sábado, 24 de novembro de 2012

Bento XVI: canto gregoriano e polifonia do Renascimento para o Ano da Fé


Queridos irmãos e irmãs!

É com grande alegria que vos recebo, por ocasião da peregrinação organizada pela Associação Italiana Santa Cecília, à qual dirijo antes de tudo as minhas felicitações, com a saudação cordial ao Presidente, ao qual agradeço pelas gentis palavras, e a todos os colaboradores. Com afecto vos saúdo a vós, que pertenceis a numerosas Scholae Cantorum de todas as partes da Itália! Sinto-me muito feliz por vos encontrar, e também por saber — como aqui foi recordado — que amanhã participareis na Basílica de São Pedro na celebração eucarística presidida pelo Cardeal Arcipreste Angelo Comastri, oferecendo naturalmente o serviço do louvor com o canto.

Este vosso congresso situa-se intencionalmente na celebração do cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II. E vi com prazer que a Associação Santa Cecília pretendeu deste modo repropôr à vossa atenção o ensinamento da Constituição conciliar sobre a liturgia, em particular onde — no sexto capítulo — trata da música sacra. Nesta circunstância, como bem sabeis, quis para toda a Igreja um especial Ano da fé, a fim de promover o aprofundamento da fé em todos os baptizados e o comum compromisso pela nova evangelização. Por isso, ao encontrar-me convosco, quereria ressaltar brevemente como a música sacra pode, antes de tudo, favorecer a fé e, além disso, cooperar para a nova evangelização.

Sobre a fé, é espontâneo pensar na vicissitude pessoal de Santo Agostinho — um dos grandes Padres da Igreja, que viveu entre o IV e o V século depois de Cristo — para cuja conversão contribuiu certamente de maneira relevante a escuta do canto dos salmos e dos hinos, nas liturgias presididas por Santo Ambrósio. Se, de facto, a fé nasce sempre da escuta da Palavra de Deus — uma escuta naturalmente não só dos sentidos, mas que dos sentidos passa para a mente e para o coração — não há dúvida de que a música e sobretudo o canto podem conferir à recitação dos salmos e dos cânticos bíblicos maior força comunicativa. Entre os carismas de Santo Ambrósio havia precisamente o de uma aguda sensibilidade e capacidade musical, e ele, uma vez ordenado Bispo de Milão, meteu este dom ao serviço da fé e da evangelização. Em relação a isto, é muito significativo o testemunho de Agostinho, que naquele tempo era professor em Milão e procurava a Deus, procurava a fé. No décimo livro das Confissões, da sua Autobiografia, ele escreve: «Quando me voltam à mente as lágrimas que os cânticos da Igreja me fizeram derramar nos primórdios da minha fé reconquistada, e a comoção que ainda hoje suscita em mim não o cântico, mas as palavras cantadas, se são cantadas com voz límpida e com a modulação mais conveniente, reconheço de novo a grande utilidade desta prática» (33, 50). A experiência dos hinos ambrosianos foi tão forte, que Agostinho os levou impressos na memória e citou-os com frequência nas suas obras; aliás, escreveu uma obra precisamente sobre a música, a De Musica. Ele afirma que não aprova, durante as liturgias cantadas, a busca do mero prazer sensível, mas reconhece que a música e o canto bem feitos podem ajudar a acolher a Palavra de Deus e a sentir uma salutar comoção. Este testemunho de Santo Agostinho ajuda-nos a compreender o facto de que a Constituição Sacrosanctum Concilium, em linha com a tradição da Igreja, ensina que «o canto sacro, unido às palavras, é parte necessária e integrante da liturgia solene» (n. 112). Porquê «necessária e integrante»? Certamente não por motivos estéticos, num sentido superficial, mas porque coopera, precisamente pela sua beleza, para nutrir e expressar a fé e, por conseguinte, para a glória de Deus e a santificação dos fiéis, que são os fins da música sacra (cf. ibid.). Precisamente por este motivo gostaria de vos agradecer o serviço precioso que prestais: a música que executais não é um acessório ou só um embelezamento exterior da liturgia, mas ela mesma é liturgia. Vós ajudais toda a Assembleia a louvar a Deus, a fazer penetrar no profundo do coração a sua Palavra: com o canto rezais e fazeis rezar, e participais no canto e na oração da liturgia que abraça a criação inteira na glorificação do Criador.

O segundo aspecto que proponho à vossa reflexão é a relação entre o canto sacro e a nova evangelização. A Constituição conciliar sobre a liturgia recorda a importância da música sacra na missão ad gentes e exorta a valorizar as tradições musicais dos povos (cf. n. 119). Mas também precisamente nos países de antiga evangelização, como a Itália, a música sacra — com a sua grande tradição que lhe é própria, que é cultura nossa, ocidental — pode ter de facto uma tarefa relevante, para favorecer a redescoberta de Deus, uma renovada abordagem da mensagem cristã e dos mistérios da fé. Pensamos na célebre experiência de Paul Claudel, poeta francês, que se converteu ouvindo o canto do Magnificat durante as Vésperas de Natal na Catedral de Notre-Dame de Paris: «Naquele momento — escreve ele — deu-se o acontecimento que domina toda a minha vida. Num instante o meu coração foi tocado e eu acreditei. Acreditei com uma força de adesão tão grande, com uma tal elevação de todo o meu ser, com uma convicção tão poderosa, numa certeza que não deixava lugar a espécie alguma de dúvida e que, a partir daquele momento, raciocínio algum ou circunstância da minha vida movimentada puderam abalar a minha fé nem afectá-la». Mas, já sem incomodarmos personagens ilustres, pensemos em quantas pessoas foram tocadas no fundo do ânimo ouvindo música sacra; e ainda mais em quantos se sentiram de novo atraídos por Deus através da beleza da música litúrgica como Claudel. E aqui, queridos amigos, vós desempenhais um papel importante: comprometei-vos por melhorar a qualidade do canto litúrgico, sem ter receio de recuperar e valorizar a grande tradição musical da Igreja, que no gregoriano e na polifonia tem duas das expressões mais nobres, como afirma o Vaticano II (cf. Sacrosanctum Concilium, 116). E gostaria de ressaltar que a participação activa de todo o Povo de Deus na liturgia não consiste só em falar, mas também em escutar, em acolher com os sentidos e com o espírito a Palavra, e isto vale também para a música sacra. Vós, que tendes o dom do canto, podeis fazer cantar o coração de tantas pessoas nas celebrações litúrgicas.

Queridos amigos, faço votos de que na Itália a música litúrgica tenda cada vez mais para o alto, para louvar dignamente o Senhor e para mostrar como a Igreja é o lugar no qual a beleza está em casa. Mais uma vez obrigado a todos por este encontro! Obrigado.

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