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segunda-feira, 29 de abril de 2024

Sessantini: a expressão “ceteris paribus” em Sacrossanctum Concilium 116

Continuamos a tradução e republicação
dos esplêndidos artigos contidos no 

Boletim informativo do centro de Canto Gregoriano «Dom Jean Claire» - Verona
Ano II - n° 2 - Maio - Agosto 2020

  

Gilberto Sessantini

O significado da expressão “ceteris paribus”

AAS: Acta Apostolicae Sedis
IMSSL: Instr. De Música Sacra et Sacra Liturgia, 1958
MD: Mediador Dei, 1947
MS: Musicam Sacram, 1967
MSD: Música Sacrae Disciplina, 1955
SC: Sacrosanctum Concilium, 1963

Depois de nos termos debruçado num precedente artigo [1] sobre o estatuto do “canto próprio da liturgia romana” aplicado ao canto gregoriano pelo n° 116 da Sacrosanctum Concilium, queremos dedicar algumas linhas à expressão “ceteris paribus” ̶ normalmente traduzida como “ em igualdade de condições" ̶ presente no mesmo número da constituição conciliar e, em sua maioria, interpretada em sentido restritivo, ou seja, limitando o uso do canto gregoriano. Em primeiro lugar, revisemos integralmente o texto em questão, porque, como é óbvio e oportuno, a primeira operação a fazer quando se fala de um inciso é colocá-lo no seu justo contexto:

Ecclesia cantum gregorianum agnoscit ut liturgiae romanae proprium: qui ideo in actionibus liturgicis, ceteris paribus, principem locum obtineat. Alia genera Musicae sacrae, praesertim vero polyphonia, in celebrandis divinis Officiis minime excluduntur, dummodo spiritui actionis liturgicae respondeant, ad normam art. 30.” [2]

[1] G. SESSANTINI, Il gregoriano e il suo statuto di “canto proprio della liturgia romana, in Vox gregoriana, Bollettino informativo del centro di Canto Gregoriano e monodie "dom Jean Claire" Verona, anno I, n° 2 Maggio-Agosto 2019.

[2] SC 116.

A afirmação principal, que assim fundamenta todo o número 116, é que a Igreja reconhece o canto gregoriano como o canto próprio da liturgia romana. Desta afirmação de princípio derivam duas consequências práticas. A primeira é que nas celebrações deve reservar-se-lhe o lugar principal. A segunda, todavia, é que não devem ser excluídos, de modo algum, outros géneros de música sacra por causa desta primazia do canto gregoriano. Encontramo-nos perante um princípio claro e duas consequências práticas que dele decorrem e que são igualmente claras. Qual é, então, o significado de um aparte como aquele inserido na primeira consequência prática derivada do princípio básico afirmado precedentemente?

Para compreendê-lo, devemos antes de mais reconstruir a génese da referida passagem e, de forma mais geral, das declarações de princípio relativas ao canto gregoriano.

Como muitas outras declarações da Sacrosanctum Concilium, também aquela em questão é devedora do Magistério precedente, contrariamente ao que se crê. No que diz respeito à liturgia, à música sacra em geral e ao canto gregoriano em particular - para além das afirmações de princípio presentes nos documentos da primeira metade do século XX, cujo fundador foi o Motu proprio Inter sollicitudines [3] de Pio X -, é sobretudo o riquíssimo magistério de Pio XII a fazer escola, com uma primeira Encíclica, a Mediador Dei de 1947, estabelecendo todo o seu pensamento sobre a liturgia; uma segunda Encíclica, a Musicae Sacrae Disciplina de 1955, inteiramente dedicada à música sacra [4]; e finalmente uma Instructio de Musica Sacra et Sacra Liturgia, da Sagrada Congregação dos Ritos de 1958 [5], que pode considerar-se verdadeiramente como “o testamento espiritual de Pio XII em matéria litúrgica” [6]. É precisamente neste último documento que aparece pela primeira vez nos documentos magisteriais a expressão “ceteris paribus”:

Cantus gregorianus est cantus sacer, Ecclesiae romanae proprius et principalis; ideoque in omnibus actionibus liturgicis non solum adhiberi potest, sed, ceteris paribus, aliis Musicae sacrae generibus est praeferendus”. (IMSSL 16) [7]

[3] Ver também a Carta ao Card. Respighi: Acta Pii X, vol. I, pp. 68-74; v. p. 73s; Acta Apostolicae Sedis (AAS) 36 (1903-04), pp. 325-329, 395-398, v. 398. Também Pio XI disto se ocupa: ver PIUS XI, Const. apost. Divini cultus: AAS 21(1929), p. 33s.

[4] Em AAS 48(1956), pp. 5-25. Eis as expressões altamente elogiativas reservadas ao gregoriano: “A essa santidade se presta sobretudo o canto gregoriano, que desde tantos séculos se usa na Igreja, a ponto de se poder dizê-lo património seu. Pela íntima aderência das melodias às palavras do texto sagrado, esse canto não só quadra a este plenamente, mas parece quase interpretar-lhe a força e a eficácia, instilando doçura na alma de quem o escuta; e isso por meios musicais simples e fáceis, mas permeados de tão sublime e santa arte, que em todos suscitam sentimentos de sincera admiração, e se tornam para os próprios entendedores e mestres de música sacra uma fonte inexaurível de novas melodias. Conservar cuidadosamente esse precioso tesouro do canto gregoriano e fazer o povo amplamente participante dele, compete a todos aqueles a quem Jesus Cristo confiou a guarda e a dispensação das riquezas da Igreja. Por isso, aquilo que os Nossos predecessores são Pio X, com toda a razão chamado restaurador do canto gregoriano, e Pio XI, sabiamente ordenaram e inculcaram, também nós queremos e prescrevemos que se faça, prestando-se atenção às características que são próprias do genuíno canto gregoriano; isto é, que na celebração dos ritos litúrgicos se faça largo uso desse canto, e se providencie com todo o cuidado para que ele seja executado com exactidão, dignidade e piedade”.

[5] In AAS 50 (1958), pp. 630-663.

[6] F. ANTONELLI, L’Istruzione della Sacra Congregazione dei Riti sulla Musica Sacra e la Sacra Liturgia, Opera della Regalità, Milano 1958, p.5.

[7] Instr. De Musica Sacra et Sacra Liturgia, (IMSSL) n° 16. Texto em F. ANTONELLI, op. cit. Em italiano, na tradução oficial: “Il canto gregoriano è il canto sacro proprio e principale della Chiesa romana. Perciò in tutte le azioni liturgiche, non solo si può usare, ma anche, a parità di condizioni, è da preferirsi agli altri generi di Musica sacra”.
N. do T.: Em português, na Instrução sôbre a Música Sacra e a Sagrada Liturgia. 1958. Editôra Vozes Ltda., Petrópolis, R. J., Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte: «16. Canto gregoriano é o canto sacro principal e próprio da Igreja romana. Portanto, não só pode ser usado em todos os atos litúrgicos, mas, em igualdade de condições, deve ser preferido aos outros gêneros de Música sacra».

O contexto no qual este parágrafo dedicado ao canto gregoriano se insere é o “Capítulo II: Normas gerais". Sobre o gregoriano já se havia dito algo, mas num sentido mais genérico, no parágrafo n.º 5 do “Capítulo I: Noções gerais”. As “Normas gerais” do segundo capítulo da Instrução preocupam-se em traçar a execução das acções litúrgicas “conforme os livros litúrgicos devidamente aprovados pela Sé Apostólica” [8], especificando que “a língua dos atos litúrgicos é o latim” [9] e que, portanto, “nas Missas cantadas, ùnicamente a língua latina deverá ser usada” [10], assim como nas missas rezadas, à excepção de “algumas orações ou cantos populares” [11] que podem ser feitos em vernáculo, e ainda “o Evangelho e também a Epístola sejam lidos em vernáculo por algum leitor, para proveito dos fiéis” [12]. O n.º 16 prossegue com a exposição do princípio supracitado do qual derivam as seguintes consequências:

Por conseguinte: a) A língua do canto gregoriano, como canto litúrgico, é ùnicamente o latim. b) As partes dos atos litúrgicos que, conforme as rubricas, são cantadas pelo sacerdote celebrante e por seus ministros, o devem ser ùnicamente no canto gregoriano constante das edições típicas (...). c) Onde, por  Indultos particulares, fôr permitido que nas Missas cantadas o sacerdote celebrante, o diácono ou o subdiácono ou o leitor, depois de cantados em gregoriano os textos da Epístola ou da Lição e o Evangelho, possam proclamar os mesmos textos também na língua vernácula, deve isso ser feito por meio de uma leitura em voz alta e distinta, com exclusão de qualquer melodia gregoriana, autêntica ou imitada”. [13]

[8] IMSSL 12.

[9] IMSSL 13.

[10] IMSSL 14a.

[11] IMSSL 14b.

[12] IMSSL 14c.

[13] IMSSL 16.

É claro que o contexto legislativo de IMSSL 16 diz respeito à vontade explícita de reiterar a necessária fidelidade rubrical em relação à língua latina e o seu natural e exclusivo revestimento musical litúrgico que é precisamente o canto gregoriano tal como se encontra nos vários livros litúrgicos, desde o Missal ao Gradual e assim por diante. Tanto é assim que nos números seguintes aparecem indicadas as modalidades de uma possível inclusão da “Polifonia sacra” [14] (e é aqui que aparecem as condições às quais voltaremos), da “Música Sacra moderna” [15], a exclusão do “canto popular religioso” [15], salvo disposição em contrário por Indulto [16], e a exclusão de modo total da que está definida como Música religiosa” [17]. E isto se baseia no princípio, reiterado ulteriormente também no termo do segundo capítulo, de que “[t]udo quanto, conforme os livros litúrgicos, deve ser cantado (...) pertence integralmente à Sagrada Liturgia” [18].

[14] IMSSL 17.

[15] IMSSL 18.

[16] IMSSL 19.

[17] IMSSL 20.

[18] IMSSL 21.

Se este é o contexto para inserir o ditame de IMSSL 16, é inequívoco que este número seja o inspirador da posterior indicação conciliar. Mas com uma diferença que é bom não transcurar. No caso da Instrução de 1958, de facto, a referência a outros géneros de música sacra aos quais se deve preferir o canto gregoriano está presente na mesma frase. Em SC 116, porém, o inciso “ceteris paribus” é absoluto, não associado imediatamente aos outros géneros dos quais se pretende ser condição limitante. O significado que a expressão “ceteris paribus” assume na Instrução de 1958 é, portanto, o seguinte: o canto gregoriano deve, em qualquer caso, ser preferido aos outros géneros de música sacra, mesmo quando estes correspondam a todas as características exigidas a um verdadeiro canto litúrgico. Na verdade, neste caso "ceteris paribus"  ̶ que à letra se traduz como "a par dos outros" ̶ tem mais claramente o significado de "posto em confrontação com os outros (géneros)", ou ainda "estando assim as coisas" [18b] e "em paridade de circunstâncias", e portanto a tradução mais eficaz e clara resulta ser esta:

O canto gregoriano é canto sacro [por excelência], próprio e principal da Igreja romana; portanto, em todas as acções litúrgicas não só se pode utilizar, como, em paridade de circunstâncias, é de preferir-se aos outros géneros de Música sacra”.

O inciso "ceteris paribus" é, pois, um reforçante do uso ("não só se pode utilizar") e do uso preferencial ("como é de preferir-se") do gregoriano em comparação com os outros géneros de música sacra, mesmo quando estes superam as barreiras de admissibilidade, em coerência com toda a implantação de IMSSL, que, derivando das normativas precedentes, visa reintroduzir o canto gregoriano em todos os níveis de celebração, incluindo a nível popular com a participação dos fiéis no canto do liturgia segundo os diferentes graus individuados. É neste documento, de facto, que são propostos pela primeira vez os chamados “graus de participação” [19], que encontraremos mais tarde na Instrução Musicam Sacram de 1967 [20].

[18b] N. do T.: do latim jurídico rebus sic stantibus.

[19] IMSSL 24 e 25.

[20] MS 7 e 29,30,31.

Em SC 116, porém, o termo de comparação desaparece, uma vez que os “outros géneros de música sacra” são enunciados só no parágrafo seguinte e “ceteris paribus” se encontra, portanto, semântica e logicamente isolado. Além disso, a tradução oficial italiana insere uma nuance da conotação jurídica, no momento em que as “circunstâncias” se tornam “condições”, assimilando neste modo a frase às cláusulas contratuais com as quais geralmente se estabelece a igualdade sob certas condições. Ao fazê-lo, é o uso do gregoriano que resultaria estar sujeito a condições e não, vice-versa, a utilização dos outros géneros de música sacra, como claramente aparecia no documento de 1958. As traduções alemã de “ceteris paribus” como “Voraussetzungen” (pré-requisitos) e espanhola “circunstancias” (circunstâncias) avizinham-se mais do significado original, ao passo que o inglês “things” (coisas) e o francês “choses” (coisas) permanecem mais genéricas [21]. [21b]

[21] As traduções nas principais línguas ocidentais foram retiradas do sítio oficial do Vaticano:
“L’Église reconnaît dans le chant grégorien le chant propre de la liturgie romaine; c’est donc lui qui, dans les actions liturgiques, toutes choses égales d’ailleurs, doit occuper la première place”.
“The Church acknowledges Gregorian chant as specially suited to the Roman liturgy: therefore, other things being equal, it should be given pride of place in liturgical services.”
“La Iglesia reconoce el canto gregoriano como el propio de la liturgia romana; en igualdad de circunstancias, por tanto, hay que darle el primer lugar en las acciones litúrgicas.”
“Die Kirche betrachtet den Gregorianischen Choral als den der römischen Liturgie eigenen Gesang; demgemäß soll er in ihren liturgischen Handlungen, wenn im übrigen die gleichen Voraussetzungen gegeben sind, den ersten Platz einnehmen.”

[21b] N. do T.: Tradução oficial em língua portuguesa: "A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar."

Mas será esta realmente a interpretação a ser dada ao inciso “ceteris paribus” em SC 116, ou seja, uma limitação ao uso preferencial do canto gregoriano? Não creio. Em primeiro lugar, justamente pela origem desta expressão, como demonstrado. Em segundo lugar, porque se perderia a lógica de todo o quadro de SC116.
De que “condições” se fala, então, e a que se referem elas?
De “condições” dissemos que se fala na IMSSL. E são estas as condições de admissibilidade da “Polifonia Sacra” e da “Música Sacra moderna” na liturgia:

“A Polifonia sacra pode ser usada em todas os atos litúrgicos, sob a condição de haver uma schola que a execute conforme as regras da arte. Êste gênero de Música Sacra convém mais aos atos litúrgicos cuja celebração se reveste de maior esplendor.” (IMSSL 17) 
“A Música Sacra moderna pode também ser admitida em todos os atos litúrgicos, se corresponder realmente à dignidade, à gravidade e santidade da Liturgia e houver uma schola que a possa executar conforme as regras da arte.” (IMSSL 18)

As condições, portanto, seriam ainda aquelas individuadas pela normativa eclesiástica desde Pio X: santidade, bondade de formas e universalidade, para além das possibilidades técnico-artísticas dos intérpretes. Estas determinam a possibilidade ou não de inserção no projeto litúrgico-musical de outros repertórios além do canto gregoriano, que por sua natureza satisfaz plenamente essas condições, servindo também e até - justamente por isto - de modelo. [22]

[22] MSD 21-22.

Os textos escritos como comentário ao IMSSL não entram na argumentação, limitando-se a citar ou parafrasear os ditames da Instrução. Por exemplo, Gelineau comenta assim: “nas acções litúrgicas, [o canto gregoriano] deve ser preferido – suposta a paridade de condição – aos outros géneros de música sacra” [23]. Aqui as condições tornam-se “condição”, mas é claro que não é o gregoriano a ser condicionado, mas sim os outros géneros de música sacra, segundo o pensamento da IMSSL.

[23] J. GELINEAU, Canto e musica nel culto cristiano, LCD Torino 1963, p 327. A edição original francesa é de 1959.

Os comentadores de SC e MS, porém, interpretam o inciso “ceteris paribus” de SC 116 de variados modos, segundo a ideologia inspiradora. Os mais oficiais vão no sentido de um alargamento dos critérios que SC coloca para a admissão de outros géneros de música sacra, como faz, por exemplo, Bugnini, que, logo após haver afirmado que “o gregoriano continua a ser o canto próprio do Igreja e, portanto, ceteris paribus (sic), a ser preferido por direito nativo", assim interpreta e conclui: "note-se o inciso ceteris paribus, que estabelece o equilíbrio entre os vários géneros musicais" [24], quase contornando aquele outro tanto significativo "direito nativo” que ele mesmo atribuiu ao canto gregoriano. Num sentido restritivo do canto gregoriano, por sua vez, vão os comentadores que pertencem à área Universa Laus, lendo nas “condições exigidas” antes de mais a destinação exclusivamente assemblear que deve ter o canto litúrgico, destinação, segundo eles, dificilmente aplicável ao gregoriano e, por isso mesmo, decretando a completa marginalização se não o completo ostracismo do "canto próprio" da liturgia da própria liturgia. Por outro lado, os comentaristas pertencentes à área ceciliana não entram no tema, excepto para meter à luz a ambiguidade originário do inciso, ou para condenar a interpretação unilateral, ou para depreciar a perigosidade das consequências práticas das suas interpretações unilaterais. [25]

[24] A. BUGNINI, La musica sacra, in F. ANTONELLI- R. FALSINI (cur.), Costituzione Conciliare sulla Sacra Liturgia. Introduzione, testo latino-italiano, commento, Opera della Regalità, Roma 1964, p. 323. Mais adiante, consciente de que “se todos os géneros musicais têm doravante direito de cidadania no culto, o seu uso é regulado pelo quê?”, o principal fautor da reforma litúrgica assim conclui e responde: “Na minha opinião pelos seguintes elementos: a) pelas normas positivas da Constituição ou da legislação musical, emitidas e não superadas; b) por normas positivas dadas ou a serem dadas pela autoridade eclesiástica competente, referida no art. 22; c) pelo bom gosto e pelo bom senso” (ibidem, p. 324). Nos anos sucessivos, no que diz respeito à regulamentação dada, bom gosto e bom senso raramente foram aplicados.

[25] Uma revisão em V. DONELLA, Editoriale, in "Bollettino Ceciliano", Anno 104, N. 3, Março 2009.

Não devemos ignorar, porém, que uma pequena complicação provém ainda da Instrução Musicam Sacram de 1967, a qual no nº 50 assim se exprime: “Nas ações litúrgicas em canto, celebradas em língua latina, ao canto gregoriano, como canto próprio da liturgia romana, se reserve, a paridade de condições, o posto principal”. O aditamento "celebrado em língua latina" parece querer ulteriormente restringir o âmbito do ditame conciliar às celebrações apenas em língua latina, tendo presente que em Itália a CEI tornou, de facto, impossíveis as celebrações em língua latina quando se está na presença de fiéis, contradizendo com esta limitação até o que foi disposto pelo próprio concílio [26]. Todavia, mesmo neste documento, que nas intenções originais deveria ter respondido aos quesitos e às dificuldades entretanto surgidas, e deveria ter resolvido as dúvidas práticas sobre a aplicação da reforma litúrgica e da música sacra [27], o inciso “a paridade de condições” não chega a ser adequadamente considerado nem explicado, contribuindo deste modo para deixar a questão numa espécie de limbo linguístico e canónico.

[26] Cfr CEI, Precisazioni, n° 12. Messale Romano ed. 1983: “Nas Missas celebradas com o povo usa-se a língua italiana (...). Os Ordinários do local (...) podem estabelecer que em algumas igrejas frequentadas por fiéis de diversas nacionalidades se possa usar ou a língua própria dos presentes ou a língua latina (...). Noutros casos previstos com base numa verdadeira motivação peneirada pelo Ordinário do local, deve-se em todo o caso usar a edição típica do Missale Romanum”. Note-se o uso do indicativo “usa-se” com sabor absolutizante e exclusivo, ao invés de um “use-se”, conjuntivo de género exortativo e inclusivo.

[27] Cfr MS 2 e 3.

Do quanto dissemos e demonstrámos, parece-me poder concluir que na legislação eclesiástica a expressão “ceteris paribus”, longe de ser restritiva em relação ao gregoriano, mete ainda mais em evidência as suas preeminência e exemplaridade. Trata-se de um inciso que, mutuado de um documento precedente, mudou em parte de significado mudando de contexto e, assim fazendo, ofereceu o flanco a interpretações diversas. Todavia, sob pena de negar todo o magistério anterior, a única interpretação possível resulta ser a original, presente na Instrução pacelliana. E as condições selectivas que o inciso “ceteris paribus” pressupõe serão (re)encontradas naquelas tradicionais (santidade, bondade de formas, universalidade) que deveriam ser verificadas em cada repertório ou género musical que se queira incluir na liturgia cantada. Por outro lado, tal inciso deve ler-se sòmente no constante Magistério da Igreja e não na interpretação de indivíduos singulares, musicólogos ou liturgistas que sejam. A vontade da Igreja é extremamente clara e refere-se ao gregoriano, não só como ao seu “canto próprio”, mais ainda como oração viva para uma liturgia viva e lhe exige a sua presença não como património histórico ou historicizado, nem como peça de museu para mostrar em ocasiões particulares, mas como canto que orienta para Deus todo o “fazer” da liturgia, fazendo-lhe emergir o seu “ser”.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Livro "Harpa de Sião" do Pe. João Baptista Lehmann

Apresentamos, de forma bem humilde, o livro "Harpa de Sião" datado de 1957 organizado pelo padre João Baptista Lehmann.

Esse livro foi impresso no Brasil, para música Litúrgica, anterior ao Concílio Vaticano II, para, com certeza, auxiliar na criação de um repertório litúrgico nesse país, de modo a ser um auxílio para os coros. Talvez seja por inspiração do Motu Proprio "Tra le Sollecitude" do papa São Pio X. Não sei qual foi o seu alcance nas diversas paróquias do Brasil; na minha paróquia, particularmente, quando ainda nem possuía esse título, já se usava tal livro. 

Essa edição destina-se ao canto. Exitem outras edições para acompanhamento ao órgão ou harmônio, um instrumento que foi comum em muitas de nossas igrejas (na minha paróquia havia um; na minha arquidiocese vários, muitos em abandono e com defeitos). Se alguém se interessar pelas edições para órgão ou harmônio, comente, que, na possibilidade, posso tentar digitalizar as que tenho comigo. As partituras de acompanhamento para órgão também podem ser vistas neste local.

Quem desejar acessar a Edição para o Canto do referido livro, pode fazê-lo aqui.

Na foto abaixo, temos o exemplo de uma música do livro "Harpa de Sião". É primeira partitura, uma música para o Advento. Parece-me que ainda hoje é muito conhecida por aqui no Brasil, mas, ao invés do refrão em latim, usa-se em língua portuguesa, que também é bonito: "Orvalhai, lá do alto, ó céus, e as nuvens chovam o justo".

sábado, 1 de agosto de 2015

Música Sacra Madeirense

Com grande satisfação divulgamos alguns recursos úteis ao estudo da música sacra, em concreto a música litúrgica composta na Ilha da Madeira depois do Motu proprio Tra le solleccitudine do Papa Pio X e até ao Concílio Vaticano II, música esta que se caracteriza, em traços gerais, pelo seguinte:
  • fidelidade ao texto litúrgico latino (próprio e ordinário na forma extraordinária do Rito Romano)
  • melodias simples (composição silábica ou semi-silábica) inspiradas no canto-chão
  • para vozes graves (tenor, baixo)
  • acompanhada a órgão de tubos
Segue-se o artigo de Paulo Esteireiro, intitulado

Consequências do motu proprio "Tra le soIleccitudini" (1903) na música sacra madeirense do século XX


e publicado em Diocese do Funchal - A Primeira Diocese Global - História, Cultura e Espiritualidades, vol. II. Funchal: Diocese do Funchal, pp. 355-367, obra dirigida por J. Franco e J. Costa:














Catálogos em linha


Muitas destas composições já estão digitalizadas e podem ser descarregadas através do catálogo da biblioteca da Direcção de Serviços de Educação Artística e Multimédia da Madeira. No caso de uma determinada obra do catálogo não ter essa opção, é possível pedir a alguém dos Serviços para que digitalizem.

Outra opção é ir ao portal de recursos (recursosonline.org), onde se pode pesquisar na biblioteca digital (precisa de registro prévio, gratuito) e escolher no motor de busca a opção "partituras históricas", e então pesquisar pela palavra "órgão", "Missa", "Te Deum" etc. e aparecerão diversas composições sacras madeirenses.

Uma destas pérolas é a Missa a 2 vozes, para côro masculino e órgão de tubos, por Anselmo Serrão, datada de 1 de Junho de 1928 no Estreito da Câmara de Lôbos. Dessa composição aqui fica o Kyrie eleison como amostra:




Divulga-se tão-bem a edição do Padre Rufino da Silva, em dois volumes, com estas quase 800 composições de vários autores desde o final do século XIX até do século XX.

Um Século de Música Sacra na Madeira





Para encomendar, seguide as instruções na página 2 do catálogo da D.R.A.C. da Madeira, pedindo a seguinte referência:
  • ID 567:
    SILVA, João Arnaldo Rufino da
    Um Século de Música Sacra na Madeira (vols. I e II)
    Funchal, DRAC, 2008, 433pp. (vol. I), 473pp. (vol. II),
    ISBN: 978-972-648-167-6
    40,50€
Aproveitemos a reforma anterior ao Concílio!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Padre Paulo Ricardo pede um movimento para renovar a música litúrgica

Episódio 109 da série "ao vivo com o Padre Paulo Ricardo":




E como neste blog nada mais se pretende do que divulgar a boa música católica, escutai a versão portuguesa do Agnus Dei XVIII (MP3), o qual é cantado nas missas feriais do Advento, da Quaresma, e de defuntos, e cuja partitura adiante se apresenta (PDF):

Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, apieda-Te de nós.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-nos a paz.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-lhes o descanso.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-lhes o descanso sempiterno.

domingo, 19 de agosto de 2012

61ª Semana de Estudos Gregorianos



Recomendamos vivamente a todos os interessados em música sacra litúrgica a frequência deste curso completo e leccionado por experientes docentes. Uma óptima desculpa para desfrutar da bela cidade de Viseu. Mais informações no site do Centro Ward - Júlia d'Almendra:

quinta-feira, 3 de março de 2011

O Canto Gregoriano no Magistério da Igreja

Temos vindo a propor a leitura dos documentos que constituem o Magistério da Igreja sobre a Música Litúrgica — começámos como o motu proprio de S. Pio X Tra le sollecitudini, prosseguimos com a encíclica Musicæ Sacræ Disciplina do Venerável Pio XII e, mais recentemente, apontámos para o Quirógrafo do Papa João Paulo II no centenário de Tra le sollecitudini.

Pretendemos continuar a fazê-lo, mas pareceu-nos oportuno e conveniente elaborar uma súmula — necessariamente subjectiva e defectiva — que desse uma visão diacrónica da predilecção da Igreja pelo Canto Gregoriano e de como foi e continua a ser o «canto próprio da liturgia romana », o qual deve ter «por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar».

Ei-la:


O Canto Gregoriano no Magistério da Igreja

Bento XVI
Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini (Setembro, 2010):

Canto litúrgico biblicamente inspirado
70. No âmbito da valorização da Palavra de Deus durante a celebração litúrgica, tenha-se presente também o canto nos momentos previstos pelo próprio rito, favorecendo o canto de clara inspiração bíblica capaz de exprimir a beleza da Palavra divina por meio de um harmonioso acordo entre as palavras e a música. Neste sentido, é bom valorizar aqueles cânticos que a tradição da Igreja nos legou e que respeitam este critério; penso particularmente na importância do canto gregoriano.

Exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis (Fevereiro, 2007):

O canto litúrgico
42. Na arte da celebração, ocupa lugar de destaque o canto litúrgico. (…) Verdadeiramente, em liturgia, não podemos dizer que tanto vale um cântico como outro; a propósito, é necessário evitar a improvisação genérica ou a introdução de géneros musicais que não respeitem o sentido da liturgia. Enquanto elemento litúrgico, o canto deve integrar-se na forma própria da celebração; consequentemente, tudo — no texto, na melodia, na execução — deve corresponder ao sentido do mistério celebrado, às várias partes do rito e aos diferentes tempos litúrgicos. Enfim, (…) desejo — como foi pedido pelos padres sinodais — que se valorize adequadamente o canto gregoriano, como canto próprio da liturgia romana.

A língua latina
62. (…) [P]enso, neste momento, em particular, nas celebrações que têm lugar durante encontros internacionais, cada vez mais frequentes hoje, e que devem justamente ser valorizadas. A fim de exprimir melhor a unidade e a universalidade da Igreja, quero recomendar o que foi sugerido pelo Sínodo dos Bispos, em sintonia com as directrizes do Concílio Vaticano II: (…) sejam igualmente recitadas em latim as orações mais conhecidas da tradição da Igreja e, eventualmente, entoadas algumas partes em canto gregoriano. A nível geral, peço que os futuros sacerdotes sejam preparados, desde o tempo do seminário, para compreender e celebrar a Santa Missa em latim, bem como para usar textos latinos e entoar o canto gregoriano; nem se transcure a possibilidade de formar os próprios fiéis para saberem, em latim, as orações mais comuns e cantarem, em gregoriano, determinadas partes da liturgia.


João Paulo II
Quirógrafo no centenário do motu proprio «Tra le Sollecitudini» sobre a Música Sacra (Novembro, 2003):

7. Entre as expressões musicais que mais correspondem à qualidade requerida pela noção de música sacra, particularmente a litúrgica, o canto gregoriano ocupa um lugar particular. O Concílio Vaticano II reconhece-o como "canto próprio da liturgia romana" à qual é preciso reservar, na igualdade das condições, o primeiro lugar nas acções litúrgicas celebradas com canto em língua latina. São Pio X ressaltava que a Igreja "o herdou dos antigos Padres", "guardando-o ciosamente durante os séculos nos seus códigos litúrgicos" e ainda hoje o "propõe aos fiéis" como seu, considerando-o "como supremo modelo de música sacra". O canto gregoriano, portanto, continua a ser também hoje, um  elemento  de  unidade  na  liturgia romana. (…)


Sacra Congregação para os Ritos
Instrução Musicam Sacram (Março, 1967)

50. Nas acções litúrgicas com canto que se celebram em latim:
a) O canto gregoriano, como próprio da Liturgia romana, em igualdade de circunstâncias ocupará o primeiro lugar. Empreguem-se oportunamente para isso as melodias que se encontram nas edições típicas. (…)

52. Para conservar o tesouro da Música Sacra e promover devidamente novas criações, "dê-se grande importância nos Seminários, Noviciados e casas de estudo de religiosos de ambos os sexos, bem como noutros institutos e escolas católicas, à formação e prática musical", mas, sobretudo, nos Institutos Superiores especialmente destinados a isto. Deve promover-se antes de mais o estudo e a prática do canto gregoriano, já que, pelas suas qualidades próprias, continua a ser uma base de grande valor para o cultivo da Música
Sagrada.


Concílio Vaticano II
Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia (Dezembro, 1963)

112. A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene. (…)

116. A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar.


Pio XII
Carta Encíclica Musicæ Sacræ Disciplina sobre a Música Sacra (Dezembro, 1955)

Santidade, carácter artístico e universalidade da música litúrgica
20. Deve ser "santa"; não admita ela em si o que soa de profano, nem permita se insinue nas melodias com que é apresentada. A essa santidade se presta sobretudo o canto gregoriano, que desde tantos séculos se usa na Igreja, a ponto de se poder dizê-lo património seu. Pela íntima adesão das melodias às palavras do texto sagrado, esse canto não só quadra a este plenamente, mas parece quase interpretar-lhe a força e a eficácia (…). Conservar cuidadosamente esse precioso tesouro do canto gregoriano e fazer o povo amplamente participante dele, compete a todos aqueles a quem Jesus Cristo confiou a guarda e a dispensação das riquezas da Igreja. Por isso, aquilo que os nossos predecessores São Pio X (…) e Pio XI sabiamente ordenaram e inculcaram, também nós queremos e prescrevemos que se faça, prestando-se atenção às características que são próprias do genuíno canto gregoriano; isto é, que na celebração dos ritos litúrgicos se faça largo uso desse canto, e se providencie com todo cuidado para que ele seja executado com exactidão, dignidade e piedade. (...)

21. Se em tudo essas normas forem realmente observadas, vir-se-á outrossim a satisfazer pelo modo devido uma outra propriedade da música sacra, isto é, que ela seja "verdadeira arte"; e, se em todas as Igrejas católicas do mundo ressoar incorrupto e íntegro o canto gregoriano, também ele, como a liturgia romana, terá a nota de "universalidade", de modo que os féis em qualquer parte do mundo ouçam essas harmonias como familiares e como coisa de casa, experimentando assim, com espiritual conforto, a admirável unidade da Igreja. É esse um dos motivos principais por que a Igreja mostra tão vivo desejo de que o canto gregoriano esteja intimamente ligado às palavras latinas da sagrada liturgia.

22. (…) [C]uidem atentamente os ordinários e os outros sagrados pastores, que desde a infância os fiéis aprendam ao menos as melodias gregorianas mais fáceis e mais em uso, e saibam valer-se delas nos sagrados ritos litúrgicos (…).


Carta Encíclica Mediator Dei sobre a Sagrada Liturgia (Novembro, 1947)

176. (…) O canto gregoriano que a Igreja romana considera coisa sua, porque recebido da antiga tradição e guardado no correr dos séculos sob a sua cuidadosa tutela e que propõe aos fiéis como coisa também deles, prescrito como é de modo absoluto em algumas partes da liturgia, não só acrescenta decoro e solenidade à celebração dos divinos mistérios, antes contribui extremamente até para aumentar a fé e a piedade dos assistentes. (…)



Pio X
Motu Proprio Tra le Sollecitudini sobre a Música Sacra (Novembro, 1903)

3. Estas qualidades [santidade, delicadeza das formas, universalidade] encontram-se em sumo grau no canto gregoriano, que é, por consequência, o canto próprio da Igreja Romana, o único que ela herdou dos antigos Padres, que conservou cuidadosamente no decurso dos séculos em seus códigos litúrgicos e que, como seu, propõe directamente aos fiéis (...).
Por tais motivos, o canto gregoriano foi sempre considerado como o modelo supremo da música sacra (…).
O canto gregoriano deverá, pois, restabelecer-se amplamente nas funções do culto sendo certo que uma função eclesiástica nada perde da sua solenidade, mesmo quando não é acompanhada senão da música gregoriana.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Canto Gregoriano: uma apologia

Via The Chant Café, e depois na Schola Saint Maur, encontrámos palavras proferidas por Monsignor Valentino Miserachs Grau, presidente do Pontifício Instituto de Música Sacra numa conferência realizada na Cidade do Vaticano em Dezembro de 2005: uma enérgica defesa do Canto Gregoriano em si mesmo, como elemento essencial das liturgia e tradição católicas, como elemento negligenciado da reforma conciliar, como património cultural e religioso dos católicos de rito latino, como meio de incrementar uma actuosa participatio, propriamente entendida, por parte da assembleia:
Que uma assembleia de fiéis possa participar na liturgia ― e muito particularmente na missa ― cantando as peças gregorianas feitas para ela, não é só desejável: é mesmo o ideal.

Não se trata de ser esta a minha opinião que aqui exponho, mas a da Igreja. Para que nos convençamos disto, basta recapitularmos o Motu proprio "Inter Sollicitudines" [Tra le sollecitudini] de S. Pio X, basta lermos Pio XII ("Musicae Sacrae Disciplina"), basta relermos o capítulo VI da Constituição sobre a Liturgia do Vaticano II e a Instrução dada pela Congregação dos Ritos em 1967; basta relermos ainda o quirógrafo dado por João Paulo II por  ocasião do 100º aniversário de "Inter Sollicitudines" escrito em 1903. Um outro exemplo foi-nos dado por um artigo contendo as conclusões do Sínodo sobre a Eucaristia que decorreu em Outubro de 2005: 
"No curso dos seus estudos, os futuros padres deverão treinar-se a perceber e a celebrar a missa em latim. (...) Deverão aprender o valor do canto gregoriano e deverão conduzir os fiéis por esta via." 
É fácil compreender as razões de tais directrizes. De facto, a "colocação no Index" [lit. proscrição, proibição; fig. desconsideração] do latim e do gregoriano, durante os últimos 40 anos, é incompreensível, principalmente nas regiões de cultura latina. Não somente incompreensível: é também deplorável.
O latim e o canto gregoriano, que estão estreitamente ligados às fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas, são uma parte da lex orandi que foi elaborada ao longo dos vinte séculos passados. Como pôde suceder que aceitássemos com tamanha desenvoltura a amputação de tão grandes riquezas? Como é que pudemos admitir decepar-nos e que assim nos separássemos das nossas raízes?
A supressão de uma tal tradição de oração, que se manteve no decurso de dois milénios, constituiu um clima favorável à proliferação de novidades musicais que, na maioria dos casos, não possuem qualquer raíz na tradição da Igreja e a empobreceram consideravelmente, causando-lhe danos de difícil reparação malogradas as boas vontades das quais surgiram.
Uma restauração do canto gregoriano cantado pelas assembleias não deve somente ser planeada: ela deve ter lugar e deve ser feita com o concurso [colaboração] das scholae e dos celebrantes. É pagando este preço que recuperaremos uma maior seriedade litúrgica, uma forma de canto sagrado cuja universalidade deve ser a característica de toda a música litúrgica digna deste nome, como nos repetiram e ensinaram tão bem S. Pio X e João Paulo II.
Como é que um amontoado de melodias insípidas semelhantes ao que a música popular actual faz de mais estúpido poderia substituir o canto gregoriano, cujas nobreza e solidez ― mesmo das peças mais simples ― são capazes de elevar o coração dos fiéis? Temos subestimado as capacidades de memorização do povo cristão: forçámo-lo, pelo contrário, a esquecer as melodias gregorianas que ele sabia, ao invés de permitir que ele aprofundasse os seus conhecimentos; e isto, apesar das instruções e dos textos magisteriais. Empanturrámos o povo com banalidades musicais. 
Ao cortarmos deste modo o cordão umbilical da Tradição, privámos ainda os compositores do que os teria ajudado a elaborar um canto litúrgico em línguas vivas; partindo do princípio erróneo segundo o qual a técnica seria auto-suficiente, privámo-los deste humus indispensável do qual só pode florescer um canto litúrgico em harmonia com o espírito da Igreja. 
Insisto que subestimámos as capacidades do povo para aprender. É evidente que nem todo o repertório está feito para ser cantado pelo povo; e haveria uma diferença entre o facto de almejar a participação activa das assembleias e o facto de reduzir a participação dos fiéis só à escuta do que se fizesse no coro. É necessário portanto respeitar a ordem das coisas: o povo deve poder cantar a sua parte, da mesma maneira que a schola, o cantor, o psalmista e, claro está, o celebrante ― que muitas vezes prefere não cantar ―, devem poder cantar cada um o que lhes pertence. Como sublinhou João Paulo II no seu quirógrafo: "É da boa coordenação de todos ― celebrante, diácono, acólitos, ministros, leitores, salmista, schola cantorum ― que brotará a verdadeira atmosfera espiritual que fará da liturgia um momento intenso e frutuoso."
Queremos nós que o canto gregoriano reviva nas nossas assembleias? Então é preciso começar pelas aclamações, o Pater noster, as peças do Ordinário ― Kyrie, Gloria, Sanctus Agnus Dei. Em muitos locais, as gentes conhecem o Credo III e a missa "dos Anjos" [de Angelis]. Mas não só! Os fiéis sabem também o Pange lingua, a Salve Regina... e muitos outras antífonas tão-bem. A experiência mostra que se os fiéis forem convidados, serão também capazes de cantar as missas breves assim como outras melodias gregorianas fáceis que conheçam de ouvido, mesmo se fôr a primeira vez que as cantam. Há um repertório mínimo que deve estar sabido: é o do Iubilate Deo oferecido por Paulo VI, ou aquele do Liber cantualis. Se os fiéis crescerem no hábito de cantar o repertório gregoriano para si mesmos desenvolvido, adquirirão boas bases para aprender novos cânticos compostos nas línguas correntes, sendo que estes cantos ― entenda-se ― cohabitem com o gregoriano e lhe cedam sempre o primeiro lugar na liturgia. 
Devemos perseverar no esforço educacional: esta é a primeira condição a respeitar se queremos fazer redescobrir o canto gregoriano e fazer com que os fiéis possam apropriar-se dele. É algo que muitos padres esquecem, na medida em que são os padres a optar pelas soluções que requerem o menor esforço. Quem poderia preferir, em lugar duma música espiritual e nutritiva, estas árias acompanhadas de guitarradas que nos fazem esquecer, como quis frisar o Papa Pio X ao clero de Veneza, que nós não devemos julgar as qualidades do sagrado pelos critérios do que a cada um agrada. 
É necessário fazer um trabalho de formação. Como poderíamos nós formar os fiéis se nós mesmos não formos correctamente ensinados? O congresso da "Consociatio Internationalis Musicae Sacrae" (C.I.M.S.), que teve lugar no Instituto Pontifício de Música Sacra, esclareceu as bases para a formação do clero quanto ao canto sacro. Mas eis que cursos inteiros de seminaristas, quer religiosos, quer religiosas, não tiveram uma real formação na área do canto sagrado da Igreja. São Pio X, e todos os responsáveis da Igreja depois dele, compreenderam contudo que nunca se daria uma tal restauração e aprofundamento sem a correcta formação prévia. 
Um dos resultados do Motu proprio de 1903 ― que se conserva de maneira renovada ainda nos nossos dias ― é a criação do Instituto Pontifício de Música Sacra de Roma, que acaba de festejar o seu centésimo aniversário. Quantos mestres do canto gregoriano, da polifonia, quantos organistas e chantres, actualmente disseminados no mundo, não terão passado por este instituto? E não esqueçamos as outras grandes escolas de canto sacro, os institutos diocesanos, e os numerosos cursos dados nos seminários! Mas será que temos ensinado, realmente ensinado o canto gregoriano nestas casas? Se sim, como é que ele é ensinado? O esquecimento do gregoriano não advirá do facto de nós o fazemos passar por totalmente desactualizado, se não mesmo definitivamente arrumado a um canto? 
Que erro tão grosseiro! Iria mesmo até ao ponto de afirmar que, sem o canto gregoriano, a Igreja está como que mutilada, ou ainda que seria inconcebível haver música de Igreja se o canto gregoriano não existisse.
Os grandes mestres da polifonia são, na verdade, aqueles que basearam as suas composições no canto gregoriano, retomando os seus temas musicais, os modos, as variações rítmicas. Foi do espírito do gregoriano e do respeito pelo texto sagrado litúrgico que beberam Palestrina, Lassus, Victoria, Guerrero, Morales e tantos outros prestigiados compositores. 
A renovação desejada por "Inter Sollicitudines" não poderá realizar-se sem que nos inspiremos no canto gregoriano. Nos nossos dias, Perosi, Refice e Bartolucci fizeram do canto gregoriano a fonte das suas melhores composições: não unicamente das composições complexas, mas também das suas composições de novos cantos, em latim ou em línguas vernáculas, destinados à liturgia ou aos ofícios de devoção. O canto sacro popular é da melhor índole na medida em que se inspirar directamente no canto gregoriano. Como o reafirmou João Paulo II, fazendo suas as palavras de S. Pio X: "Uma composição destinada à Igreja é tanto mais sacra e litúrgica no seu desenvolvimento, na sua inspiração e no seu sabor, quanto mais ela se inspirar na melodia gregoriana e se aproximar deste modelo supremo." Mas como será possível propôr ao mundo um repertório litúrgico de qualidade, incluindo o uso das línguas vulgares, se os compositores se recusam a estudar o canto gregoriano? 
De facto, a melhor escola para compreender e penetrar os segredos dum repertório é a práctica regular desse repertório: é a experiência que nós, nós que somos o ponto de união da geração de ontem com a geração de amanhã, teremos ainda a oportunidade de poder viver. Infelizmente, depois de nós, encerrar-se-á a questão... Assim sendo, porquê esta resistência face à vontade de restaurar na totalidade ou em parte ― segundo as circunstâncias ― a missa celebrada sob a sua forma latina e gregoriana? Serão as novas gerações mais ignorantes que aquelas que as precederam? 
O novo missal romano propõe os textos latinos ao lado das traduções para as línguas vulgares. A Igreja pretende que este missal seja posto em práctica. Por que havemos de ter medo duma conversão neste sentido?
O canto gregoriano não vai tornar-se música de conservatórios, concertos ou discotecas: ele não será mumificado para exibição nos museus. Ele deve permanecer vivo, voltar a reviver no seio das nossas assembleias; é através da sua escuta e da sua execução durante as liturgias que ele poderá alimentar os fiéis a ponto de estes se sentirem ainda mais pertencentes ao povo de Deus. 
É o tempo propício para sairmos do nosso torpor: os exemplos luminosos devem vir das catedrais, das grandes igrejas, dos mosteiros e dos conventos, dos seminários e das casas de formação religiosa... Assim, as paróquias mais pequenas serão "contaminadas", por sua vez, pela suprema beleza do canto da Igreja. Assim, o poder de persuasão do canto gregoriano irradiará ao ponto de confortar o povo no seu autêntico sentido da fé católica. E o espírito do canto gregoriano inspirará as novas composições, sempre guiando os esforços feitos em vista da inculturação através de um verdadeiro sensus Ecclesiae
Gostaria ainda de sublinhar o facto de que numerosos cantos oriundos das tradições locais muitas vezes afastadas das nossas culturas europeias têm frequentemente laços com o gregoriano; é o que põe em demais evidência o carácter universal do canto gregoriano, o qual está apto a respeitar a pluralidade ao mesmo tempo que garante a unidade. É o que explica também porque é que as culturas dentre as mais longínquas são hoje aquelas onde se encontram fiéis capazes de nos ensinar o amor ao canto tradicional da Igreja. Estas jovens Igrejas da África ou da Ásia testemunham-nos o seu reconhecimento e lembram-nos o valor deste canto que foi a base da expressão da sua fé cristã.
Dois outros factores aos quais recorreria ainda em favor da manutenção do canto gregoriano e da composição de uma música sacra de qualidade: 
1. A formação musical dos padres, dos religiosos e dos fiéis requer seriedade, o mesmo é dizer a supressão de todo o amadorismo que nós encontramos em certas pessoas de boa vontade. Quem se empenhou correctamente para assegurar esta séria formação deve ser reconhecido como tal, e se possível, remunerado. Não é normal que se possa dispensar somas importantes para decorações fúteis na Igreja... e nada para o canto. Como é que poderemos, nestas condições, encorajar os jovens a entrar ao serviço da música da Igreja? Como poderemos ser credíveis se os desencaminharmos e os atormentarmos com as nossas fantasias e a nossa falta de seriedade? 
2. As nossas acções devem ser desempenhadas de modo harmonioso. João Paulo II recordou-o bem: 
"O aspecto musical das acções litúrgicas não podem ser tributárias de improvisações ou de escolhas individuais; deve antes apoiar-se nas decisões bem coordenadas e respeituosas das normas e adoptadas pelas autoridades competentes e com sólida formação litúrgica."
Poder respeitar as normas continua a ser o nosso anseio. Também esperamos que sejam dadas directivas com autoridade: as iniciativas e as práticas locais não podem fazer-se sem que sejam coordenadas pela Igreja de Roma, ou sem que sejam autentificadas pela Sé Apostólica.
É hora de agir: não esperemos mais.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Tra le sollecitudini (1903), S. Pio X, papa

Para apresentar o motu proprio Tra le sollecitudini do papa S. Pio X recorremos às palavras com que Jordi-Agustí Piqué i Collado, em Teologia i música: propostes per a un diàleg, (do qual existe uma versão em castelhano) comenta uma passagem do texto em apreço (tradução minha do catalão(1)):
Neste fragmento (2) estão concentradas as ideias principais que caracterizam a música como litúrgica, quer dizer, como elemento activo e essencial ― em sentido profundo ― da acção litúrgica: revestir e tornar mais eficaz a palavra dos textos litúrgicos; excitar a devoção dos fiéis e prepará-los para receber os frutos da graça que emanam dos sagrados mistérios celebrados.
Da relação da música com a palavra e com os textos litúrgicos, podemos entender que a música, em certo sentido, se constitui como a primeira hermeneuta da palavra celebrada e nos faz compreender a Palavra, conduz-nos à contemplação e à admiração do Mistério celebrado na liturgia. Basta prestar atenção a algumas melodias gregorianas para observar como é íntima a relação entre a melodia e o texto e a forma tão sapiencial através da qual a música lhe realça o sentido. A himnodia gregoriana, com a escolha dos modos e a alternância coral, realça, expressa e cria o ambiente de reflexão, meditação (ruminatio) dos textos que a Igreja coloca na boca dos fiéis para a santificação das horas.
A excitação da devoção dos fiéis mostra uma concepção da música como criadora de emoção que move o "afecto". Este é um tema muito apreciado por filósofos e pelos Padres da Igreja. A tendência à devoção mostra a sapiente maneira através da qual a Igreja sempre utilizou a música para chegar ao coração, ao interior, ao lugar onde a simples pregação com palavras não pode chegar; o sábio modo através do qual a Igreja fez da arte um dos elementos principais da sua catequese.
A preparação para receber a graça da vida litúrgica celebrada parece-nos o elemento mais inovador do texto de Pio X, a par da famosa referência à participação activa. Facilmente se pode entender que a participação no canto por parte da assembleia é uma das aplicações directas desta intuição. Ainda assim, parece-nos muito mais profunda a intuição de Pio X se lida em conexão com a questão da moção interna à devoção. Esta preparação-participação activa não se reduz à materialidade do canto, quer dizer, não só através da acção de cantar activamente se participa, mas também através da acção da escuta: escuta da palavra, escuta da música, que se complementam intimamente se a música é verdadeiramente litúrgica. Ambas se comentam, se identificam e penetram entre si e no mais íntimo do crente, que vai entrando, em atitude de escuta e de abertura à graça santificante, abrindo-se, portanto, à vivência do encontro com Cristo. É uma dinâmica semelhante àquela que se realiza nos sacramentos. A música tem, assim, uma função plena de significado, já que, por meio da experiência estética, se abre ao mundo da beleza do Mistério de Deus e abre, eficazmente, o coração à escuta da Palavra, ao encontro com Cristo e à realização da obra de salvação operada na liturgia. No fundo estamos a falar de uma dimensão "quase" sacramental.
Estes parecem-nos elementos chave na concepção do MP [motu proprio Tra le sollecitudini] e são fundamentais para a sua recta interpretação. Tudo o resto deriva deles, justamente interpretados: a bondade das formas musicais, a alternância gregoriano-polifonia, a santidade da música, a música moderna, o órgão, a função ministerial dos cantores, tudo há-de ser lido de acordo com esta atenção à palavra celebrada, à adoração daquilo que se celebra e à abertura às fontes da graça que o homem e a mulher chamados à comunhão com Deus recebem na vida sacramental e litúrgica. Neste sentido, as limitações próprias do seu tempo no texto do MP ― leia-se, a discriminação da mulher, a proibição de certos instrumentos, a adopção de determinadas formas e arquétipos ― adquirem uma importância menor, a ponto de deixar de ser consistentes.
A situação actual da música na liturgia, e aqui podemos especificar na liturgia católica, está longe de responder às intuições do Papa Pio X. Talvez uma releitura do seu pensamento, de acordo com a riqueza da SC [constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia], nos oferecesse elementos para um novo trabalho de compreensão da função da música na liturgia.

MOTU PROPRIO
TRA LE SOLLECITUDINI
DO SUMO PONTÍFICE
PIO X
SOBRE A MÚSICA SACRA

INTRODUÇÃO

Entre os cuidados do ofício pastoral, não somente desta Suprema Cátedra, que por imperscrutável disposição da Providência, ainda que indigno, ocupamos, mas também de todas as Igrejas particulares, é, sem dúvida, um dos principais o de manter e promover o decoro da Casa de Deus, onde se celebram os augustos mistérios da religião e o povo cristão se reúne, para receber a graça dos Sacramentos, assistir ao Santo Sacrifício do altar, adorar o augustíssimo Sacramento do Corpo do Senhor e unir-se à oração comum da Igreja na celebração pública e solene dos ofícios litúrgicos.

Nada, pois, deve suceder no templo que perturbe ou, sequer, diminua a piedade e a devoção dos fiéis, nada que dê justificado motivo de desgosto ou de escândalo, nada, sobretudo, que directamente ofenda o decoro e a santidade das sacras funções e seja por isso indigno da Casa de Oração e da majestade de Deus.

Não nos ocupamos de cada um dos abusos que nesta matéria podem ocorrer. A nossa atenção dirige-se hoje para um dos mais comuns, dos mais difíceis de desarraigar e que às vezes se deve deplorar em lugares onde tudo o mais é digno de máximo encómio para beleza e sumptuosidade do templo, esplendor e perfeita ordem das cerimónias, frequência do clero, gravidade e piedade dos ministros do altar. Tal é o abuso em matéria de canto e Música Sacra. E de facto, quer pela natureza desta arte de si flutuante e variável, quer pela sucessiva alteração do gosto e dos hábitos no correr dos tempos, quer pelo funesto influxo que sobre a arte sacra exerce a arte profana e teatral, quer pelo prazer que a música directamente produz e que nem sempre é fácil conter nos justos limites, quer, finalmente, pelos muitos preconceitos, que em tal assunto facilmente se insinuam e depois tenazmente se mantêm, ainda entre pessoas autorizadas e piedosas, há uma tendência contínua para desviar da recta norma, estabelecida em vista do fim para que a arte se admitiu ao serviço do culto, e expressa nos cânones eclesiásticos, nas ordenações dos Concílios gerais e provinciais, nas prescrições várias vezes emanadas das Sagradas Congregações Romanas e dos Sumos Pontífices Nossos Predecessores.

Com verdadeira satisfação da alma nos apraz recordar o muito bem que nesta parte se tem feito nos últimos decénios, também nesta nossa augusta cidade de Roma e em muitas Igrejas da Nossa pátria, mas em modo muito particular em algumas nações, onde homens egrégios e zelosos do culto de Deus, com aprovação desta Santa Sé e dos Bispos, se uniram em florescentes sociedades e reconduziram ao seu lugar de honra a Música Sacra em quase todas as suas Igrejas e Capelas. Este progresso está todavia ainda muito longe de ser comum a todos; e se consultarmos a nossa experiência pessoal e tivermos em conta as reiteradas queixas, que de todas as partes Nos chegaram neste pouco tempo decorrido, desde que aprouve ao Senhor elevar a Nossa humilde Pessoa à suprema culminância do Pontificado Romano, sem protrairmos por mais tempo, cremos que é nosso primeiro dever levantar a voz para reprovação e condenação de tudo o que nas funções do culto e nos ofícios eclesiásticos se reconhece desconforme com a recta norma indicada.

Sendo de facto nosso vivíssimo desejo que o espírito cristão refloresça em tudo e se mantenha em todos os fiéis, é necessário prover antes de mais nada à santidade e dignidade do templo, onde os fiéis se reúnem precisamente para haurirem esse espírito da sua primária e indispensável fonte: a participação activa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja. E debalde se espera que para isso desça sobre nós copiosa a bênção do Céu, quando o nosso obséquio ao Altíssimo, em vez de ascender em odor de suavidade, vai pelo contrário repor nas mãos do Senhor os flagelos, com que uma vez o Divino Redentor expulsou do templo os indignos profanadores. Portanto, para que ninguém doravante possa alegar a desculpa de não conhecer claramente o seu dever, e para que desapareça qualquer equívoco na interpretação de certas determinações anteriores, julgamos oportuno indicar com brevidade os princípios que regem a Música Sacra nas funções do culto e recolher num quadro geral as principais prescrições da Igreja contra os abusos mais comuns em tal matéria.

E por isso, de própria iniciativa e ciência certa, publicamos a Nossa presente instrução; será ela como que um código jurídico de Música Sacra; e, em virtude da plenitude de Nossa Autoridade Apostólica, queremos que se lhe dê força de lei, impondo a todos, por este Nosso quirógrafo, a sua mais escrupulosa observância.


I. Princípios gerais
1. A música sacra, como parte integrante da Liturgia solene, participa do seu fim geral, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis. A música concorre para aumentar o decoro e esplendor das sagradas cerimónias; e, assim como o seu ofício principal é revestir de adequadas melodias o texto litúrgico proposto à consideração dos fiéis, assim o seu fim próprio é acrescentar mais eficácia ao mesmo texto, a fim de que por tal meio se excitem mais facilmente os fiéis à piedade e se preparem melhor para receber os frutos da graça, próprios da celebração dos sagrados mistérios.

2. Por isso a música sacra deve possuir, em grau eminente, as qualidades próprias da liturgia, e nomeadamente a santidade e a delicadeza das formas, donde resulta espontaneamente outra característica, a universalidade.
Deve ser santa, e por isso excluir todo o profano não só em si mesma, mas também no modo como é desempenhada pelos executantes.
Deve ser arte verdadeira, não sendo possível que, doutra forma, exerça no ânimo dos ouvintes aquela eficácia que a Igreja se propõe obter ao admitir na sua liturgia a arte dos sons. Mas seja, ao mesmo tempo, universal no sentido de que, embora seja permitido a cada nação admitir nas composições religiosas aquelas formas particulares, que em certo modo constituem o carácter específico da sua música própria, estas devem ser de tal maneira subordinadas aos caracteres gerais da música sacra que ninguém doutra nação, ao ouvi-las, sinta uma impressão desagradável.

II. Géneros de Música Sacra
3. Estas qualidades se encontram em grau sumo no canto gregoriano, que é por consequência o canto próprio da Igreja Romana, o único que ela herdou dos antigos Padres, que conservou cuidadosamente no decurso dos séculos em seus códigos litúrgicos e que, como seu, propõe directamente aos fiéis, o qual estudos recentíssimos restituíram à sua integridade e pureza.
Por tais motivos, o canto gregoriano foi sempre considerado como o modelo supremo da música sacra, podendo com razão estabelecer-se a seguinte lei geral: uma composição religiosa será tanto mais sacra e litúrgica quanto mais se aproxima no andamento, inspiração e sabor da melodia gregoriana, e será tanto menos digna do templo quanto mais se afastar daquele modelo supremo.
O canto gregoriano deverá, pois, restabelecer-se amplamente nas funções do culto, sendo certo que uma função eclesiástica nada perde da sua solenidade, mesmo quando não é acompanhada senão da música gregoriana.
Procure-se nomeadamente restabelecer o canto gregoriano no uso do povo, para que os fiéis tomem de novo parte mais activa nos ofícios litúrgicos, como se fazia antigamente.

4. As sobreditas qualidades verificam-se também na polifonia clássica, especialmente na da Escola Romana, que no século XVI atingiu a sua maior perfeição com as obras de Pedro Luís de Palestrina [Giovanni Pierluigi da Palestrina], e que continuou depois a produzir composições de excelente qualidade musical e litúrgica. A polifonia clássica, aproximando-se do modelo de toda a música sacra, que é o canto gregoriano, mereceu por esse motivo ser admitida, juntamente com o canto gregoriano, nas funções mais solenes da Igreja, quais são as da Capela Pontifícia. Por isso também essa deverá restabelecer-se nas funções eclesiásticas, principalmente nas mais insignes basílicas, nas igrejas catedrais, nas dos Seminários e outros institutos eclesiásticos, onde não costumam faltar os meios necessários.

5. A Igreja tem reconhecido e favorecido sempre o progresso das artes, admitindo ao serviço do culto o que o génio encontrou de bom e belo através dos séculos, salvas sempre as leis litúrgicas. Por isso é que a música mais moderna é também admitida na Igreja, visto que apresenta composições de tal qualidade, seriedade e gravidade que não são de forma alguma indigna das funções litúrgicas.
Todavia, como a música moderna foi inventada principalmente para uso profano, deverá vigiar-se com maior cuidado por que as composições musicais de estilo moderno, que se admitem na Igreja, não tenham coisa alguma de profana, não tenham reminiscências de motivos teatrais, e não sejam compostas, mesmo nas suas formas externas, sobre o andamento das composições profanas.
6. Entre os vários géneros de música moderna, o que parece menos próprio para acompanhar as funções do culto é o que tem ressaibos de estilo teatral, que durante o século XVI esteve tanto em voga, sobretudo na Itália. Este, por sua natureza, apresenta a máxima oposição ao canto gregoriano e à clássica polifonia, por isso mesmo às leis mais importantes de toda a boa música sacra. Além disso, a íntima estrutura, o ritmo e o chamado convencionalismo de tal estilo não se adaptam bem às exigências da verdadeira música litúrgica.

III. Texto Litúrgico
7. A língua própria da Igreja Romana é a latina. Por isso é proibido cantar em língua vulgar, nas funções litúrgicas solenes, seja o que for, e muito particularmente, tratando-se das partes variáveis ou comuns da Missa e do Ofício.

8. Estando determinados, para cada função litúrgica, os textos que hão de musicar-se e a ordem por que se devem cantar, não é lícito alterar esta ordem, nem substituir os textos prescritos por outros, nem omiti-los na íntegra ou em parte, a não ser que as Rubricas litúrgicas permitam suprir, com órgão, alguns versículos do texto, que são simplesmente recitados no coro. É permitido somente, segundo o costume romano, cantar um motete em honra do S. Sacramento depois do Benedictus da Missa solene. Permite-se outrossim que, depois de cantado o ofertório prescrito, se possa executar, no tempo que resta, um breve motete sobre palavras aprovadas pela Igreja.

9. O texto litúrgico tem de ser cantado como se encontra nos livros aprovados, sem posposição ou alteração das palavras, sem repetições indevidas, sem deslocar as silabas, sempre de modo inteligível.

IV. Forma externa das composições sacras
10. As várias artes da Missa e Ofício devem conservar, até musicalmente, a forma que a tradição eclesiástica lhes deu, e que se encontra admiravelmente expressada no canto gregoriano. É, pois, diverso o modo de compor um Introitus, um Gradual, uma Antifona, um Salmo, um Hino, um Gloria in excelsis, etc.

11. Observem-se, em particular, as normas seguintes:
a) O Kyrie, o Gloria, o Credo, etc., da Missa, devem conservar a unidade de composição própria do texto. Por conseguinte, não é lícito compô-las como peças separadas, de modo que cada uma destas forme uma composição musical tão completa que possa separar-se das restantes e ser substituída por outra.
b) No ofício de Vésperas deve seguir-se, ordinariamente, a norma do Caeremoniale Episcoporum que prescreve o canto gregoriano para a salmodia, e permite a música figurada nos versículos do Gloria Patri e no hino.
Contudo, é permitido, nas maiores solenidades, alternar o canto gregoriano do coro com os chamados "falsibordoni" ou com versos de modo semelhante convenientemente compostos. Poderá também conceder-se, uma vez por outra, que cada um dos salmos seja totalmente musicado, contanto que, em tais composições, se conserve a forma própria da salmodia, isto é, que os cantores pareçam salmodiar entre si, já com motivos musicais novos, já com motivos tirados do canto gregoriano, ou imitados deste.
Ficam proibidos, nas cerimónias litúrgicas, os salmos de concerto.
c) Conserve-se, nas músicas da Igreja, a forma tradicional do hino. Não é permitido compor, por exemplo, o Tantum ergo de modo que a primeira estrofe apresente a forma de romanza, cavatina ou adágio e o Genitori a de allegro.
d) As antífonas de Vésperas têm de ser cantadas, ordinariamente, com a melodia gregoriana que lhes é própria. Porém, se em algum caso particular se cantarem em música, não deverão nunca ter a forma de melodia de concerto, nem a amplitude dum motete ou de cantata.
V. Os cantores
12. Exceptuadas as melodias próprias do celebrante e dos ministros, que sempre devem ser em gregoriano, sem acompanhamento de órgão, todo o restante canto litúrgico faz parte do coro dos levitas. Por isso, os cantores, ainda que leigos, realizam, propriamente, as funções de coro eclesiástico, devendo as músicas, ao menos na sua maior parte, conservar o carácter de música de coro.
Não se entende com isto excluir, de todo, os solos; mas estes não devem nunca predominar de tal maneira que a maior parte do texto litúrgico seja assim executada; deve antes ter o carácter de uma simples frase melódica e estar intimamente ligada ao resto da composição coral.

13. Os cantores têm na Igreja um verdadeiro ofício litúrgico e, por isso, as mulheres sendo incapazes de tal ofício, não podem ser admitidas a fazer parte do coro ou da capela musical. Querendo-se, pois, ter vozes agudas de sopranos e contraltos, empreguem-se os meninos, segundo o uso antiquíssimo da Igreja.

14. Finalmente, não se admitam a fazer parte da capela musical senão homens de conhecida piedade e probidade de vida, os quais, com a sua devota e modesta atitude, durante as funções litúrgicas, se mostrem dignos do santo ofício que exercem. Será, além disso, conveniente que os cantores, enquanto cantam na igreja, vistam hábito eclesiástico e sobrepeliz e que, se o coro estiver muito exposto à vista do público, seja resguardado por grades.

VI. Órgão e Instrumentos
15. Posto que a música própria da Igreja é a música meramente vocal, contudo também se permite a música com acompanhamento de órgão. Nalgum caso particular, com as convenientes cautelas, poderão admitir-se outros instrumentos nunca sem o consentimento especial do Ordinário, conforme as prescrições do Caeremoniale Episcoporum.

16. Como o canto tem de ouvir-se sempre, o órgão e os instrumentos devem simplesmente sustentá-lo, e nunca encobri-lo.

17. Não é permitido antepor ao canto extensos prelúdios, ou interrompê-lo com peças de interlúdios.

18. O som do órgão, nos acompanhamentos do canto, nos prelúdios, interlúdios e outras passagens semelhantes, não só deve ser de harmonia com a própria natureza de tal instrumento, isto é, grave, mas deve ainda participar de todas as qualidades que tem a verdadeira música sacra, acima mencionadas.

19. É proibido, na Igreja, o uso do piano bem como o de instrumentos fragorosos, o tambor, o bombo, os pratos, as campainhas e semelhantes.

20. É rigorosamente proibido que as bandas musicais toquem nas igrejas, e só em algum caso particular, com o consentimento do Ordinário, será permitida uma escolha limitada, judiciosa e proporcionada ao ambiente de instrumentos de sopro, contanto que a composição seja em estilo grave, conveniente e semelhante em tudo às do órgão.

21. Nas procissões, fora da igreja, pode o Ordinário permitir a banda musical, uma vez que não se executem composições profanas. Seria para desejar que a banda se restringisse a acompanhar algum cântico espiritual, em latim ou vulgar, proposto pelos cantores ou pias congregações que tomam parte na procissão.

VII. Amplitude da Música Sacra
22. Não é licito, por motivo do canto, fazer esperar o sacerdote no altar mais tempo do que exige a cerimónia litúrgica. Segundo as prescrições eclesiásticas, o Sanctus deve ser cantado antes da elevação, devendo o celebrante esperar que o canto termine, para fazer a elevação. A música da Glória e do Credo, segundo a tradição gregoriana, deve ser relativamente breve.

23. É condenável, como abuso gravíssimo, que nas funções eclesiásticas a liturgia esteja dependente da música, quando é certo que a música é que é parte da liturgia e sua humilde serva.

VIII. Meios principais
24. Para o exacto cumprimento de quanto fica estabelecido, os Bispos, se ainda não o fizeram, instituam, nas suas dioceses, uma comissão especial de pessoas verdadeiramente competentes na música sacra, à qual confiarão o cargo de vigiar as músicas que se vão executando em suas igrejas para que sejam conformes com estas determinações. Nem atender somente a que sejam boas as músicas, senão também a que correspondam ao valor dos cantores, para haver boa execução.

25. Nos Seminários e nos Institutos eclesiásticos, segundo as prescrições tridentinas, consagrem-se todos os alunos ao estudo do canto gregoriano e os superiores sejam liberais em animar e louvar os seus súbditos. Igualmente, onde for possível, promova-se entre os clérigos a fundação de uma Schola Cantorum para a execução da sagrada polifonia e da boa música litúrgica.

26. Nas lições ordinárias de Liturgia, Moral e Direito Canónico, que se dão aos estudantes de teologia, não se deixe de tocar naqueles pontos que, de modo mais particular, dizem respeito aos princípios e leis da música sacra, e procure-se completar a doutrina com alguma instrução especial acerca da estética da arte sacra, para que os clérigos não saiam dos seminários ignorando estas noções, tão necessária à plena cultura eclesiástica.

27. Tenha-se o cuidado de restabelecer, ao menos nas igrejas principais, as antigas Scholae Cantorum, como se há feito já, com óptimo fruto, em muitos lugares. Não é difícil, ao clero zeloso, instituir tais Scholae, mesmo nas igrejas de menor importância, e até encontrará nelas um meio fácil para reunir em volta de si os meninos e os adultos, com proveito para eles e edificação do povo.

28. Procure-se sustentar e promover, do melhor modo, as escolas superiores de música sacra, onde já existem, e concorrer para as fundar, onde as não há. É sumamente importante que a mesma igreja atenda à instrução dos seus mestres de música, organistas e cantores, segundo os verdadeiros princípios da arte sacra.

IX Conclusão
29. Por último, recomenda-se aos mestres de capela, aos cantores, aos clérigos, aos superiores dos Seminários, Institutos eclesiásticos e comunidades religiosas, aos párocos e reitores de igrejas, aos cónegos das colegiadas e catedrais, e sobretudo aos Ordinários diocesanos, que favoreçam, com todo o zelo, estas reformas de há muito desejadas e por todos unanimemente pedidas, para que não caia em desprezo a autoridade da Igreja que repetidamente as propôs e agora de novo as inculca.

Dado em o Nosso Palácio do Vaticano, na festa da Virgem e Mártir Santa Cecília, 22 de Novembro de 1903, primeiro ano do nosso pontificado.

PAPA PIO X
© Copyright - Libreria Editrice Vaticana

(1) - «En aquest fragment s'hi concentren les principals idees que denoten la música com a litúrgica, és a dir com a element actiu i essencial - en sentit profund - de l'acció litúrgica: revestir i fer més eficaç la paraula dels textos litúrgics; excitar la devoció dels fidels i preparar-los per a rebre els fruits de la gràcia que emanen dels sants misteris celebrats. De la relació de la música amb la paraula i amb els textos litúrgics es pot entendre que la música, en cert sentit, es constitueix com la primera hermeneuta de la paraula celebrada i ens fa comprendre la Paraula, ens condueix a la contemplació i l'admiració del Misteri celebrat en la litúrgia. Cal només fer atenció a algunes melodies gregorianes per a observar com és d'íntima la relació entre melodia i text i de quina manera més sapiencial la música en subratlla el sentit. La himnòdia gregoriana, amb la distribució dels modes i l'alternança coral subratlla, expressa i crea l'ambient de reflexió, meditació (ruminatio) dels textos que l'Església posa en boca dels fidels per a santificar les hores. L'excitació a la devoció dels fidels mostra la concepció de la música com a creadora d'emoció que mou l'«afecte». Aquest és un tema molt apreciat per filòsofs i pels Pares de l'Església. La inclinació a la devoció ve a subratllar de quina manera més sàvia l'Església sempre ha utilitzat la música per a arribar al cor, a l'interior, al lloc on la simple predicació amb paraules no pot arribar; de quina manera més sàvia l'Església ha fet de l'art un dels seus principals elements de catequesi. La preparació per a rebre la gràcia de la vida litúrgica celebrada ens sembla l'element més nou del text de Pius X, juntament amb el ja famós de la participació activa. Fàcilment es pot entendre que la participació en el cant per part de l'assemblea és una de les aplicacions directes d'aquesta intuïció. Tot i així, ens sembla molt més profunda la intuïció de Pius X si es llegeix en connexió amb la qüestió moció interna a la devoció. Aquesta preparació-participació activa no es redueix a la materialitat del cant, és a dir, no tan sols en l'acció de cantar activament es participa, sinó que ve exemplificada amb l'acció de l'escolta: escolta de la paraula, escolta de la música, que es complementen íntimament si la música és veritablement litúrgica". Ambdues es comenten, s'identifiquen i penetren entre si en el més íntim del creient, que va entrant, en actitud d'escolta i d'Obertura a la gràcia santificant, obrint-se, per tant, a la vivència de l'encontre amb Crist. És una dinàmica semblant a allò que es realitza en els sagraments. La música té així una funció plena de significat ja que, per mitjà de l'experiència estètica, s'obre al món de la bellesa del misteri de Déu i obre, eficaçment, el cor a l'escolta de la Paraula, a l'encontre amb Crist i a la realització de l'obra de la salvació operada en la litúrgia. En el fons estem parlant d'una dimensió «quasi» sacramental de la música. Aquests elements ens semblen claus en la concepció del MP i són fonamentals per a la seva recta interpretació. Tota la resta resulta derivat d'això i justament interpretat: la bondat de les formes de la música, l'alternança gregorià-polifonia, la santedat de la música, la música moderna, l'orgue, la funció ministerial dels cantors, tot s'ha de llegir d'acord amb aquesta atenció a la paraula celebrada, a l'adoració d'allò que se celebra i a l'obertura a les fonts de la gràcia que l'home i la dona cridats a la comunió amb Déu reben en la vida sacramental i litúrgica. En aquest sentit les limitacions pròpies del seu temps del text del MP - llegeixi's la discriminació de la dona, la prohibició de certs instruments, l'adopció de detertninades formes i arquetips - apareixen tan menors que deixen de ser consistents. La situació actual de la música en la litúrgia, i aquí sí que podem especificar en la litúrgia catòlica, dista molt de respondre a les intuïcions del Papa Pius X. Potser una relectura del seu pensament, d'acord amb la riquesa de la SC, ens oferiria elements per a un nou treball de comprensió de la funció de la música en la litúrgia.»

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