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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Padre Paulo Ricardo pede um movimento para renovar a música litúrgica

Episódio 109 da série "ao vivo com o Padre Paulo Ricardo":




E como neste blog nada mais se pretende do que divulgar a boa música católica, escutai a versão portuguesa do Agnus Dei XVIII (MP3), o qual é cantado nas missas feriais do Advento, da Quaresma, e de defuntos, e cuja partitura adiante se apresenta (PDF):

Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, apieda-Te de nós.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-nos a paz.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-lhes o descanso.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-lhes o descanso sempiterno.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Cantar como ? Com arte e com alma

Ilustradíssima palestra do P. Dr. António Júlio da Silva Cartageno, proferida no XXXV Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica, em 2009.




«André, servidor [da família] de Deus, principal cantor da sacrossanta Igreja
Mertiliana, viveu 36 anos, descansou em paz no terceiro dia das calendas
de Abril da era [de César] de 560 e 3
», correspondente no nosso calendário
ao dia 30 de Março de 525 anno Domini. É o epitáfio do Cantor Andreas,
lápide do século VI d.C., encontrada na Basílica Paleo-Cristã de Mértola,
no Alentejo. Transcrição:


Arco duplo em ferradura assente sobre 2 colunas torsas com capitéis decorados
de tipo corintizante; d
entro do arco:
alfa crismon ómega.
ANDREAS FAMVLVS
DEI PRINCEPS CAN-
TORUM SACROSAN
CTE A[E]CLISIAE MER-
TILLIA[N]E VIXIT
ANNOS XXXVI
REQVIEVIT IN PA-
CE SUB D(IE) TERTEO
KAL(ENDAS) APRILES
AERA ∂LX TRI-
SIS
Alfa, cruz monogramática, ómega.
CH[...] (frase propiciatória)

sábado, 7 de maio de 2011

Discurso do Papa aos membros do Instituto Litúrgico Santo Anselmo

Discurso do Papa sobre a liturgia, a 6 de Maio de 2011.
Alguns destaques; texto integral depois da quebra:
(...) Na véspera do Concílio, de facto, parecia cada vez mais viva, no campo da liturgia, a urgência de uma reforma, postulada também pelas petições realizadas por diversos episcopados. Além disso, a forte demanda pastoral que motivava o movimento litúrgico requeria que se favorecesse e suscitasse uma participação activa dos fiéis nas celebrações litúrgicas, através do uso de línguas nacionais, e que se aprofundasse na questão da adaptação dos ritos às diversas culturas, especialmente em terra de missão. Além disso, mostrou-se clara desde o início a necessidade de um estudo mais aprofundado do fundamento teológico da Liturgia, para evitar cair no ritualismo ou promover o subjetivismo, o protagonismo do celebrante, e para que a reforma estivesse bem justificada no âmbito da Revelação e em continuidade com a tradição da Igreja (...). 
(...) [O] título escolhido para o Congresso do Ano Jubilar é muito significativo: "Instituto Pontifício: entre memória e profecia". Quanto à memória, devemos observar os frutos abundantes suscitados pelo Espírito Santo em meio século de história, e assim devemos agradecer ao Dador de todo bem, apesar também dos mal-entendidos e erros na realização efetiva da reforma. Não podemos deixar de recordar os pioneiros, presentes na fundação da Faculdade: Cipriano Vagaggini, Adrien Nocent, Salvatore Marsili e Burkhard Neunheuser, que, ao acolherem os pedidos do Pontífice fundador, se empenharam, sobretudo após a promulgação da Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, em aprofundar na "função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam - e, cada um à sua maneira, realizam - a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral" (n. 7). 
A Liturgia da Igreja vai além da própria "reforma conciliar" (cf. Sacrosanctum Concilium, nº 1), cujo objectivo, de facto, não era principalmente o de mudar os ritos e gestos, mas sim renovar as mentalidades e colocar no centro da vida cristã e da pastoral a celebração do mistério pascal de Cristo. Infelizmente, talvez, também pelos pastores e especialistas, a liturgia foi tomada mais como um objecto a reformar que como um sujeito capaz de renovar a vida cristã, a partir do momento em que "existe um vínculo estreito e orgânico entre a renovação da Liturgia e a renovação de toda a vida da Igreja. A Igreja extrai da liturgia a força para a vida". Quem nos recorda isso é o Beato João Paulo II, na Vicesimus quintus annus, na qual a liturgia é considerada como o coração latente de toda actividade eclesial.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A «hermenêutica da continuidade», segundo o Papa Bento XVI (2005)

Graças a um amigo da Capella, chegamos a um discurso em que o Santo Padre nos
orienta sobre a justa interpretação dos documentos conciliares, cuja leitura já aqui
temos oferecido, juntamente com outros documentos magisteriais pertinentes
à música sacra anteriores e posteriores ao Concílio
.
Bento XVI começa por recordar o defunto Papa Wojtyla, o seu testemunho e os seus
ensinamentos, o seu zelo para com a Eucaristia e o Sínodo a ela devoto, bem como
as Jornadas Mundiais da Juventude do ano de então, e dedica-se então a explicar que
"silenciosamente mas de modo cada vez mais visível, [a hermenêutica da
continuidade] produziu e produz frutos".

DISCURSO DO PAPA BENTO XVI AOS CARDEAIS, ARCEBISPOS E PRELADOS DA CÚRIA ROMANA NA APRESENTAÇÃO DOS VOTOS DE NATAL


Senhores Cardeais 
Venerados Irmãos 
no Episcopado e no Presbiterado 
Queridos irmãos e irmãs

sábado, 2 de abril de 2011

Actuosa participatio e liturgia segundo João Paulo II

"[A] participação activa não impede a passividade dinâmica do silêncio, da calma e da escuta: pelo contrário, exige-a. Por exemplo, os fiéis não são passivos quando escutam as leituras ou a homilia, ou quando acompanham as orações do celebrante, os cânticos e a música da liturgia. A seu modo, estas experiências de silêncio e de calma são profundamente activas."

Comemora-se hoje — no sentido etimológico do termo, ou seja: recorda-se em conjunto — o sexto aniversário da morte de Karol Józef Wojtyła, conhecido pelo nome que adoptou ao ser eleito servus servorum Dei: João Paulo II.

Para assinalar a sua partida para junto do Senhor, quando nos aproximamos da sua iminente beatificação, deixamos aqui algumas palavras suas sobre liturgia e participação activa/actuosa participatio (em negrito, assinalamos as partes relevantes a respeito deste conceito), dois temas inextricáveis do tema central deste blogue — a música litúrgica —, em discurso proferido durante a visita ad limina apostolorum dos bispos do noroeste do EUA, no dia 9 de Outubro de 1998:

quinta-feira, 3 de março de 2011

O Canto Gregoriano no Magistério da Igreja

Temos vindo a propor a leitura dos documentos que constituem o Magistério da Igreja sobre a Música Litúrgica — começámos como o motu proprio de S. Pio X Tra le sollecitudini, prosseguimos com a encíclica Musicæ Sacræ Disciplina do Venerável Pio XII e, mais recentemente, apontámos para o Quirógrafo do Papa João Paulo II no centenário de Tra le sollecitudini.

Pretendemos continuar a fazê-lo, mas pareceu-nos oportuno e conveniente elaborar uma súmula — necessariamente subjectiva e defectiva — que desse uma visão diacrónica da predilecção da Igreja pelo Canto Gregoriano e de como foi e continua a ser o «canto próprio da liturgia romana », o qual deve ter «por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar».

Ei-la:


O Canto Gregoriano no Magistério da Igreja

Bento XVI
Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini (Setembro, 2010):

Canto litúrgico biblicamente inspirado
70. No âmbito da valorização da Palavra de Deus durante a celebração litúrgica, tenha-se presente também o canto nos momentos previstos pelo próprio rito, favorecendo o canto de clara inspiração bíblica capaz de exprimir a beleza da Palavra divina por meio de um harmonioso acordo entre as palavras e a música. Neste sentido, é bom valorizar aqueles cânticos que a tradição da Igreja nos legou e que respeitam este critério; penso particularmente na importância do canto gregoriano.

Exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis (Fevereiro, 2007):

O canto litúrgico
42. Na arte da celebração, ocupa lugar de destaque o canto litúrgico. (…) Verdadeiramente, em liturgia, não podemos dizer que tanto vale um cântico como outro; a propósito, é necessário evitar a improvisação genérica ou a introdução de géneros musicais que não respeitem o sentido da liturgia. Enquanto elemento litúrgico, o canto deve integrar-se na forma própria da celebração; consequentemente, tudo — no texto, na melodia, na execução — deve corresponder ao sentido do mistério celebrado, às várias partes do rito e aos diferentes tempos litúrgicos. Enfim, (…) desejo — como foi pedido pelos padres sinodais — que se valorize adequadamente o canto gregoriano, como canto próprio da liturgia romana.

A língua latina
62. (…) [P]enso, neste momento, em particular, nas celebrações que têm lugar durante encontros internacionais, cada vez mais frequentes hoje, e que devem justamente ser valorizadas. A fim de exprimir melhor a unidade e a universalidade da Igreja, quero recomendar o que foi sugerido pelo Sínodo dos Bispos, em sintonia com as directrizes do Concílio Vaticano II: (…) sejam igualmente recitadas em latim as orações mais conhecidas da tradição da Igreja e, eventualmente, entoadas algumas partes em canto gregoriano. A nível geral, peço que os futuros sacerdotes sejam preparados, desde o tempo do seminário, para compreender e celebrar a Santa Missa em latim, bem como para usar textos latinos e entoar o canto gregoriano; nem se transcure a possibilidade de formar os próprios fiéis para saberem, em latim, as orações mais comuns e cantarem, em gregoriano, determinadas partes da liturgia.


João Paulo II
Quirógrafo no centenário do motu proprio «Tra le Sollecitudini» sobre a Música Sacra (Novembro, 2003):

7. Entre as expressões musicais que mais correspondem à qualidade requerida pela noção de música sacra, particularmente a litúrgica, o canto gregoriano ocupa um lugar particular. O Concílio Vaticano II reconhece-o como "canto próprio da liturgia romana" à qual é preciso reservar, na igualdade das condições, o primeiro lugar nas acções litúrgicas celebradas com canto em língua latina. São Pio X ressaltava que a Igreja "o herdou dos antigos Padres", "guardando-o ciosamente durante os séculos nos seus códigos litúrgicos" e ainda hoje o "propõe aos fiéis" como seu, considerando-o "como supremo modelo de música sacra". O canto gregoriano, portanto, continua a ser também hoje, um  elemento  de  unidade  na  liturgia romana. (…)


Sacra Congregação para os Ritos
Instrução Musicam Sacram (Março, 1967)

50. Nas acções litúrgicas com canto que se celebram em latim:
a) O canto gregoriano, como próprio da Liturgia romana, em igualdade de circunstâncias ocupará o primeiro lugar. Empreguem-se oportunamente para isso as melodias que se encontram nas edições típicas. (…)

52. Para conservar o tesouro da Música Sacra e promover devidamente novas criações, "dê-se grande importância nos Seminários, Noviciados e casas de estudo de religiosos de ambos os sexos, bem como noutros institutos e escolas católicas, à formação e prática musical", mas, sobretudo, nos Institutos Superiores especialmente destinados a isto. Deve promover-se antes de mais o estudo e a prática do canto gregoriano, já que, pelas suas qualidades próprias, continua a ser uma base de grande valor para o cultivo da Música
Sagrada.


Concílio Vaticano II
Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia (Dezembro, 1963)

112. A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene. (…)

116. A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar.


Pio XII
Carta Encíclica Musicæ Sacræ Disciplina sobre a Música Sacra (Dezembro, 1955)

Santidade, carácter artístico e universalidade da música litúrgica
20. Deve ser "santa"; não admita ela em si o que soa de profano, nem permita se insinue nas melodias com que é apresentada. A essa santidade se presta sobretudo o canto gregoriano, que desde tantos séculos se usa na Igreja, a ponto de se poder dizê-lo património seu. Pela íntima adesão das melodias às palavras do texto sagrado, esse canto não só quadra a este plenamente, mas parece quase interpretar-lhe a força e a eficácia (…). Conservar cuidadosamente esse precioso tesouro do canto gregoriano e fazer o povo amplamente participante dele, compete a todos aqueles a quem Jesus Cristo confiou a guarda e a dispensação das riquezas da Igreja. Por isso, aquilo que os nossos predecessores São Pio X (…) e Pio XI sabiamente ordenaram e inculcaram, também nós queremos e prescrevemos que se faça, prestando-se atenção às características que são próprias do genuíno canto gregoriano; isto é, que na celebração dos ritos litúrgicos se faça largo uso desse canto, e se providencie com todo cuidado para que ele seja executado com exactidão, dignidade e piedade. (...)

21. Se em tudo essas normas forem realmente observadas, vir-se-á outrossim a satisfazer pelo modo devido uma outra propriedade da música sacra, isto é, que ela seja "verdadeira arte"; e, se em todas as Igrejas católicas do mundo ressoar incorrupto e íntegro o canto gregoriano, também ele, como a liturgia romana, terá a nota de "universalidade", de modo que os féis em qualquer parte do mundo ouçam essas harmonias como familiares e como coisa de casa, experimentando assim, com espiritual conforto, a admirável unidade da Igreja. É esse um dos motivos principais por que a Igreja mostra tão vivo desejo de que o canto gregoriano esteja intimamente ligado às palavras latinas da sagrada liturgia.

22. (…) [C]uidem atentamente os ordinários e os outros sagrados pastores, que desde a infância os fiéis aprendam ao menos as melodias gregorianas mais fáceis e mais em uso, e saibam valer-se delas nos sagrados ritos litúrgicos (…).


Carta Encíclica Mediator Dei sobre a Sagrada Liturgia (Novembro, 1947)

176. (…) O canto gregoriano que a Igreja romana considera coisa sua, porque recebido da antiga tradição e guardado no correr dos séculos sob a sua cuidadosa tutela e que propõe aos fiéis como coisa também deles, prescrito como é de modo absoluto em algumas partes da liturgia, não só acrescenta decoro e solenidade à celebração dos divinos mistérios, antes contribui extremamente até para aumentar a fé e a piedade dos assistentes. (…)



Pio X
Motu Proprio Tra le Sollecitudini sobre a Música Sacra (Novembro, 1903)

3. Estas qualidades [santidade, delicadeza das formas, universalidade] encontram-se em sumo grau no canto gregoriano, que é, por consequência, o canto próprio da Igreja Romana, o único que ela herdou dos antigos Padres, que conservou cuidadosamente no decurso dos séculos em seus códigos litúrgicos e que, como seu, propõe directamente aos fiéis (...).
Por tais motivos, o canto gregoriano foi sempre considerado como o modelo supremo da música sacra (…).
O canto gregoriano deverá, pois, restabelecer-se amplamente nas funções do culto sendo certo que uma função eclesiástica nada perde da sua solenidade, mesmo quando não é acompanhada senão da música gregoriana.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Quirógrafo do Papa João Paulo II comemorando o centenário de Tra le sollecitudini (1903-2003)

Aproveitemos a beatificação próxima do Venerável
Papa João Paulo II para lermos os seus ensinamentos
e pedirmos a sua poderosa intercessão por todas
as scholæ cantorum que "desenvolve[m] na
assembleia a função de guia e de sustento e,
nalguns momentos da Liturgia,
desempenha[m] a sua função específica."


1. Impelido por um profundo desejo "de manter e de promover o decoro da Casa de Deus", o meu Predecessor São Pio X emanava, há cem anos, o Motu proprio Tra le sollecitudini, que tinha como objecto a renovação da música sacra nas funções do culto. Com isso, ele pretendia oferecer à Igreja indicações concretas naquele sector vital da Liturgia, apresentando-a "quase como um código jurídico da música sacra"(1). Tal intervenção, igualmente, fazia parte do programa do seu pontificado, que ele tinha resumido no dístico: "Instaurare omnia in Christo".

A data centenária do documento oferece-me a ocasião para destacar a importante função da música sacra, que São Pio X apresenta seja como um meio de elevação do espírito a Deus, seja como ajuda para os fiéis na "participação activa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja"(2).

A especial atenção que é necessário reservar à música sacra - recorda o Santo Pontífice - deriva do facto de que, "como parte integrante da solene liturgia, dela faz parte a finalidade geral que é a glória de Deus e a santificação e a edificação dos fiéis"(3). Interpretando e expressando o sentido profundo do sagrado texto ao qual está intimamente unida, ela é capaz de "acrescentar maior eficácia ao mesmo texto, para que os fiéis [...] se disponham melhor para acolher em si os frutos da graça, que são próprios da celebração dos sacrossantos mistérios"(4).

2. Este delineamento foi retomado pelo Concílio Ecuménico Vaticano II, no capítulo VI da Constituição Sacrosanctum concilium sobre a sagrada Liturgia, onde menciona com clareza a função eclesial da música sacra:  "A tradição musical de toda a Igreja constitui um património de inestimável valor, que sobressai entre as outras expressões de arte, especialmente pelo facto de que o canto sacro, unido às palavras, é uma parte necessária e integral da liturgia solene"(5). O Concílio recorda, ainda, que "o canto sacro é elogiado seja pela Sagrada Escritura, seja pelos Padres, seja ainda pelos Pontífices Romanos que recentemente, a começar por São Pio X, sublinharam com insistência a tarefa ministerial da música sacra no serviço divino"(6).

Continuando, de facto, a antiga tradição bíblica, à qual o mesmo Senhor e os Apóstolos se mantiveram apegados (cf. Mt 26, 30 ["Depois de cantarem os salmos, saíram para o Monte das Oliveiras."]Ef 5, 19 ["entre vós, cantai salmos, hinos e cânticos espirituais; cantai e louvai o Senhor com todo o vosso coração"]Cl 3, 16 ["A palavra de Cristo habite em vós com toda a sua riqueza: ensinai-vos e admoestai-vos uns aos outros com toda a sabedoria; cantai a Deus, nos vossos corações, o vosso reconhecimento, com salmos, hinos e cânticos inspirados."])a Igreja, ao longo de toda a sua história, favoreceu o canto nas celebrações litúrgicas, oferecendo, segundo a criatividade de cada cultura, maravilhosos exemplos de comentário melódico dos textos sagrados, nos ritos tanto do Ocidente como do Oriente.

Portanto, foi constante a atenção dos meus Predecessores a este delicado sector, a propósito do qual foram evocados os princípios fundamentais que devem animar a produção da música sacra, especialmente destinada à Liturgia. Além do Papa São Pio X, devem ser recordados, entre outros, os Papas Bento XIV, com a Encíclica Annus qui (19 de Fevereiro de 1749); Pio XII, com as Encíclicas Mediator Dei (20 de Dezembro de 1947) e Musicae sacrae disciplina (25 de Dezembro de 1955); e, finalmente, Paulo VI, com os luminosos pronunciamentos que disseminou em múltiplas oportunidades.

Os Padres do Concílio Vaticano II não deixaram de reforçar tais princípios, em vista da sua aplicação às condições transitórias dos tempos. Fizeram-no num capítulo especial, o sexto, da Constituição Sacrosanctum conciliumO Papa Paulo VI procedeu, pois, à tradução daqueles princípios em normas concretas, sobretudo por meio da Instrução Musicam sacram [tradução não oficial para o português]emanada com a sua aprovação em 5 de Março de 1967, pela então Sagrada Congregação para os Ritos. É preciso voltar constantemente àqueles princípios de inspiração conciliar, para promover, em conformidade com as exigências da reforma litúrgica, um desenvolvimento que esteja, também neste campo, à altura da tradição litúrgico-musical da Igreja. O texto da Constituição Sacrosanctum concilium onde se afirma que a Igreja "aprova e admite no culto todas as formas de verdadeira arte, dotadas das devidas qualidades"(7), encontra os critérios adequados de aplicação nos nn. 50-53 da Instrução Musicam sacram, agora mencionada(8).

3. Em diferentes ocasiões, também eu me referi à preciosa função e à grande importância da música e do canto para uma participação mais activa e intensa nas celebrações litúrgicas(9), e sublinhei a necessidade de "purificar o culto de dispersões de estilos, das formas descuidadas de expressão, de músicas e textos descurados e pouco conformes com a grandeza do acto que se celebra"(10), para assegurar dignidade e singeleza das formas à música litúrgica.

Em tal perspectiva, à luz do magistério de São Pio X e dos meus outros Predecessores, e considerando em particular os pronunciamentos do Concílio Vaticano II, desejo repropor alguns princípios fundamentais para este importante sector da vida da Igreja, com a intenção de fazer com que a música sacra corresponda cada vez mais à sua função específica.

4. Em conformidade com os ensinamentos de São Pio X e do Concílio Vaticano II, é preciso sublinhar acima de tudo que a música destinada aos sagrados ritos deve ter como ponto de referência a santidade:  ela, de facto, "será tanto mais santa quanto mais estreitamente for unida à acção litúrgica"(11). Por este exacto motivo, "não é indistintamente tudo aquilo que está fora do templo (profanum) que é apto a ultrapassar-lhe os umbrais", afirmava sàbiamente o meu venerável Predecessor Paulo VI, comentando um decreto do Concílio de Trento(12)  e destacava que "se não se possui ao mesmo tempo o sentido da oração, da dignidade e da beleza, a música instrumental e vocal impede por si o ingresso na esfera do sagrado e do religioso"(13). Por outro lado, a mesma categoria de "música sacra" recebeu hoje um alargamento de significado, a ponto de incluir repertórios que não podem entrar na celebração sem violar o espírito e as normas da mesma Liturgia.

A reforma realizada por São Pio X visava especificamente purificar a música de igreja da contaminação da música profana teatral, que em muitos países tinha poluído o repertório e a prática musical litúrgica. Também nos nossos tempos é preciso considerar atentamente, como evidenciei na Encíclica Ecclesia de Eucharistiaque nem todas as expressões de artes figurativas e de música são capazes de "expressar adequadamente o Mistério lido na plenitude de fé da Igreja"(14). Consequentemente, nem todas as formas musicais podem ser consideradas aptas para as celebrações litúrgicas.

5. Outro princípio enunciado por São Pio X no Motu proprio Tra le sollecitudini, princípio este intimamente ligado ao precedente, é o da singeleza das formas. Não pode existir uma música destinada à celebração dos sagrados ritos que não seja, antes, "verdadeira arte", capaz de ter a eficácia "que a Igreja deseja obter, acolhendo na sua liturgia a arte dos sons"(15).

Todavia, esta qualidade por si só não é suficiente. A música litúrgica deve, de facto, responder aos seus requisitos específicos: a plena adesão aos textos que apresenta, a consonância com o tempo e o momento litúrgico para o qual é destinada, a adequada correspondência aos gestos que o rito propõe. Os vários momentos litúrgicos exigem, de facto, uma expressão musical própria, sempre apta a fazer emergir a natureza própria de um determinado rito, ora proclamando as maravilhas de Deus, ora manifestando sentimentos de louvor, de súplica ou ainda de melancolia pela experiência da dor humana, uma experiência, porém, que a fé abre à perspectiva da esperança cristã.

6. Os cantos e as músicas exigidos pela reforma litúrgica - é bom sublinhá-lo - devem corresponder também às legítimas exigências de adaptação e de inculturação. É evidente, porém, que cada inovação nesta delicada matéria deve respeitar os critérios peculiares, como a investigação de expressões musicais, que correspondam à participação necessária de toda a assembleia na celebração e que evitem, ao mesmo tempo, qualquer concessão à leviandade e à superficialidade. É necessário, portanto, evitar, em última análise, aquelas formas de "inculturação", em sentido elitário [=elitista], que introduzem na Liturgia composições antigas ou contemporâneas que possuem talvez um valor artístico, mas que induzem a uma linguagem realmente incompreensível.

Neste sentido, São Pio X indicava usando o termo universalidade um ulterior requisito da música destinada ao culto:  "(...) embora seja permitido a cada nação admitir nas composições religiosas aquelas formas particulares, que em certo modo constituem o carácter específico da sua música própria, estas devem ser de tal maneira subordinadas aos caracteres gerais da música sacra que ninguém doutra nação, ao ouvi-las, sinta uma impressão desagradável."(16). Por outras palavras, o espaço sagrado da celebração litúrgica jamais deve tornar-se um laboratório de experiências ou de práticas de composição e de execução, introduzidas sem uma verificação atenta.

7. Entre as expressões musicais que mais correspondem à qualidade requerida pela noção de música sacra, particularmente a litúrgica, o canto gregoriano ocupa um lugar particular. O Concílio Vaticano II reconhece-o como "canto próprio da liturgia romana"(17) à qual é preciso reservar, na igualdade das condições, o primeiro lugar nas acções litúrgicas celebradas com canto em língua latina(18). São Pio X ressaltava que a Igreja "o herdou dos antigos Padres", "guardando-o zelosamente durante os séculos nos seus códigos litúrgicos" e ainda hoje o "propõe aos fiéis" como seu, considerando-o "como supremo modelo de música sacra"(19). O canto gregoriano, portanto, continua a ser também hoje, um  elemento de unidade na liturgia romana.

Como já fazia São Pio X, também o Concílio Vaticano II reconhece que "os outros géneros de música sacra, e especialmente a polifonia, não estão excluídos de modo algum da celebração dos ofícios divinos"(20). É preciso, portanto, avaliar com atenção as novas linguagens musicais, para recorrer à possibilidade de expressar também com elas as inextinguíveis riquezas do Mistério reproposto na Liturgia e favorecer assim a participação activa dos fiéis nas diversas celebrações (21).

8. A importância de conservar e de incrementar o património secular da Igreja leva a ter em particular consideração uma exortação específica da Constituição Sacrosanctum concilium: "Promovam-se com empenho, sobretudo nas Igrejas Catedrais, as "Scholae Cantorum". Por sua vez, a Instrução Musicam sacram determina a função ministerial da schola:  "É digno de particular atenção, para o serviço litúrgico que desenvolve, o coro ou a capela musical ou ainda a schola cantorum(23). No que se refere às normas conciliares da reforma litúrgica, a sua tarefa tornou-se ainda mais relevante e importante: deve, realmente, prover à execução exacta das partes que lhe são próprias, segundo os diversos tipos de cânticos, e favorecer a participação activa dos fiéis no canto. Portanto [...] promova-se com especial cuidado especialmente nas catedrais e nas outras igrejas maiores, nos seminários e nas casas de formação religiosas, um coro ou uma capela musical ou ainda uma schola cantorum". A tarefa da schola não foi diminuída: ela, de facto, desenvolve na assembleia a função de guia e de sustento e, nalguns momentos da Liturgia, desempenha a sua função específica.

Da boa coordenação de todos o sacerdote celebrante e o diácono, os acólitos, os ministros, os leitores, o salmista, a schola cantorum, os músicos, o cantor e a assembleia decorre aquele clima espiritual que torna o momento litúrgico realmente intenso, participado e frutífero. O aspecto musical das celebrações litúrgicas, portanto, não pode ser relegado nem à improvisação nem ao arbítrio de pessoas individualmente, mas há-de ser confiado a uma direcção harmoniosa, no respeito pelas normas e as competências, como significativo fruto de uma formação litúrgica adequada.

9. Também neste campo, portanto, se evidencia a urgência de promover uma formação sólida, quer dos pastores quer dos fiéis leigos. São Pio X insistia particularmente sobre a formação musical do clero. Uma insistência neste sentido foi reforçada também pelo Vaticano II:  "Dê-se-lhes grande importância nos Seminários, nos Noviciados dos religiosos e das religiosas e nas casas de estudo, assim como noutros institutos e escolas católicas"(24). Esta indicação ainda deve ser plenamente realizada. Portanto, considero oportuno recordá-la, para que os futuros pastores possam adquirir uma sensibilidade adequada também neste campo.

Nesta obra formativa, um papel especial é desempenhado pelas escolas de música sacra, que São Pio X exortava a apoiar e promover(25), e que o Concílio Vaticano II recomenda a instituir onde for possível(26). Fruto concreto da reforma de São Pio X foi a erecção em Roma, em 1911, oito anos depois do Motu proprioda "Pontifícia Escola Superior de Música Sacra", que em seguida se tornou "Pontifício Instituto de Música Sacra". Além desta instituição académica, já quase centenária, que desempenhou e ainda desempenha um serviço qualificado na Igreja, existem muitas outras Escolas instituídas nas Igrejas particulares que merecem ser apoiadas e incrementadas para um melhor conhecimento e execução da boa música litúrgica.

10. Dado que a Igreja sempre reconheceu e favoreceu o progresso das artes, não é de se admirar que, além do canto gregoriano e da polifonia, admita nas celebrações também a música moderna, desde que seja respeitosa do espírito litúrgico e dos verdadeiros valores da arte. Portanto, permite-se que as Igrejas nas diversas Nações valorizem, nas composições destinadas ao culto, "aquelas formas particulares que constituem de certo modo o carácter específico da música que lhes é própria"(27). Na linha do meu Predecessor e de quanto se estabeleceu mais recentemente na Constituição Sacrosanctum concilium(28)também eu, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, procurei abrir espaço às novas formas musicais, mencionando juntamente com as inspiradas melodias gregorianas, "os numerosos e, frequentemente, grandes autores que se afirmaram com os textos litúrgicos da Santa Missa" (29).

11. O século passado, com a renovação realizada pelo Concílio Vaticano II, conheceu um desenvolvimento especial do canto popular religioso, do qual a Sacrosanctum concilium diz:  "Promova-se com grande empenhamento o canto popular religioso, para que os fiéis possam cantar, tanto nos exercícios de piedade como nos próprios actos litúrgicos"(30). Este canto apresenta-se particularmente apto para a participação dos fiéis, não apenas nas práticas devocionais, "segundo as normas e o que se determina nas rubricas"(31), mas igualmente na própria Liturgia. O canto popular, de facto, constitui um "vínculo de unidade, uma expressão alegre da comunidade orante, promove a proclamação de uma única fé e dá às grandes assembleias litúrgicas uma incomparável e recolhida solenidade" (32).

12. No que diz respeito às composições musicais litúrgicas, faço minha a "regra geral" que são Pio X formulava com estes termos:  "Uma composição para a Igreja é tanto sacra e litúrgica quanto mais se aproximar, no andamento, na inspiração e no sabor, da melodia gregoriana, e tanto menos é digna do templo, quanto mais se reconhece disforme daquele modelo supremo"(33). Não se trata, evidentemente, de copiar o canto gregoriano, mas muito mais de considerar que as novas composições sejam absorvidas pelo mesmo espírito que suscitou e, pouco a pouco, modelou aquele canto. Somente um artista profundamente mergulhado no sensus Ecclesiae pode procurar compreender e traduzir em melodia a verdade do Mistério que se celebra na Liturgia (34). Nesta perspectiva, na Carta aos Artistas escrevo:  "Quantas composições sacras foram elaboradas, ao longo dos séculos, por pessoas profundamente imbuídas pelo sentido do mistério! Crentes sem número alimentaram a sua fé com as melodias nascidas do coração de outros crentes, que se tornaram parte da Liturgia ou pelo menos uma ajuda muito válida para a sua decorosa realização. No cântico, a fé é sentida como uma exuberância de alegria, de amor, de segura esperança da intervenção salvífica de Deus" (35)(Ed. port. de L'Osserv. Rom. n. 18, pág. 211, n. 12).

Portanto, é necessária uma renovada e mais profunda consideração dos princípios que devem estar na base da formação e da difusão de um repertório de qualidade. Somente assim se poderá permitir que a expressão musical sirva de modo apropriado a sua finalidade última, que "é a glória de Deus e a santificação dos fiéis"(36).

Sei ainda que também hoje não faltam compositores capazes de oferecer, neste espírito, a sua contribuição indispensável e a sua colaboração competente para incrementar o património da música, ao serviço da Liturgia cada vez mais intensamente vivida. Dirijo-lhes a expressão da minha confiança, unida à exortação mais cordial, para que se empenhem com esmero em vista de aumentar o repertório de composições que sejam dignas da excelência dos mistérios celebrados e, ao mesmo tempo, aptas para a sensibilidade hodierna.

13. Por fim, gostaria ainda de recordar aquilo que São Pio X dispunha no plano práctico, com a finalidade de favorecer a aplicação efectiva das indicações apresentadas no Motu proprio. Dirigindo-se aos Bispos, ele prescrevia que instituíssem nas suas dioceses "uma comissão especial de pessoas verdadeiramente competentes em matéria de música sacra"(37). Onde a disposição pontifícia foi posta em prática, não faltaram os frutos. Actualmente, são numerosas as Comissões nacionais, diocesanas e interdiocesanas que oferecem a sua contribuição preciosa para a preparação dos repertórios locais, procurando realizar um discernimento que considere a qualidade dos textos e das músicas. Faço votos a fim de que os Bispos continuem a secundar o esforço destas Comissões, favorecendo-lhes a eficácia no âmbito pastoral(38).
À luz da experiência amadurecida nestes anos, para melhor assegurar o cumprimento do importante dever de regulamentar e promover a sagrada Liturgia, peço à Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos que intensifique a atenção, segundo as suas finalidades institucionais(39), aos sectores da música sacra litúrgica, valendo-se das competências das diversas Comissões e Instituições especializadas nesse campo, como também da contribuição do Pontifício Instituto de Música Sacra. É importante, de facto, que as composições musicais utilizadas nas celebrações litúrgicas correspondam aos critérios enunciados por São Pio X e sàbiamente desenvolvidos, quer pelo Concílio Vaticano II quer pelo sucessivo Magistério da Igreja. Nesta perspectiva, estou persuadido de que também as Conferências episcopais hão-de realizar cuidadosamente o exame dos textos destinados ao canto litúrgico(40), e prestar uma atenção especial à avaliação e promoção de melodias que sejam verdadeiramente aptas para o uso sacro(41).

14. Ainda no plano prático, o Motu proprio do qual se celebra o centenário, aborda também a questão dos instrumentos musicais a serem utilizados na Liturgia latina. Dentre eles, reconhece sem hesitação a prevalência do órgão de tubos, sobre cujo uso estabelece normas oportunas(42). O Concílio Vaticano II acolheu plenamente a orientação do meu Predecessor, estabelecendo:  "Tenha-se grande apreço, na Igreja latina, pelo órgão de tubos, instrumento musical tradicional e cujo som é capaz de trazer às cerimónias do culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito a Deus e às coisas celestes"(43).
Deve-se, porém, reconhecer que as composições actuais utilizam frequentemente modos musicais diversificados não desprovidos da sua dignidade. Na medida em que servem de ajuda para a oração da Igreja, podem revelar-se como um enriquecimento precioso. É preciso, porém, vigiar a fim de que os instrumentos sejam aptos para o uso sacro, correspondam à dignidade do templo, possam sustentar o canto dos fiéis e favoreçam a sua edificação.

15. Desejo que a comemoração centenária do Motu proprio Tra le sollecitudini, por intercessão do seu santo Autor, conjuntamente com Santa Cecília, Padroeira da música sacra, sirva de encorajamento e estímulo para aqueles que se ocupam deste importante aspecto das celebrações litúrgicas. Os cultores da música sacra, dedicando-se com impulso renovado a um sector de relevância tão vital, contribuem para o amadurecimento da vida espiritual do Povo de Deus. Os fiéis, por sua vez, expressando de modo harmónico e solene a sua própria fé com o canto, experimentarão cada vez mais profundamente a riqueza e harmonizar-se-ão no esforço em vista de traduzir os seus impulsos nos comportamentos da vida quotidiana. Poder-se-á, assim, alcançar, graças ao compromisso concorde dos pastores de almas, dos músicos e dos fiéis, aquilo que a Constituição Sacrosanctum concilium qualifica como verdadeira "finalidade da música sacra", isto é, "a glória de Deus e a santificação dos fiéis"(44).

Nisto, sirva também de exemplo e modelo a Virgem Maria, que soube cantar de modo único, no Magnificat, as maravilhas que Deus realizou na história do homem. Com estes bons votos, concedo-vos a todos a minha afectuosa Bênção.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 22 de Novembro de 2003, memória de Santa Cecília, no vigésimo sexto ano de Pontificado.

Notas
1) Pio X, Pontificis Maximi Acta, vol. I, pág. 77.
2) Ibidem.
3) Ibid., n. 1, pág. 78.
4) Ibidem.
5) N. 12.
6) Ibidem.
7) Ibidem.
8) Cf. AAS 59 (1967), pp. 312-316.
9) Cf., por exemplo, Discurso ao Pontifício Instituto de Música Sacra no 90 aniversário de fundação (19 de Janeiro de 2001), 1:  Insegnamenti XXIV/1 (2001), pág. 194.
10) Audiência geral de 26 de Fevereiro de 2003, 3:  L'Osservatore Romano (ed. port. de 1.3.2003), pág. 124.
11) Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. sobre a Liturgia Sacrosanctum concilium, 112.
12) Discurso aos participantes da assembleia geral da Associação Italiana Santa Cecília (18 de Setembro de 1968), em:  Insegnamenti VI (1968), pág. 479.
13) Ibidem.
14) N. 50, em:  AAS (2003), pág. 467.
15) N. 2, pág. 78.
16) Ibid., pp. 78-79.
17) Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum concilium, 116.
18) Cf. S. Congregação para os Ritos, Instrução sobre a música na sagrada Liturgia Musicam sacram (5 de Março de 1967), 50, em:  AAS 59 (1967), 314.
19) Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 3, pág. 79.
20) Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum concilium, 116.
21) Cf. Ibid., n. 30.
22) Ibid., n. 114.
23) N. 19, em:  AAS 59 (1967), 306.
24) Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 115.
25) Cf. Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 28, pág. 86.
26) Cf. Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 115.
27) Pio X, Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 2, pág. 79
28) Cf. n. 119.
29) N. 49, em:  AAS 95 (2003), pág. 466.
30) N. 118.
31) Ibidem.
32) João Paulo II, Discurso no Congresso Internacional de Música Sacra (27 de Janeiro de 2001), 4, em:  Insegnamenti XXIV/1 (2001), pp. 239-240.
33) Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 3, pág. 79.
34) Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 112.
35) N. 12, em:  Insegnamenti XXII/1 (1999), pág. 718.
36) Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium,112.
37) Motu proprio Tra le sollecitudini, n. 24, pág. 85.
38) Cf. João Paulo II, Carta ap. Vicesimus quintus annus (4 de Dezembro de 1987), 20:  AAS81 (1989), pág. 916.
39) Cf. João Paulo II, Const. ap. Pastor Bonus (28 de Junho de 1988), 65, em:  AAS 80 (1988), pág. 877.
40) Cf. João Paulo II, Carta enc. Dies Domini (31 de Maio de 1998), 50, em:  AAS 90 (1998), pág. 745; Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instr. Liturgiam authenticam (28 de Março de 2001), 108, em:  AAS (2001), pág. 719.
41) Institutio generalis Missalis Romani, editio typica III, pág. 393.
42) Motu proprio Tra le sollecitudini, nn. 15-18, pág. 84.
43) Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. sobre a sagrada Liturgia Sacrosanctum concilium,120.
44) Ibid., n. 112.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Canto Gregoriano: uma apologia

Via The Chant Café, e depois na Schola Saint Maur, encontrámos palavras proferidas por Monsignor Valentino Miserachs Grau, presidente do Pontifício Instituto de Música Sacra numa conferência realizada na Cidade do Vaticano em Dezembro de 2005: uma enérgica defesa do Canto Gregoriano em si mesmo, como elemento essencial das liturgia e tradição católicas, como elemento negligenciado da reforma conciliar, como património cultural e religioso dos católicos de rito latino, como meio de incrementar uma actuosa participatio, propriamente entendida, por parte da assembleia:
Que uma assembleia de fiéis possa participar na liturgia ― e muito particularmente na missa ― cantando as peças gregorianas feitas para ela, não é só desejável: é mesmo o ideal.

Não se trata de ser esta a minha opinião que aqui exponho, mas a da Igreja. Para que nos convençamos disto, basta recapitularmos o Motu proprio "Inter Sollicitudines" [Tra le sollecitudini] de S. Pio X, basta lermos Pio XII ("Musicae Sacrae Disciplina"), basta relermos o capítulo VI da Constituição sobre a Liturgia do Vaticano II e a Instrução dada pela Congregação dos Ritos em 1967; basta relermos ainda o quirógrafo dado por João Paulo II por  ocasião do 100º aniversário de "Inter Sollicitudines" escrito em 1903. Um outro exemplo foi-nos dado por um artigo contendo as conclusões do Sínodo sobre a Eucaristia que decorreu em Outubro de 2005: 
"No curso dos seus estudos, os futuros padres deverão treinar-se a perceber e a celebrar a missa em latim. (...) Deverão aprender o valor do canto gregoriano e deverão conduzir os fiéis por esta via." 
É fácil compreender as razões de tais directrizes. De facto, a "colocação no Index" [lit. proscrição, proibição; fig. desconsideração] do latim e do gregoriano, durante os últimos 40 anos, é incompreensível, principalmente nas regiões de cultura latina. Não somente incompreensível: é também deplorável.
O latim e o canto gregoriano, que estão estreitamente ligados às fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas, são uma parte da lex orandi que foi elaborada ao longo dos vinte séculos passados. Como pôde suceder que aceitássemos com tamanha desenvoltura a amputação de tão grandes riquezas? Como é que pudemos admitir decepar-nos e que assim nos separássemos das nossas raízes?
A supressão de uma tal tradição de oração, que se manteve no decurso de dois milénios, constituiu um clima favorável à proliferação de novidades musicais que, na maioria dos casos, não possuem qualquer raíz na tradição da Igreja e a empobreceram consideravelmente, causando-lhe danos de difícil reparação malogradas as boas vontades das quais surgiram.
Uma restauração do canto gregoriano cantado pelas assembleias não deve somente ser planeada: ela deve ter lugar e deve ser feita com o concurso [colaboração] das scholae e dos celebrantes. É pagando este preço que recuperaremos uma maior seriedade litúrgica, uma forma de canto sagrado cuja universalidade deve ser a característica de toda a música litúrgica digna deste nome, como nos repetiram e ensinaram tão bem S. Pio X e João Paulo II.
Como é que um amontoado de melodias insípidas semelhantes ao que a música popular actual faz de mais estúpido poderia substituir o canto gregoriano, cujas nobreza e solidez ― mesmo das peças mais simples ― são capazes de elevar o coração dos fiéis? Temos subestimado as capacidades de memorização do povo cristão: forçámo-lo, pelo contrário, a esquecer as melodias gregorianas que ele sabia, ao invés de permitir que ele aprofundasse os seus conhecimentos; e isto, apesar das instruções e dos textos magisteriais. Empanturrámos o povo com banalidades musicais. 
Ao cortarmos deste modo o cordão umbilical da Tradição, privámos ainda os compositores do que os teria ajudado a elaborar um canto litúrgico em línguas vivas; partindo do princípio erróneo segundo o qual a técnica seria auto-suficiente, privámo-los deste humus indispensável do qual só pode florescer um canto litúrgico em harmonia com o espírito da Igreja. 
Insisto que subestimámos as capacidades do povo para aprender. É evidente que nem todo o repertório está feito para ser cantado pelo povo; e haveria uma diferença entre o facto de almejar a participação activa das assembleias e o facto de reduzir a participação dos fiéis só à escuta do que se fizesse no coro. É necessário portanto respeitar a ordem das coisas: o povo deve poder cantar a sua parte, da mesma maneira que a schola, o cantor, o psalmista e, claro está, o celebrante ― que muitas vezes prefere não cantar ―, devem poder cantar cada um o que lhes pertence. Como sublinhou João Paulo II no seu quirógrafo: "É da boa coordenação de todos ― celebrante, diácono, acólitos, ministros, leitores, salmista, schola cantorum ― que brotará a verdadeira atmosfera espiritual que fará da liturgia um momento intenso e frutuoso."
Queremos nós que o canto gregoriano reviva nas nossas assembleias? Então é preciso começar pelas aclamações, o Pater noster, as peças do Ordinário ― Kyrie, Gloria, Sanctus Agnus Dei. Em muitos locais, as gentes conhecem o Credo III e a missa "dos Anjos" [de Angelis]. Mas não só! Os fiéis sabem também o Pange lingua, a Salve Regina... e muitos outras antífonas tão-bem. A experiência mostra que se os fiéis forem convidados, serão também capazes de cantar as missas breves assim como outras melodias gregorianas fáceis que conheçam de ouvido, mesmo se fôr a primeira vez que as cantam. Há um repertório mínimo que deve estar sabido: é o do Iubilate Deo oferecido por Paulo VI, ou aquele do Liber cantualis. Se os fiéis crescerem no hábito de cantar o repertório gregoriano para si mesmos desenvolvido, adquirirão boas bases para aprender novos cânticos compostos nas línguas correntes, sendo que estes cantos ― entenda-se ― cohabitem com o gregoriano e lhe cedam sempre o primeiro lugar na liturgia. 
Devemos perseverar no esforço educacional: esta é a primeira condição a respeitar se queremos fazer redescobrir o canto gregoriano e fazer com que os fiéis possam apropriar-se dele. É algo que muitos padres esquecem, na medida em que são os padres a optar pelas soluções que requerem o menor esforço. Quem poderia preferir, em lugar duma música espiritual e nutritiva, estas árias acompanhadas de guitarradas que nos fazem esquecer, como quis frisar o Papa Pio X ao clero de Veneza, que nós não devemos julgar as qualidades do sagrado pelos critérios do que a cada um agrada. 
É necessário fazer um trabalho de formação. Como poderíamos nós formar os fiéis se nós mesmos não formos correctamente ensinados? O congresso da "Consociatio Internationalis Musicae Sacrae" (C.I.M.S.), que teve lugar no Instituto Pontifício de Música Sacra, esclareceu as bases para a formação do clero quanto ao canto sacro. Mas eis que cursos inteiros de seminaristas, quer religiosos, quer religiosas, não tiveram uma real formação na área do canto sagrado da Igreja. São Pio X, e todos os responsáveis da Igreja depois dele, compreenderam contudo que nunca se daria uma tal restauração e aprofundamento sem a correcta formação prévia. 
Um dos resultados do Motu proprio de 1903 ― que se conserva de maneira renovada ainda nos nossos dias ― é a criação do Instituto Pontifício de Música Sacra de Roma, que acaba de festejar o seu centésimo aniversário. Quantos mestres do canto gregoriano, da polifonia, quantos organistas e chantres, actualmente disseminados no mundo, não terão passado por este instituto? E não esqueçamos as outras grandes escolas de canto sacro, os institutos diocesanos, e os numerosos cursos dados nos seminários! Mas será que temos ensinado, realmente ensinado o canto gregoriano nestas casas? Se sim, como é que ele é ensinado? O esquecimento do gregoriano não advirá do facto de nós o fazemos passar por totalmente desactualizado, se não mesmo definitivamente arrumado a um canto? 
Que erro tão grosseiro! Iria mesmo até ao ponto de afirmar que, sem o canto gregoriano, a Igreja está como que mutilada, ou ainda que seria inconcebível haver música de Igreja se o canto gregoriano não existisse.
Os grandes mestres da polifonia são, na verdade, aqueles que basearam as suas composições no canto gregoriano, retomando os seus temas musicais, os modos, as variações rítmicas. Foi do espírito do gregoriano e do respeito pelo texto sagrado litúrgico que beberam Palestrina, Lassus, Victoria, Guerrero, Morales e tantos outros prestigiados compositores. 
A renovação desejada por "Inter Sollicitudines" não poderá realizar-se sem que nos inspiremos no canto gregoriano. Nos nossos dias, Perosi, Refice e Bartolucci fizeram do canto gregoriano a fonte das suas melhores composições: não unicamente das composições complexas, mas também das suas composições de novos cantos, em latim ou em línguas vernáculas, destinados à liturgia ou aos ofícios de devoção. O canto sacro popular é da melhor índole na medida em que se inspirar directamente no canto gregoriano. Como o reafirmou João Paulo II, fazendo suas as palavras de S. Pio X: "Uma composição destinada à Igreja é tanto mais sacra e litúrgica no seu desenvolvimento, na sua inspiração e no seu sabor, quanto mais ela se inspirar na melodia gregoriana e se aproximar deste modelo supremo." Mas como será possível propôr ao mundo um repertório litúrgico de qualidade, incluindo o uso das línguas vulgares, se os compositores se recusam a estudar o canto gregoriano? 
De facto, a melhor escola para compreender e penetrar os segredos dum repertório é a práctica regular desse repertório: é a experiência que nós, nós que somos o ponto de união da geração de ontem com a geração de amanhã, teremos ainda a oportunidade de poder viver. Infelizmente, depois de nós, encerrar-se-á a questão... Assim sendo, porquê esta resistência face à vontade de restaurar na totalidade ou em parte ― segundo as circunstâncias ― a missa celebrada sob a sua forma latina e gregoriana? Serão as novas gerações mais ignorantes que aquelas que as precederam? 
O novo missal romano propõe os textos latinos ao lado das traduções para as línguas vulgares. A Igreja pretende que este missal seja posto em práctica. Por que havemos de ter medo duma conversão neste sentido?
O canto gregoriano não vai tornar-se música de conservatórios, concertos ou discotecas: ele não será mumificado para exibição nos museus. Ele deve permanecer vivo, voltar a reviver no seio das nossas assembleias; é através da sua escuta e da sua execução durante as liturgias que ele poderá alimentar os fiéis a ponto de estes se sentirem ainda mais pertencentes ao povo de Deus. 
É o tempo propício para sairmos do nosso torpor: os exemplos luminosos devem vir das catedrais, das grandes igrejas, dos mosteiros e dos conventos, dos seminários e das casas de formação religiosa... Assim, as paróquias mais pequenas serão "contaminadas", por sua vez, pela suprema beleza do canto da Igreja. Assim, o poder de persuasão do canto gregoriano irradiará ao ponto de confortar o povo no seu autêntico sentido da fé católica. E o espírito do canto gregoriano inspirará as novas composições, sempre guiando os esforços feitos em vista da inculturação através de um verdadeiro sensus Ecclesiae
Gostaria ainda de sublinhar o facto de que numerosos cantos oriundos das tradições locais muitas vezes afastadas das nossas culturas europeias têm frequentemente laços com o gregoriano; é o que põe em demais evidência o carácter universal do canto gregoriano, o qual está apto a respeitar a pluralidade ao mesmo tempo que garante a unidade. É o que explica também porque é que as culturas dentre as mais longínquas são hoje aquelas onde se encontram fiéis capazes de nos ensinar o amor ao canto tradicional da Igreja. Estas jovens Igrejas da África ou da Ásia testemunham-nos o seu reconhecimento e lembram-nos o valor deste canto que foi a base da expressão da sua fé cristã.
Dois outros factores aos quais recorreria ainda em favor da manutenção do canto gregoriano e da composição de uma música sacra de qualidade: 
1. A formação musical dos padres, dos religiosos e dos fiéis requer seriedade, o mesmo é dizer a supressão de todo o amadorismo que nós encontramos em certas pessoas de boa vontade. Quem se empenhou correctamente para assegurar esta séria formação deve ser reconhecido como tal, e se possível, remunerado. Não é normal que se possa dispensar somas importantes para decorações fúteis na Igreja... e nada para o canto. Como é que poderemos, nestas condições, encorajar os jovens a entrar ao serviço da música da Igreja? Como poderemos ser credíveis se os desencaminharmos e os atormentarmos com as nossas fantasias e a nossa falta de seriedade? 
2. As nossas acções devem ser desempenhadas de modo harmonioso. João Paulo II recordou-o bem: 
"O aspecto musical das acções litúrgicas não podem ser tributárias de improvisações ou de escolhas individuais; deve antes apoiar-se nas decisões bem coordenadas e respeituosas das normas e adoptadas pelas autoridades competentes e com sólida formação litúrgica."
Poder respeitar as normas continua a ser o nosso anseio. Também esperamos que sejam dadas directivas com autoridade: as iniciativas e as práticas locais não podem fazer-se sem que sejam coordenadas pela Igreja de Roma, ou sem que sejam autentificadas pela Sé Apostólica.
É hora de agir: não esperemos mais.

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