propositio 25: « Como todas as expressões artísticas, também o canto deve estar intimamente harmonizado com a liturgia, colaborar eficazmente para o seu fim, ou seja, deve exprimir a fé, a oração, o enlevo, o amor por Jesus presente na Eucaristia ».
129. Cf. Propositio 29.
130. Cf. Propositio 36.
131. Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium, 116; Instrução Geral do Missal Romano, 41.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

«Canto capaz de exprimir a beleza da Palavra divina»

Via The Chant Café, e graças também à zelosa leitura de um dos nossos cantores, deixam-se algumas palavras de Sua Santidade, o Papa Bento XVI, na recente Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini, de 30 de Setembro de 2010:
A Palavra e o silêncio
66. Várias intervenções dos Padres sinodais insistiram sobre o valor do silêncio para a recepção da Palavra de Deus na vida dos fiéis.231 De facto, a palavra pode ser pronunciada e ouvida apenas no silêncio, exterior e interior. O nosso tempo não favorece o recolhimento e, às vezes, fica-se com a impressão de ter medo de se separar, por um só momento, dos instrumentos de comunicação de massa. Por isso, hoje é necessário educar o Povo de Deus para o valor do silêncio. Redescobrir a centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja significa também redescobrir o sentido do recolhimento e da tranquilidade interior. A grande tradição patrística ensina-nos que os mistérios de Cristo estão ligados ao silêncio232 e só nele é que a Palavra pode encontrar morada em nós, como aconteceu em Maria, mulher indivisivelmente da Palavra e do silêncio. As nossas liturgias devem facilitar esta escuta autêntica: Verbo crescente, verba deficiunt.233
Que este valor brilhe particularmente na Liturgia da Palavra, que «deve ser celebrada de modo a favorecer a meditação».234 O silêncio, quando previsto, deve ser considerado «como parte da celebração».235 Por isso, exorto os Pastores a estimularem os momentos de recolhimento, nos quais, com a ajuda do Espírito Santo, a Palavra de Deus é acolhida no coração.
(...)
Exclusividade dos textos bíblicos na liturgia
69. O Sínodo reafirmou vivamente também aquilo que, aliás, já está estabelecido pela norma litúrgica da Igreja,242 isto é, que as leituras tiradas da Sagrada Escritura nunca sejam substituídas por outros textos, por mais significativos que estes possam parecer do ponto de vista pastoral ou espiritual: «Nenhum texto de espiritualidade ou de literatura pode atingir o valor e a riqueza contida na Sagrada Escritura que é Palavra de Deus».243 Trata-se de uma disposição antiga da Igreja que se deve manter.244 Face a alguns abusos, já o Papa João Paulo II lembrara a importância de nunca se substituir a Sagrada Escritura por outras leituras.245 Recorde-se que também o Salmo Responsorial é Palavra de Deus, pela qual respondemos à voz do Senhor e por isso não deve ser substituído por outros textos; entretanto é muito oportuno poder proclamá-lo de forma cantada. 
Canto litúrgico biblicamente inspirado
70. No âmbito da valorização da Palavra de Deus durante a celebração litúrgica, tenha-se presente também o canto nos momentos previstos pelo próprio rito, favorecendo o canto de clara inspiração bíblica capaz de exprimir a beleza da Palavra divina por meio de um harmonioso acordo entre as palavras e a música. Neste sentido, é bom valorizar aqueles cânticos que a tradição da Igreja nos legou e que respeitam este critério; penso particularmente na importância do canto gregoriano.246

231 Cf. Propositio [sinodal] 14.
232 Cf. Santo Inácio de Antioquia, Ad Ephesios, XV, 2: Patres Apostolici (ed. F. X. Funk, Tubingae 1901), I, 224.
233 Cf. Santo Agostinho, Sermo 288, 5: PL 38, 1307; Sermo 120, 2: PL 38, 677.
234 Ordenamento Geral do Missal Romano, 56.
235 Ibid., 45; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 30.
242 Cf. Ordenamento Geral do Missal Romano, 57.
243 Propositio 14.
244 Veja-se o cânon 36 do Sínodo de Hipona do ano de 393: DS 186.
245 Cf. João Paulo II, Carta ap. Vicesimus quintus annus (4 de Dezembro de 1988), 13: AAS81 (1989), 910; Congr. para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instr. sobre alguns aspectos que se devem observar e evitar em relação à Santíssima Eucaristia Redemptionis sacramentum (25 de Março de 2004), 62: Ench. Vat. 22, n. 2248.
246 Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 116; Ordenamento Geral do Missal Romano, 41.
Fiel à orientação dos seus antecessores e à Tradição da qual é o defensor, Bento XVI propõe o Canto Gregoriano como música viva para a oração da Igreja. Note-se que a chamada de atenção, no ponto 69, para a substituição do SR por textos impróprios não se aplica à práctica habitual da nossa Capella, e doutras, de cantar o Graduale, segundo o previsto no ponto 61 da Instrução Geral do Missal Romano:
(...) Em vez do salmo que vem indicado no Leccionário, também se pode cantar ou o responsório gradual tirado do Gradual Romano ou um salmo responsorial ou aleluiático do Gradual simples, na forma indicada nestes livros.

sábado, 6 de novembro de 2010

Excerto de entrevista de Mons. Nicola Bux

Sobre liturgia e arte sacra:
La liturgia è indisponibile all’uomo ma l’arte è opera dell’uomo. Per l’arte sacra, che conosce un periodo di decadenza strutturale estremamente simile, cosa si può dire?
L’arte è la stessa cosa! La rappresentazione, la raffigurazione di Dio per la Chiesa d’Oriente come per la Chiesa d’Occidente è sempre stata sottoposta a dei canoni. Lo stesso vale per la disciplina della musica sacra. Il principio è sempre il medesimo: non siamo noi che decidiamo in base al prurito che abbiamo addosso come devo dipingere il Signore o come devo comporre un canto o quale canto devo fare nella liturgia. I canoni la Chiesa li ha stabiliti perchè potessero essere consoni al culto divino; perché non fosse data di Dio un’immagine, un’idea distorta e deformata. Tra liturgia, arte e musica c’è un’unità profonda che non permette di affrontarle separatamente.
Il Santo Padre l’ha appena nominata anche Consultore per il Culto Divino, segno dell’attenzione e della competenza del suo lavoro. Ci dica: se tre anni fa il Summorum Pontificum ha rivoluzionato la “questione liturgica”, riportando sul piatto della discussione gli elementi “scomodi” ed essenziali come la liturgia gregoriana, cosa dobbiamo aspettarci, nel prossimo futuro, da questo nuovo movimento liturgico che sta nascendo?
Innanzitutto, parlare di nuovo movimento non vuol dire necessariamente parlare di un altro movimento rispetto a quello conosciuto con un certo frutto nel XX secolo. La Chiesa è semper reformanda: a chi non piace il termine riforma della riforma parli pure di ripresa del movimento liturgico, ma sappia che si tratta sempre “del rinnovamento nella continuità dell’unico soggetto-Chiesa, che il Signore ci ha donato” come dice Benedetto XVI. Con il Motu Proprio le basi del lavoro sono state poste: confidiamo presto di avere dei nuovi impulsi. Questo Papa, mite e risoluto, vuole andare avanti e noi siamo con lui. Con la stessa mitezza e con la stessa fermezza.
Lede mais em Rinascimento Sacro

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Canto Gregoriano: uma apologia

Via The Chant Café, e depois na Schola Saint Maur, encontrámos palavras proferidas por Monsignor Valentino Miserachs Grau, presidente do Pontifício Instituto de Música Sacra numa conferência realizada na Cidade do Vaticano em Dezembro de 2005: uma enérgica defesa do Canto Gregoriano em si mesmo, como elemento essencial das liturgia e tradição católicas, como elemento negligenciado da reforma conciliar, como património cultural e religioso dos católicos de rito latino, como meio de incrementar uma actuosa participatio, propriamente entendida, por parte da assembleia:
Que uma assembleia de fiéis possa participar na liturgia ― e muito particularmente na missa ― cantando as peças gregorianas feitas para ela, não é só desejável: é mesmo o ideal.

Não se trata de ser esta a minha opinião que aqui exponho, mas a da Igreja. Para que nos convençamos disto, basta recapitularmos o Motu proprio "Inter Sollicitudines" [Tra le sollecitudini] de S. Pio X, basta lermos Pio XII ("Musicae Sacrae Disciplina"), basta relermos o capítulo VI da Constituição sobre a Liturgia do Vaticano II e a Instrução dada pela Congregação dos Ritos em 1967; basta relermos ainda o quirógrafo dado por João Paulo II por  ocasião do 100º aniversário de "Inter Sollicitudines" escrito em 1903. Um outro exemplo foi-nos dado por um artigo contendo as conclusões do Sínodo sobre a Eucaristia que decorreu em Outubro de 2005: 
"No curso dos seus estudos, os futuros padres deverão treinar-se a perceber e a celebrar a missa em latim. (...) Deverão aprender o valor do canto gregoriano e deverão conduzir os fiéis por esta via." 
É fácil compreender as razões de tais directrizes. De facto, a "colocação no Index" [lit. proscrição, proibição; fig. desconsideração] do latim e do gregoriano, durante os últimos 40 anos, é incompreensível, principalmente nas regiões de cultura latina. Não somente incompreensível: é também deplorável.
O latim e o canto gregoriano, que estão estreitamente ligados às fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas, são uma parte da lex orandi que foi elaborada ao longo dos vinte séculos passados. Como pôde suceder que aceitássemos com tamanha desenvoltura a amputação de tão grandes riquezas? Como é que pudemos admitir decepar-nos e que assim nos separássemos das nossas raízes?
A supressão de uma tal tradição de oração, que se manteve no decurso de dois milénios, constituiu um clima favorável à proliferação de novidades musicais que, na maioria dos casos, não possuem qualquer raíz na tradição da Igreja e a empobreceram consideravelmente, causando-lhe danos de difícil reparação malogradas as boas vontades das quais surgiram.
Uma restauração do canto gregoriano cantado pelas assembleias não deve somente ser planeada: ela deve ter lugar e deve ser feita com o concurso [colaboração] das scholae e dos celebrantes. É pagando este preço que recuperaremos uma maior seriedade litúrgica, uma forma de canto sagrado cuja universalidade deve ser a característica de toda a música litúrgica digna deste nome, como nos repetiram e ensinaram tão bem S. Pio X e João Paulo II.
Como é que um amontoado de melodias insípidas semelhantes ao que a música popular actual faz de mais estúpido poderia substituir o canto gregoriano, cujas nobreza e solidez ― mesmo das peças mais simples ― são capazes de elevar o coração dos fiéis? Temos subestimado as capacidades de memorização do povo cristão: forçámo-lo, pelo contrário, a esquecer as melodias gregorianas que ele sabia, ao invés de permitir que ele aprofundasse os seus conhecimentos; e isto, apesar das instruções e dos textos magisteriais. Empanturrámos o povo com banalidades musicais. 
Ao cortarmos deste modo o cordão umbilical da Tradição, privámos ainda os compositores do que os teria ajudado a elaborar um canto litúrgico em línguas vivas; partindo do princípio erróneo segundo o qual a técnica seria auto-suficiente, privámo-los deste humus indispensável do qual só pode florescer um canto litúrgico em harmonia com o espírito da Igreja. 
Insisto que subestimámos as capacidades do povo para aprender. É evidente que nem todo o repertório está feito para ser cantado pelo povo; e haveria uma diferença entre o facto de almejar a participação activa das assembleias e o facto de reduzir a participação dos fiéis só à escuta do que se fizesse no coro. É necessário portanto respeitar a ordem das coisas: o povo deve poder cantar a sua parte, da mesma maneira que a schola, o cantor, o psalmista e, claro está, o celebrante ― que muitas vezes prefere não cantar ―, devem poder cantar cada um o que lhes pertence. Como sublinhou João Paulo II no seu quirógrafo: "É da boa coordenação de todos ― celebrante, diácono, acólitos, ministros, leitores, salmista, schola cantorum ― que brotará a verdadeira atmosfera espiritual que fará da liturgia um momento intenso e frutuoso."
Queremos nós que o canto gregoriano reviva nas nossas assembleias? Então é preciso começar pelas aclamações, o Pater noster, as peças do Ordinário ― Kyrie, Gloria, Sanctus Agnus Dei. Em muitos locais, as gentes conhecem o Credo III e a missa "dos Anjos" [de Angelis]. Mas não só! Os fiéis sabem também o Pange lingua, a Salve Regina... e muitos outras antífonas tão-bem. A experiência mostra que se os fiéis forem convidados, serão também capazes de cantar as missas breves assim como outras melodias gregorianas fáceis que conheçam de ouvido, mesmo se fôr a primeira vez que as cantam. Há um repertório mínimo que deve estar sabido: é o do Iubilate Deo oferecido por Paulo VI, ou aquele do Liber cantualis. Se os fiéis crescerem no hábito de cantar o repertório gregoriano para si mesmos desenvolvido, adquirirão boas bases para aprender novos cânticos compostos nas línguas correntes, sendo que estes cantos ― entenda-se ― cohabitem com o gregoriano e lhe cedam sempre o primeiro lugar na liturgia. 
Devemos perseverar no esforço educacional: esta é a primeira condição a respeitar se queremos fazer redescobrir o canto gregoriano e fazer com que os fiéis possam apropriar-se dele. É algo que muitos padres esquecem, na medida em que são os padres a optar pelas soluções que requerem o menor esforço. Quem poderia preferir, em lugar duma música espiritual e nutritiva, estas árias acompanhadas de guitarradas que nos fazem esquecer, como quis frisar o Papa Pio X ao clero de Veneza, que nós não devemos julgar as qualidades do sagrado pelos critérios do que a cada um agrada. 
É necessário fazer um trabalho de formação. Como poderíamos nós formar os fiéis se nós mesmos não formos correctamente ensinados? O congresso da "Consociatio Internationalis Musicae Sacrae" (C.I.M.S.), que teve lugar no Instituto Pontifício de Música Sacra, esclareceu as bases para a formação do clero quanto ao canto sacro. Mas eis que cursos inteiros de seminaristas, quer religiosos, quer religiosas, não tiveram uma real formação na área do canto sagrado da Igreja. São Pio X, e todos os responsáveis da Igreja depois dele, compreenderam contudo que nunca se daria uma tal restauração e aprofundamento sem a correcta formação prévia. 
Um dos resultados do Motu proprio de 1903 ― que se conserva de maneira renovada ainda nos nossos dias ― é a criação do Instituto Pontifício de Música Sacra de Roma, que acaba de festejar o seu centésimo aniversário. Quantos mestres do canto gregoriano, da polifonia, quantos organistas e chantres, actualmente disseminados no mundo, não terão passado por este instituto? E não esqueçamos as outras grandes escolas de canto sacro, os institutos diocesanos, e os numerosos cursos dados nos seminários! Mas será que temos ensinado, realmente ensinado o canto gregoriano nestas casas? Se sim, como é que ele é ensinado? O esquecimento do gregoriano não advirá do facto de nós o fazemos passar por totalmente desactualizado, se não mesmo definitivamente arrumado a um canto? 
Que erro tão grosseiro! Iria mesmo até ao ponto de afirmar que, sem o canto gregoriano, a Igreja está como que mutilada, ou ainda que seria inconcebível haver música de Igreja se o canto gregoriano não existisse.
Os grandes mestres da polifonia são, na verdade, aqueles que basearam as suas composições no canto gregoriano, retomando os seus temas musicais, os modos, as variações rítmicas. Foi do espírito do gregoriano e do respeito pelo texto sagrado litúrgico que beberam Palestrina, Lassus, Victoria, Guerrero, Morales e tantos outros prestigiados compositores. 
A renovação desejada por "Inter Sollicitudines" não poderá realizar-se sem que nos inspiremos no canto gregoriano. Nos nossos dias, Perosi, Refice e Bartolucci fizeram do canto gregoriano a fonte das suas melhores composições: não unicamente das composições complexas, mas também das suas composições de novos cantos, em latim ou em línguas vernáculas, destinados à liturgia ou aos ofícios de devoção. O canto sacro popular é da melhor índole na medida em que se inspirar directamente no canto gregoriano. Como o reafirmou João Paulo II, fazendo suas as palavras de S. Pio X: "Uma composição destinada à Igreja é tanto mais sacra e litúrgica no seu desenvolvimento, na sua inspiração e no seu sabor, quanto mais ela se inspirar na melodia gregoriana e se aproximar deste modelo supremo." Mas como será possível propôr ao mundo um repertório litúrgico de qualidade, incluindo o uso das línguas vulgares, se os compositores se recusam a estudar o canto gregoriano? 
De facto, a melhor escola para compreender e penetrar os segredos dum repertório é a práctica regular desse repertório: é a experiência que nós, nós que somos o ponto de união da geração de ontem com a geração de amanhã, teremos ainda a oportunidade de poder viver. Infelizmente, depois de nós, encerrar-se-á a questão... Assim sendo, porquê esta resistência face à vontade de restaurar na totalidade ou em parte ― segundo as circunstâncias ― a missa celebrada sob a sua forma latina e gregoriana? Serão as novas gerações mais ignorantes que aquelas que as precederam? 
O novo missal romano propõe os textos latinos ao lado das traduções para as línguas vulgares. A Igreja pretende que este missal seja posto em práctica. Por que havemos de ter medo duma conversão neste sentido?
O canto gregoriano não vai tornar-se música de conservatórios, concertos ou discotecas: ele não será mumificado para exibição nos museus. Ele deve permanecer vivo, voltar a reviver no seio das nossas assembleias; é através da sua escuta e da sua execução durante as liturgias que ele poderá alimentar os fiéis a ponto de estes se sentirem ainda mais pertencentes ao povo de Deus. 
É o tempo propício para sairmos do nosso torpor: os exemplos luminosos devem vir das catedrais, das grandes igrejas, dos mosteiros e dos conventos, dos seminários e das casas de formação religiosa... Assim, as paróquias mais pequenas serão "contaminadas", por sua vez, pela suprema beleza do canto da Igreja. Assim, o poder de persuasão do canto gregoriano irradiará ao ponto de confortar o povo no seu autêntico sentido da fé católica. E o espírito do canto gregoriano inspirará as novas composições, sempre guiando os esforços feitos em vista da inculturação através de um verdadeiro sensus Ecclesiae
Gostaria ainda de sublinhar o facto de que numerosos cantos oriundos das tradições locais muitas vezes afastadas das nossas culturas europeias têm frequentemente laços com o gregoriano; é o que põe em demais evidência o carácter universal do canto gregoriano, o qual está apto a respeitar a pluralidade ao mesmo tempo que garante a unidade. É o que explica também porque é que as culturas dentre as mais longínquas são hoje aquelas onde se encontram fiéis capazes de nos ensinar o amor ao canto tradicional da Igreja. Estas jovens Igrejas da África ou da Ásia testemunham-nos o seu reconhecimento e lembram-nos o valor deste canto que foi a base da expressão da sua fé cristã.
Dois outros factores aos quais recorreria ainda em favor da manutenção do canto gregoriano e da composição de uma música sacra de qualidade: 
1. A formação musical dos padres, dos religiosos e dos fiéis requer seriedade, o mesmo é dizer a supressão de todo o amadorismo que nós encontramos em certas pessoas de boa vontade. Quem se empenhou correctamente para assegurar esta séria formação deve ser reconhecido como tal, e se possível, remunerado. Não é normal que se possa dispensar somas importantes para decorações fúteis na Igreja... e nada para o canto. Como é que poderemos, nestas condições, encorajar os jovens a entrar ao serviço da música da Igreja? Como poderemos ser credíveis se os desencaminharmos e os atormentarmos com as nossas fantasias e a nossa falta de seriedade? 
2. As nossas acções devem ser desempenhadas de modo harmonioso. João Paulo II recordou-o bem: 
"O aspecto musical das acções litúrgicas não podem ser tributárias de improvisações ou de escolhas individuais; deve antes apoiar-se nas decisões bem coordenadas e respeituosas das normas e adoptadas pelas autoridades competentes e com sólida formação litúrgica."
Poder respeitar as normas continua a ser o nosso anseio. Também esperamos que sejam dadas directivas com autoridade: as iniciativas e as práticas locais não podem fazer-se sem que sejam coordenadas pela Igreja de Roma, ou sem que sejam autentificadas pela Sé Apostólica.
É hora de agir: não esperemos mais.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Tra le sollecitudini (1903), S. Pio X, papa

Para apresentar o motu proprio Tra le sollecitudini do papa S. Pio X recorremos às palavras com que Jordi-Agustí Piqué i Collado, em Teologia i música: propostes per a un diàleg, (do qual existe uma versão em castelhano) comenta uma passagem do texto em apreço (tradução minha do catalão(1)):
Neste fragmento (2) estão concentradas as ideias principais que caracterizam a música como litúrgica, quer dizer, como elemento activo e essencial ― em sentido profundo ― da acção litúrgica: revestir e tornar mais eficaz a palavra dos textos litúrgicos; excitar a devoção dos fiéis e prepará-los para receber os frutos da graça que emanam dos sagrados mistérios celebrados.
Da relação da música com a palavra e com os textos litúrgicos, podemos entender que a música, em certo sentido, se constitui como a primeira hermeneuta da palavra celebrada e nos faz compreender a Palavra, conduz-nos à contemplação e à admiração do Mistério celebrado na liturgia. Basta prestar atenção a algumas melodias gregorianas para observar como é íntima a relação entre a melodia e o texto e a forma tão sapiencial através da qual a música lhe realça o sentido. A himnodia gregoriana, com a escolha dos modos e a alternância coral, realça, expressa e cria o ambiente de reflexão, meditação (ruminatio) dos textos que a Igreja coloca na boca dos fiéis para a santificação das horas.
A excitação da devoção dos fiéis mostra uma concepção da música como criadora de emoção que move o "afecto". Este é um tema muito apreciado por filósofos e pelos Padres da Igreja. A tendência à devoção mostra a sapiente maneira através da qual a Igreja sempre utilizou a música para chegar ao coração, ao interior, ao lugar onde a simples pregação com palavras não pode chegar; o sábio modo através do qual a Igreja fez da arte um dos elementos principais da sua catequese.
A preparação para receber a graça da vida litúrgica celebrada parece-nos o elemento mais inovador do texto de Pio X, a par da famosa referência à participação activa. Facilmente se pode entender que a participação no canto por parte da assembleia é uma das aplicações directas desta intuição. Ainda assim, parece-nos muito mais profunda a intuição de Pio X se lida em conexão com a questão da moção interna à devoção. Esta preparação-participação activa não se reduz à materialidade do canto, quer dizer, não só através da acção de cantar activamente se participa, mas também através da acção da escuta: escuta da palavra, escuta da música, que se complementam intimamente se a música é verdadeiramente litúrgica. Ambas se comentam, se identificam e penetram entre si e no mais íntimo do crente, que vai entrando, em atitude de escuta e de abertura à graça santificante, abrindo-se, portanto, à vivência do encontro com Cristo. É uma dinâmica semelhante àquela que se realiza nos sacramentos. A música tem, assim, uma função plena de significado, já que, por meio da experiência estética, se abre ao mundo da beleza do Mistério de Deus e abre, eficazmente, o coração à escuta da Palavra, ao encontro com Cristo e à realização da obra de salvação operada na liturgia. No fundo estamos a falar de uma dimensão "quase" sacramental.
Estes parecem-nos elementos chave na concepção do MP [motu proprio Tra le sollecitudini] e são fundamentais para a sua recta interpretação. Tudo o resto deriva deles, justamente interpretados: a bondade das formas musicais, a alternância gregoriano-polifonia, a santidade da música, a música moderna, o órgão, a função ministerial dos cantores, tudo há-de ser lido de acordo com esta atenção à palavra celebrada, à adoração daquilo que se celebra e à abertura às fontes da graça que o homem e a mulher chamados à comunhão com Deus recebem na vida sacramental e litúrgica. Neste sentido, as limitações próprias do seu tempo no texto do MP ― leia-se, a discriminação da mulher, a proibição de certos instrumentos, a adopção de determinadas formas e arquétipos ― adquirem uma importância menor, a ponto de deixar de ser consistentes.
A situação actual da música na liturgia, e aqui podemos especificar na liturgia católica, está longe de responder às intuições do Papa Pio X. Talvez uma releitura do seu pensamento, de acordo com a riqueza da SC [constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia], nos oferecesse elementos para um novo trabalho de compreensão da função da música na liturgia.

MOTU PROPRIO
TRA LE SOLLECITUDINI
DO SUMO PONTÍFICE
PIO X
SOBRE A MÚSICA SACRA

INTRODUÇÃO

Entre os cuidados do ofício pastoral, não somente desta Suprema Cátedra, que por imperscrutável disposição da Providência, ainda que indigno, ocupamos, mas também de todas as Igrejas particulares, é, sem dúvida, um dos principais o de manter e promover o decoro da Casa de Deus, onde se celebram os augustos mistérios da religião e o povo cristão se reúne, para receber a graça dos Sacramentos, assistir ao Santo Sacrifício do altar, adorar o augustíssimo Sacramento do Corpo do Senhor e unir-se à oração comum da Igreja na celebração pública e solene dos ofícios litúrgicos.

Nada, pois, deve suceder no templo que perturbe ou, sequer, diminua a piedade e a devoção dos fiéis, nada que dê justificado motivo de desgosto ou de escândalo, nada, sobretudo, que directamente ofenda o decoro e a santidade das sacras funções e seja por isso indigno da Casa de Oração e da majestade de Deus.

Não nos ocupamos de cada um dos abusos que nesta matéria podem ocorrer. A nossa atenção dirige-se hoje para um dos mais comuns, dos mais difíceis de desarraigar e que às vezes se deve deplorar em lugares onde tudo o mais é digno de máximo encómio para beleza e sumptuosidade do templo, esplendor e perfeita ordem das cerimónias, frequência do clero, gravidade e piedade dos ministros do altar. Tal é o abuso em matéria de canto e Música Sacra. E de facto, quer pela natureza desta arte de si flutuante e variável, quer pela sucessiva alteração do gosto e dos hábitos no correr dos tempos, quer pelo funesto influxo que sobre a arte sacra exerce a arte profana e teatral, quer pelo prazer que a música directamente produz e que nem sempre é fácil conter nos justos limites, quer, finalmente, pelos muitos preconceitos, que em tal assunto facilmente se insinuam e depois tenazmente se mantêm, ainda entre pessoas autorizadas e piedosas, há uma tendência contínua para desviar da recta norma, estabelecida em vista do fim para que a arte se admitiu ao serviço do culto, e expressa nos cânones eclesiásticos, nas ordenações dos Concílios gerais e provinciais, nas prescrições várias vezes emanadas das Sagradas Congregações Romanas e dos Sumos Pontífices Nossos Predecessores.

Com verdadeira satisfação da alma nos apraz recordar o muito bem que nesta parte se tem feito nos últimos decénios, também nesta nossa augusta cidade de Roma e em muitas Igrejas da Nossa pátria, mas em modo muito particular em algumas nações, onde homens egrégios e zelosos do culto de Deus, com aprovação desta Santa Sé e dos Bispos, se uniram em florescentes sociedades e reconduziram ao seu lugar de honra a Música Sacra em quase todas as suas Igrejas e Capelas. Este progresso está todavia ainda muito longe de ser comum a todos; e se consultarmos a nossa experiência pessoal e tivermos em conta as reiteradas queixas, que de todas as partes Nos chegaram neste pouco tempo decorrido, desde que aprouve ao Senhor elevar a Nossa humilde Pessoa à suprema culminância do Pontificado Romano, sem protrairmos por mais tempo, cremos que é nosso primeiro dever levantar a voz para reprovação e condenação de tudo o que nas funções do culto e nos ofícios eclesiásticos se reconhece desconforme com a recta norma indicada.

Sendo de facto nosso vivíssimo desejo que o espírito cristão refloresça em tudo e se mantenha em todos os fiéis, é necessário prover antes de mais nada à santidade e dignidade do templo, onde os fiéis se reúnem precisamente para haurirem esse espírito da sua primária e indispensável fonte: a participação activa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja. E debalde se espera que para isso desça sobre nós copiosa a bênção do Céu, quando o nosso obséquio ao Altíssimo, em vez de ascender em odor de suavidade, vai pelo contrário repor nas mãos do Senhor os flagelos, com que uma vez o Divino Redentor expulsou do templo os indignos profanadores. Portanto, para que ninguém doravante possa alegar a desculpa de não conhecer claramente o seu dever, e para que desapareça qualquer equívoco na interpretação de certas determinações anteriores, julgamos oportuno indicar com brevidade os princípios que regem a Música Sacra nas funções do culto e recolher num quadro geral as principais prescrições da Igreja contra os abusos mais comuns em tal matéria.

E por isso, de própria iniciativa e ciência certa, publicamos a Nossa presente instrução; será ela como que um código jurídico de Música Sacra; e, em virtude da plenitude de Nossa Autoridade Apostólica, queremos que se lhe dê força de lei, impondo a todos, por este Nosso quirógrafo, a sua mais escrupulosa observância.


I. Princípios gerais
1. A música sacra, como parte integrante da Liturgia solene, participa do seu fim geral, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis. A música concorre para aumentar o decoro e esplendor das sagradas cerimónias; e, assim como o seu ofício principal é revestir de adequadas melodias o texto litúrgico proposto à consideração dos fiéis, assim o seu fim próprio é acrescentar mais eficácia ao mesmo texto, a fim de que por tal meio se excitem mais facilmente os fiéis à piedade e se preparem melhor para receber os frutos da graça, próprios da celebração dos sagrados mistérios.

2. Por isso a música sacra deve possuir, em grau eminente, as qualidades próprias da liturgia, e nomeadamente a santidade e a delicadeza das formas, donde resulta espontaneamente outra característica, a universalidade.
Deve ser santa, e por isso excluir todo o profano não só em si mesma, mas também no modo como é desempenhada pelos executantes.
Deve ser arte verdadeira, não sendo possível que, doutra forma, exerça no ânimo dos ouvintes aquela eficácia que a Igreja se propõe obter ao admitir na sua liturgia a arte dos sons. Mas seja, ao mesmo tempo, universal no sentido de que, embora seja permitido a cada nação admitir nas composições religiosas aquelas formas particulares, que em certo modo constituem o carácter específico da sua música própria, estas devem ser de tal maneira subordinadas aos caracteres gerais da música sacra que ninguém doutra nação, ao ouvi-las, sinta uma impressão desagradável.

II. Géneros de Música Sacra
3. Estas qualidades se encontram em grau sumo no canto gregoriano, que é por consequência o canto próprio da Igreja Romana, o único que ela herdou dos antigos Padres, que conservou cuidadosamente no decurso dos séculos em seus códigos litúrgicos e que, como seu, propõe directamente aos fiéis, o qual estudos recentíssimos restituíram à sua integridade e pureza.
Por tais motivos, o canto gregoriano foi sempre considerado como o modelo supremo da música sacra, podendo com razão estabelecer-se a seguinte lei geral: uma composição religiosa será tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproxima no andamento, inspiração e sabor da melodia gregoriana, e será tanto menos digna do templo quanto mais se afastar daquele modelo supremo.
O canto gregoriano deverá, pois, restabelecer-se amplamente nas funções do culto, sendo certo que uma função eclesiástica nada perde da sua solenidade, mesmo quando não é acompanhada senão da música gregoriana.
Procure-se nomeadamente restabelecer o canto gregoriano no uso do povo, para que os fiéis tomem de novo parte mais activa nos ofícios litúrgicos, como se fazia antigamente.

4. As sobreditas qualidades verificam-se também na polifonia clássica, especialmente na da Escola Romana, que no século XVI atingiu a sua maior perfeição com as obras de Pedro Luís de Palestrina [Giovanni Pierluigi da Palestrina], e que continuou depois a produzir composições de excelente qualidade musical e litúrgica. A polifonia clássica, aproximando-se do modelo de toda a música sacra, que é o canto gregoriano, mereceu por esse motivo ser admitida, juntamente com o canto gregoriano, nas funções mais solenes da Igreja, quais são as da Capela Pontifícia. Por isso também essa deverá restabelecer-se nas funções eclesiásticas, principalmente nas mais insignes basílicas, nas igrejas catedrais, nas dos Seminários e outros institutos eclesiásticos, onde não costumam faltar os meios necessários.

5. A Igreja tem reconhecido e favorecido sempre o progresso das artes, admitindo ao serviço do culto o que o génio encontrou de bom e belo através dos séculos, salvas sempre as leis litúrgicas. Por isso é que a música mais moderna é também admitida na Igreja, visto que apresenta composições de tal qualidade, seriedade e gravidade que não são de forma alguma indigna das funções litúrgicas.
Todavia, como a música moderna foi inventada principalmente para uso profano, deverá vigiar-se com maior cuidado por que as composições musicais de estilo moderno, que se admitem na Igreja, não tenham coisa alguma de profana, não tenham reminiscências de motivos teatrais, e não sejam compostas, mesmo nas suas formas externas, sobre o andamento das composições profanas.
6. Entre os vários géneros de música moderna, o que parece menos próprio para acompanhar as funções do culto é o que tem ressaibos de estilo teatral, que durante o século XVI esteve tanto em voga, sobretudo na Itália. Este, por sua natureza, apresenta a máxima oposição ao canto gregoriano e à clássica polifonia, por isso mesmo às leis mais importantes de toda a boa música sacra. Além disso, a íntima estrutura, o ritmo e o chamado convencionalismo de tal estilo não se adaptam bem às exigências da verdadeira música litúrgica.

III. Texto Litúrgico
7. A língua própria da Igreja Romana é a latina. Por isso é proibido cantar em língua vulgar, nas funções litúrgicas solenes, seja o que for, e muito particularmente, tratando-se das partes variáveis ou comuns da Missa e do Ofício.

8. Estando determinados, para cada função litúrgica, os textos que hão de musicar-se e a ordem por que se devem cantar, não é lícito alterar esta ordem, nem substituir os textos prescritos por outros, nem omiti-los na íntegra ou em parte, a não ser que as Rubricas litúrgicas permitam suprir, com órgão, alguns versículos do texto, que são simplesmente recitados no coro. É permitido somente, segundo o costume romano, cantar um motete em honra do S. Sacramento depois do Benedictus da Missa solene. Permite-se outrossim que, depois de cantado o ofertório prescrito, se possa executar, no tempo que resta, um breve motete sobre palavras aprovadas pela Igreja.

9. O texto litúrgico tem de ser cantado como se encontra nos livros aprovados, sem posposição ou alteração das palavras, sem repetições indevidas, sem deslocar as silabas, sempre de modo inteligível.

IV. Forma externa das composições sacras
10. As várias artes da Missa e Ofício devem conservar, até musicalmente, a forma que a tradição eclesiástica lhes deu, e que se encontra admiravelmente expressada no canto gregoriano. É, pois, diverso o modo de compor um Introitus, um Gradual, uma Antifona, um Salmo, um Hino, um Gloria in excelsis, etc.

11. Observem-se, em particular, as normas seguintes:
a) O Kyrie, o Gloria, o Credo, etc., da Missa, devem conservar a unidade de composição própria do texto. Por conseguinte, não é lícito compô-las como peças separadas, de modo que cada uma destas forme uma composição musical tão completa que possa separar-se das restantes e ser substituída por outra.
b) No ofício de Vésperas deve seguir-se, ordinariamente, a norma do Caeremoniale Episcoporum que prescreve o canto gregoriano para a salmodia, e permite a música figurada nos versículos do Gloria Patri e no hino.
Contudo, é permitido, nas maiores solenidades, alternar o canto gregoriano do coro com os chamados "falsibordoni" ou com versos de modo semelhante convenientemente compostos. Poderá também conceder-se, uma vez por outra, que cada um dos salmos seja totalmente musicado, contanto que, em tais composições, se conserve a forma própria da salmodia, isto é, que os cantores pareçam salmodiar entre si, já com motivos musicais novos, já com motivos tirados do canto gregoriano, ou imitados deste.
Ficam proibidos, nas cerimónias litúrgicas, os salmos de concerto.
c) Conserve-se, nas músicas da Igreja, a forma tradicional do hino. Não é permitido compor, por exemplo, o Tantum ergo de modo que a primeira estrofe apresente a forma de romanza, cavatina ou adágio e o Genitori a de allegro.
d) As antífonas de Vésperas têm de ser cantadas, ordinariamente, com a melodia gregoriana que lhes é própria. Porém, se em algum caso particular se cantarem em música, não deverão nunca ter a forma de melodia de concerto, nem a amplitude dum motete ou de cantata.
V. Os cantores
12. Exceptuadas as melodias próprias do celebrante e dos ministros, que sempre devem ser em gregoriano, sem acompanhamento de órgão, todo o restante canto litúrgico faz parte do coro dos levitas. Por isso, os cantores, ainda que leigos, realizam, propriamente, as funções de coro eclesiástico, devendo as músicas, ao menos na sua maior parte, conservar o carácter de música de coro.
Não se entende com isto excluir, de todo, os solos; mas estes não devem nunca predominar de tal maneira que a maior parte do texto litúrgico seja assim executada; deve antes ter o carácter de uma simples frase melódica e estar intimamente ligada ao resto da composição coral.

13. Os cantores têm na Igreja um verdadeiro ofício litúrgico e, por isso, as mulheres sendo incapazes de tal ofício, não podem ser admitidas a fazer parte do coro ou da capela musical. Querendo-se, pois, ter vozes agudas de sopranos e contraltos, empreguem-se os meninos, segundo o uso antiquíssimo da Igreja.

14. Finalmente, não se admitam a fazer parte da capela musical senão homens de conhecida piedade e probidade de vida, os quais, com a sua devota e modesta atitude, durante as funções litúrgicas, se mostrem dignos do santo ofício que exercem. Será, além disso, conveniente que os cantores, enquanto cantam na igreja, vistam hábito eclesiástico e sobrepeliz e que, se o coro estiver muito exposto à vista do público, seja resguardado por grades.

VI. Órgão e Instrumentos
15. Posto que a música própria da Igreja é a música meramente vocal, contudo também se permite a música com acompanhamento de órgão. Nalgum caso particular, com as convenientes cautelas, poderão admitir-se outros instrumentos nunca sem o consentimento especial do Ordinário, conforme as prescrições do Caeremoniale Episcoporum.

16. Como o canto tem de ouvir-se sempre, o órgão e os instrumentos devem simplesmente sustentá-lo, e nunca encobri-lo.

17. Não é permitido antepor ao canto extensos prelúdios, ou interrompê-lo com peças de interlúdios.

18. O som do órgão, nos acompanhamentos do canto, nos prelúdios, interlúdios e outras passagens semelhantes, não só deve ser de harmonia com a própria natureza de tal instrumento, isto é, grave, mas deve ainda participar de todas as qualidades que tem a verdadeira música sacra, acima mencionadas.

19. É proibido, na Igreja, o uso do piano bem como o de instrumentos fragorosos, o tambor, o bombo, os pratos, as campainhas e semelhantes.

20. É rigorosamente proibido que as bandas musicais toquem nas igrejas, e só em algum caso particular, com o consentimento do Ordinário, será permitida uma escolha limitada, judiciosa e proporcionada ao ambiente de instrumentos de sopro, contanto que a composição seja em estilo grave, conveniente e semelhante em tudo às do órgão.

21. Nas procissões, fora da igreja, pode o Ordinário permitir a banda musical, uma vez que não se executem composições profanas. Seria para desejar que a banda se restringisse a acompanhar algum cântico espiritual, em latim ou vulgar, proposto pelos cantores ou pias congregações que tomam parte na procissão.

VII. Amplitude da Música Sacra
22. Não é licito, por motivo do canto, fazer esperar o sacerdote no altar mais tempo do que exige a cerimónia litúrgica. Segundo as prescrições eclesiásticas, o Sanctus deve ser cantado antes da elevação, devendo o celebrante esperar que o canto termine, para fazer a elevação. A música da Glória e do Credo, segundo a tradição gregoriana, deve ser relativamente breve.

23. É condenável, como abuso gravíssimo, que nas funções eclesiásticas a liturgia esteja dependente da música, quando é certo que a música é que é parte da liturgia e sua humilde serva.

VIII. Meios principais
24. Para o exacto cumprimento de quanto fica estabelecido, os Bispos, se ainda não o fizeram, instituam, nas suas dioceses, uma comissão especial de pessoas verdadeiramente competentes na música sacra, à qual confiarão o cargo de vigiar as músicas que se vão executando em suas igrejas para que sejam conformes com estas determinações. Nem atender somente a que sejam boas as músicas, senão também a que correspondam ao valor dos cantores, para haver boa execução.

25. Nos Seminários e nos Institutos eclesiásticos, segundo as prescrições tridentinas, consagrem-se todos os alunos ao estudo do canto gregoriano e os superiores sejam liberais em animar e louvar os seus súbditos. Igualmente, onde for possível, promova-se entre os clérigos a fundação de uma Schola Cantorum para a execução da sagrada polifonia e da boa música litúrgica.

26. Nas lições ordinárias de Liturgia, Moral e Direito Canónico, que se dão aos estudantes de teologia, não se deixe de tocar naqueles pontos que, de modo mais particular, dizem respeito aos princípios e leis da música sacra, e procure-se completar a doutrina com alguma instrução especial acerca da estética da arte sacra, para que os clérigos não saiam dos seminários ignorando estas noções, tão necessária à plena cultura eclesiástica.

27. Tenha-se o cuidado de restabelecer, ao menos nas igrejas principais, as antigas Scholae Cantorum, como se há feito já, com óptimo fruto, em muitos lugares. Não é difícil, ao clero zeloso, instituir tais Scholae, mesmo nas igrejas de menor importância, e até encontrará nelas um meio fácil para reunir em volta de si os meninos e os adultos, com proveito para eles e edificação do povo.

28. Procure-se sustentar e promover, do melhor modo, as escolas superiores de música sacra, onde já existem, e concorrer para as fundar, onde as não há. É sumamente importante que a mesma igreja atenda à instrução dos seus mestres de música, organistas e cantores, segundo os verdadeiros princípios da arte sacra.

IX Conclusão
29. Por último, recomenda-se aos mestres de capela, aos cantores, aos clérigos, aos superiores dos Seminários, Institutos eclesiásticos e comunidades religiosas, aos párocos e reitores de igrejas, aos cónegos das colegiadas e catedrais, e sobretudo aos Ordinários diocesanos, que favoreçam, com todo o zelo, estas reformas de há muito desejadas e por todos unanimemente pedidas, para que não caia em desprezo a autoridade da Igreja que repetidamente as propôs e agora de novo as inculca.

Dado em o Nosso Palácio do Vaticano, na festa da Virgem e Mártir Santa Cecília, 22 de Novembro de 1903, primeiro ano do nosso pontificado.

PAPA PIO X
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(1) - «En aquest fragment s'hi concentren les principals idees que denoten la música com a litúrgica, és a dir com a element actiu i essencial - en sentit profund - de l'acció litúrgica: revestir i fer més eficaç la paraula dels textos litúrgics; excitar la devoció dels fidels i preparar-los per a rebre els fruits de la gràcia que emanen dels sants misteris celebrats. De la relació de la música amb la paraula i amb els textos litúrgics es pot entendre que la música, en cert sentit, es constitueix com la primera hermeneuta de la paraula celebrada i ens fa comprendre la Paraula, ens condueix a la contemplació i l'admiració del Misteri celebrat en la litúrgia. Cal només fer atenció a algunes melodies gregorianes per a observar com és d'íntima la relació entre melodia i text i de quina manera més sapiencial la música en subratlla el sentit. La himnòdia gregoriana, amb la distribució dels modes i l'alternança coral subratlla, expressa i crea l'ambient de reflexió, meditació (ruminatio) dels textos que l'Església posa en boca dels fidels per a santificar les hores. L'excitació a la devoció dels fidels mostra la concepció de la música com a creadora d'emoció que mou l'«afecte». Aquest és un tema molt apreciat per filòsofs i pels Pares de l'Església. La inclinació a la devoció ve a subratllar de quina manera més sàvia l'Església sempre ha utilitzat la música per a arribar al cor, a l'interior, al lloc on la simple predicació amb paraules no pot arribar; de quina manera més sàvia l'Església ha fet de l'art un dels seus principals elements de catequesi. La preparació per a rebre la gràcia de la vida litúrgica celebrada ens sembla l'element més nou del text de Pius X, juntament amb el ja famós de la participació activa. Fàcilment es pot entendre que la participació en el cant per part de l'assemblea és una de les aplicacions directes d'aquesta intuïció. Tot i així, ens sembla molt més profunda la intuïció de Pius X si es llegeix en connexió amb la qüestió moció interna a la devoció. Aquesta preparació-participació activa no es redueix a la materialitat del cant, és a dir, no tan sols en l'acció de cantar activament es participa, sinó que ve exemplificada amb l'acció de l'escolta: escolta de la paraula, escolta de la música, que es complementen íntimament si la música és veritablement litúrgica". Ambdues es comenten, s'identifiquen i penetren entre si en el més íntim del creient, que va entrant, en actitud d'escolta i d'Obertura a la gràcia santificant, obrint-se, per tant, a la vivència de l'encontre amb Crist. És una dinàmica semblant a allò que es realitza en els sagraments. La música té així una funció plena de significat ja que, per mitjà de l'experiència estètica, s'obre al món de la bellesa del misteri de Déu i obre, eficaçment, el cor a l'escolta de la Paraula, a l'encontre amb Crist i a la realització de l'obra de la salvació operada en la litúrgia. En el fons estem parlant d'una dimensió «quasi» sacramental de la música. Aquests elements ens semblen claus en la concepció del MP i són fonamentals per a la seva recta interpretació. Tota la resta resulta derivat d'això i justament interpretat: la bondat de les formes de la música, l'alternança gregorià-polifonia, la santedat de la música, la música moderna, l'orgue, la funció ministerial dels cantors, tot s'ha de llegir d'acord amb aquesta atenció a la paraula celebrada, a l'adoració d'allò que se celebra i a l'obertura a les fonts de la gràcia que l'home i la dona cridats a la comunió amb Déu reben en la vida sacramental i litúrgica. En aquest sentit les limitacions pròpies del seu temps del text del MP - llegeixi's la discriminació de la dona, la prohibició de certs instruments, l'adopció de detertninades formes i arquetips - apareixen tan menors que deixen de ser consistents. La situació actual de la música en la litúrgia, i aquí sí que podem especificar en la litúrgia catòlica, dista molt de respondre a les intuïcions del Papa Pius X. Potser una relectura del seu pensament, d'acord amb la riquesa de la SC, ens oferiria elements per a un nou treball de comprensió de la funció de la música en la litúrgia.»

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