Mostrar mensagens com a etiqueta Paulo VI. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Paulo VI. Mostrar todas as mensagens

domingo, 20 de dezembro de 2015

As Respostas Polifónicas do Primeiro Grau - Introdução à Polifonia da Renascença

Hoje introduzir-nos-emos à Polifonia do Renascimento, género musical que éconsiderado pelo Magistério como sendo o mais sacro para a Liturgia Latina, depois - claro está - do Canto Gregoriano. Mas por onde começaremos? Por onde nos indica, precisamente, o Magistério, que é a via mais simples e segura.

Diz-nos a instrução Musicam Sacram de 5 de Março de 1967, publicada pela Sagrada Congregação dos Ritos e aprovada pelo Papa Paulo VI durante o Concílio Vaticano II, que na Missa há três graus de participação activa relativamente ao uso da música. O primeiro grau inclui as secções mais importantes da Missa e que deverão ser cantadas com prioridade. No canto do segundo grau apenas devem ser investidos esforços se o primeiro grau estiver satisfeito, e o mesmo sucede para o terceiro grau em relação ao segundo (excepto excepções excepcionais).

Já várias vezes disse isto em relação ao Canto Gregoriano: os tons e as respostas do primeiro grau são muito simples, curtas, sempre iguais e repetem-se ao longo duma mesma cerimónia; já os cânticos do segundo grau (ordinarium missae) exigem relativamente maior dificuldade por serem mais longos e ornados, mas o texto, permanecendo igual ao longo do ano litúrgico, é passível de manter-se com uma mesma melodia enquanto durar um tempo litúrgico, e variar como variam as côres dos paramentos; finalmente, o terceiro grau (proprium missae) varia todos os dias e é extremado na ornamentação.

O mesmo podemos dizer da Polifonia do Renascimento. Para os poucos córos litúrgicos que podem aventurar-se no reportório polifónico, não faz sentido querer preparar um motete para o Domingo de Ramos, que só será cantado uma vez no ano, quando nunca se cantou um Kyrie ou um Agnus Dei; e não faz sentido querer preparar um Credo quando não se canta um simples Amen.

Quais são então as orações do primeiro grau? Enumera-as o referido documento conciliar:
«29. Pertencem ao primeiro grau:
a) nos ritos de entrada:
- a saudação do sacerdote com a resposta do povo;
- a oração;
b) na liturgia da Palavra:
- as aclamações ao Evangelho;
c) na liturgia eucarística:
- a oração sobre as oblatas,
- o prefácio com o respectivo diálogo e o "Sanctus",
- a doxologia final do cânone,
- a oração do Senhor - Pai nosso - com a sua admonição e embolismo,
- o "Pax Domini",
- a oração depois da comunhão,
- as fórmulas de despedida.»

Retirando daqui o que só pode ser cantado pelo Celebrante (e obviamente não pode ser cantado polifonicamente), assim como o Sanctus (cujo nível de dificuldade na práctica pertence ao segundo grau), ficamos com as respostas polifónicas do primeiro grau:
  • Amen, que se canta no fim das orações colecta, sobre as oblatas, depois da comunhão, etc.
  • Et cum spiritu tuo ( = E com o teu espírito. ), que se canta para abençoar o celebrante em vários momentos importantes da Missa tais como antes do Evangelho, antes da consagração, etc.
  • Gloria tibi Domine ( = Glória a Ti, Senhor ) que é a resposta dada imediatamente antes da proclamação do Evangelho
  • Et cum spiritu tuo ... Habemus ad Dominum ( = Temos [os corações] no Senhor. ) e Dignum et justum est ( = É digno e justo [dar graças a Deus] ), do diálogo antes do prefácio da oração eucarística.
  • Sed libera nos a malo ( = Mas livra-nos do mal ), a última e única frase do Pai-Nosso que tradicionalmente é respondida pelo pôvo.
Muito bem. E onde se encontra este reportório? Quais as versões polifónicas da Renascença para estes textos?

[Actualização: a técnica do Fabordão]

Eu, sendo português, sou da opinião que devemos preferir sempre que possível as composições feitas em Portugal e/ou por autores Portugueses no Estrangeiro, pois essas são as que mais nos informam sobre a nossa própria tradição religiosa e litúrgica: quais os tempos e as festas com mais devoção, quais os textos escolhidos localmente para cada oração, qual o tratamento musical dado a cada texto, qual o número de vozes mais frequentemente escolhido, etc.. Desde a Reconquista aos muçulmanos que o reportório sacro português sempre sofreu influências doutros países, mas soube também criar uma identidade própria, e o vasto reportório polifónico de altíssima qualidade que chegou até nós é disso mesmo prova.

Para os nossos leitores do Brasil, creio que o mesmo raciocínio é de aplicar, uma vez que nesta época se estava dando a primeira missionação do território, o que no plano musical consistiu inicialmente na importação do reportório musical sacro praticado na Europa, sobretudo em Portugal. Existem, aliás, alguns códices antigos no Brasil que testemunham este facto, e muitos outros por estudar, que certamente mostrarão composições dêste período criadas originalmente no Brasil, mas para já não conheço nenhuma. Mas saíndo do Renascimento, e entrando no século XVII e seguintes, aparecem muitas composições originais de Brasileiros, ora com forte influência das obras renascentistas anteriores, ora da música que entretanto evoluíra na Europa, ora apresentando aspectos verdadeiramente originais. Para mais informações, não perder a História da Música Brasileira do Maestro Ricardo Canji.

Quanto às edições a usar, sou da opinião que devemos evitar as transcrições para a notação musical moderna. Embora muito difundida, esta notação não é a mais adequada para a música do Renascimento, principalmente porque a escrita dos compassos pode induzir em erro o cantor, habituado a acentuar as primeiras notas de cada compasso. Para além disso, as notas são relativamente pequenas, o que obriga a que todos carreguem papel durante o canto, e a colocação do texto é sempre uma opção do editor, por vezes questionável. Também resulta numa escrita menos económica uma vez que os silêncios das vozes obrigam a grandes vazios nas pautas quando estas são organizadas em sistemas. Não obstante, estas transcrições não deixam de ser muito úteis, por exemplo, para tanger o órgão.

Pelo contrário, para o canto, muito mais apropriada é a notação musical usada na Alta Idade Média e no Renascimento, a chamada notação mensural branca: mensural porque, contrariamente ao canto gregoriano, em que cada nota poderia ter um valor próprio em função do texto, na notação polifónica cada nota tem um valor "medido", ou seja convencionado numa relação aritmética simples com a unidade de tempo definida pela regência do maestro e aplicável a todas as diferentes vozes do agrupamento; e branca, porque, contrariamente aos neumas do canto gregoriano, que são todos preenchidos com tinta, os neumas da escrita polifónica não são preenchidos (na maioria dos casos), sendo só desenhado o seu contorno, com o objectivo de não causar borrões nem de a tinta passar para o verso do fólio (o outro lado da página).

Esta notação é superior para a escrita e interpretação da polifonia do Renascimento, por várias razões. Desde logo porque é a original, aquela na qual o compositor pensou a obra. Também, à semelhança dos códices gregorianos, apresenta as letras maiúsculas iniciais ricamente ornadas com motivos piedosos e musicais, que alegram o cantor, bem como o custos (guardião) no final de cada pauta, que o recorda de qual a nota a cantar de seguida. Depois, não mostra as vozes em sistema, mas cada uma no canto do campo visual quando se tem o livro aberto:
  • superius / cantus no canto superior esquerdo, isto é na metade superior da página esquerda
  • [contratenor] altus no canto sup. dt.º, i.e. na met. sup. da pág. dt.ª
  • tenor no canto inf. esq.º, i.e. na met. inf. da pág. esq.ª
  • e [contratenor] bassus no canto inf. dt.º, i.e. na met. inf da pág. esqª
Assim separadas as vozes, são óbvias várias vantagens:
  • A notação polifónica aproxima-se do canto gregoriano, o que faz o cantor descobrir na sua própria melodia o ritmo que dela emana, e não o do compasso.
  • Os silêncios ocupam pouco espaço, e as notas estão todas encostadinhas, economizando papel.
  • As notas são maiores, o que facilita a leitura à distância e dá ao cantor um incentivo difícil de explicar por palavras (maior audácia?).
  • Permite que todos cantem pela mesma partitura na estante / facistol, não havendo ruídos do manuseamento do papel durante a liturgia, nem preocupação se estamos na página certa ou não, nem de distribuir folhas nos ensaios e liturgias.
  • A partitura única, por sua vez, obriga os cantores a estarem próximos, com boa postura, a ouvirem-se e a apoiarem-se mutuamente nas intensidades do som, "como as pedras duma catedral" (fundamental).
Onde obter, então, estas partituras? Hoje apontarei um recurso valiosíssimo: a Base de Dados da Música Antiga Portuguesa, mais conhecida por Portuguese Early Music Database (pemdatabase.eu), da responsabilidade do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É de registo gratuito e permite consultar várias centenas de páginas de manuscritos antigos de música sacra, Canto Gregoriano e Polifonia do Renascimento, em fac-simile. Permite pesquisas dirigidas por códice, localização geográfica, século, tipologia litúrgica, compositor, etc.. Só não permite a descarga directa das imagens nem a sua reprodução pública sem autorização prévia.

Para o nosso caso, interessam-nos as respostas (responses) que se encontram num manuscrito do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra de meados do século XVI. Nos seus fólios 018v-019r podemos comtemplar umas belíssimas respostas polifónicas do 1º grau em latim. (Na base-de-dados existem outras 2 versões musicais para os mesmos textos: uma que tem a mesma melodia mas a partitura encontra-se inacabada, e uma outra também inacabada e com melodia diversa)

Como interpretar, então, esta notação? Num postal futuro abordaremos os aspectos mais específicos desta notação musical, mas para já ficam dois princípios familiares à notação quadrada do canto gregoriano:

Clave de C: a linha que passa entre os dois quadrados assinala a corda C.
Clave de F: a linha que atravessa o quadrado do lado esquerdo e passa pelo meio dos losangos do lado direito assinala a corda F.

Continua...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Padre Paulo Ricardo pede um movimento para renovar a música litúrgica

Episódio 109 da série "ao vivo com o Padre Paulo Ricardo":




E como neste blog nada mais se pretende do que divulgar a boa música católica, escutai a versão portuguesa do Agnus Dei XVIII (MP3), o qual é cantado nas missas feriais do Advento, da Quaresma, e de defuntos, e cuja partitura adiante se apresenta (PDF):

Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, apieda-Te de nós.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-nos a paz.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-lhes o descanso.
Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo, dá-lhes o descanso sempiterno.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Os Três Graus da Participação Activa

O Reverendo Padre da minha Paróquia pediu-me que eu colaborasse num curso de música sacra por ele organizado para um grupo de paroquianos interessados, tendo em vista a formação de um côro mais bem preparado e a solenização da Liturgia. Encarregou-me de leccionar uma cadeira de canto gregoriano, sendo as matérias de história da música sacra católica, ensinamentos do magistério da Igreja sobre a música sacra, solfejo, técnica vocal, e polifonia, entregues a outros colaboradores.

Na programação das aulas, ocorreram-me os três "graus de participação" propostos pela Sagrada Constituição dos Ritos, em 1967, para a introdução do canto sacro na Santa Missa. Leiamos, então, uns poucos parágrafos da instrução Musicam Sacram, que certamente nos mereceria uma atenção mais integral:
7. Entre a forma solene e mais plena das celebrações litúrgicas (em que se canta realmente tudo quanto exige canto) e a forma mais simples em que não se emprega o canto, pode haver vários graus, conforme o canto tenha maior ou menor lugar. Todavia, na escolha das partes que se devem cantar, começar-se-á por aquelas que por sua natureza são de importância maior: em primeiro lugar, por aquelas que devem ser cantadas pelo sacerdote ou pelos ministros, com resposta do povo; ou pelo sacerdote juntamente com o povo; juntar-se-ão depois, pouco a pouco, as que são próprias só do povo ou só do grupo de cantores. 
(...) 
III. O canto na celebração da missa
27. Para a celebração da Eucaristia com o povo, sobretudo nos domingos e festas, há-de preferir-se na medida do possível a forma de missa cantada, até várias vezes no mesmo dia. 
28. Conserve-se a distinção entre missa solene, missa cantada e missa rezada estabelecida na Instrução de 1958 (n. 3), segundo as leis litúrgicas tradicionais e em vigor. No entanto, para a missa cantada e por razões pastorais propõem-se aqui vários graus de participação para que se torne mais fácil, conforme as possibilidades de cada assembleia, melhorar a celebração da missa por meio do canto. O uso destes graus de participação regular-se-á da maneira seguinte: o primeiro grau pode utilizar-se só; o segundo e o terceiro não serão empregados, íntegra ou parcialmente, senão unidos com o primeiro grau. Deste modo, os fiéis serão sempre orientados para uma plena participação no canto. 
29. Pertencem ao primeiro grau:
a) nos ritos de entrada:
- a saudação do sacerdote com a resposta do povo;
- a oração;
b) na liturgia da Palavra:
- as aclamações ao Evangelho;
c) na liturgia eucarística:
- a oração sobre as oblatas,
- o prefácio com o respectivo diálogo e o "Sanctus",
- a doxologia final do cânone,
- a oração do Senhor - Pai nosso - com a sua admonição e embolismo,
- o "Pax Domini",
- a oração depois da comunhão,
- as fórmulas de despedida.
30. Pertencem ao segundo grau:
a) "Kyrie", "Glória" e "Agnus Dei";
b) o Credo;
c) a Oração dos Fiéis.
31. Pertencem ao terceiro grau:
a) os cânticos processionais da entrada e comunhão;
b) o cântico depois da leitura ou Epístola;
c) o "Alleluia" antes do Evangelho;
d) o cântico do ofertório;
e) as leituras da Sagrada Escritura, a não ser que se julgue mais oportuno proclamá-las sem canto.
Note-se que por participação activa deve entender-se, não só a participação vocal dos ministros e do povo nas orações respectivas, mas também, e até primeiramente, aquela verdadeira participação activa, que é espiritual e se dá no coração de cada um: a primeira nunca dispensa a segunda; a segunda, serve-se da primeira, mas pode tão-bem dispensá-la, inclusive até ao extremo do absoluto silêncio.

Com efeito, pareceu-me muito conveniente esta sugestão do Magistério para programar semelhantes aulas como as que me foram pedidas, dividindo para tal o extenso e variado reportório do canto gregoriano em três partes, de crescente complexidade. O que se segue é o resultado dessa divisão, tendo algumas orações sido deslocadas para outro grau em razão da sua natureza musical, como adiante especifico. Este método, que ainda não passou do papel à práctica, parece-me, para já, o mais apropriado para a formação duma schola cantorum de raíz, pelo menos a nível duma paróquia. Por este motivo, partilho desde já os recursos que compus, e peço encarecidamente os vossos comentários.

No 1º grau de dificuldade, ou seja, para um côro principiante, proporia o estudo das seguintes peças:

a) nos Ritos Iniciais:
- a saudação do sacerdote com a resposta do povo
- o acto penitencial
- a oração colecta
b) na liturgia da Palavra:
- a 1ª leitura
- as aclamações da 1ª leitura
- a 2ª leitura
- a aclamação da 2ª leitura
- a leitura do Evangelho
- as aclamações ao Evangelho
- a oração dos fiéis
c) na liturgia eucarística:
- a oração sobre as oblatas;
- os diálogo e prefácio da O.E.;
- o cânone;
- a doxologia final do cânone;
- o Pater noster com admonição e embolismo;
- o Pax Domini e outras aclamações e diálogos, e respectivas orações do celebrante;
- a oração depois da comunhão;
- as fórmulas de despedida;

Ou seja, excluí o Sanctus, que no Kyrial Romano ou na polifonia assume formas bastante elaboradas, e reuni todas as orações entoadas em recto tono, mesmo que o seu canto não seja prioritário na maioria das celebrações (p.ex. Canon, Lectiones). No seu conjunto, cada uma destas orações tem 2 ou 3 versões diferentes, que se mantêm as mesmas em todas as Missas ao longo do ano litúrgico nas mais variadas localizações onde se reza pelo rito romano. E, embora a maioria dos textos se destine ao sacerdote celebrante (ou a outros ministros, leitores, et al.) e não ao povo, as respostas pertencem - essas sim - ao povo, e são practicamente as mesmas, sempre; um coro que as aprenda pode ajudar o resto da assembleia a cantá-las. E o facto de se começar pelas entoações simples, e não pelos tradicionais modos gregorianos (octoechos), tem ainda a vantagem de evitar uma sobrecarga cognitiva nos aprendizes, que poderão focar-se primeiramente:
  • na busca da melhor técnica vocal;
  • no discernimento da correcta afinação, mantida imperturbável ao longo da entoação rectilínea;
  • na descoberta e no entendimento da língua latina;
  • na boa dicção e pronúncia do texto;
  • na sincronia com os restantes membros do côro;
  • na descoberta da notação quadrada e suas particularidades, por oposição à notação moderna;
  • na detecção das principais unidades rítmicas, definidas pela pontuação e sintaxe do texto;
  • na acentuação do início ou fim das tais unidades rítmicas com os acidentes melódicos tradicionais;
  • na percepção dos principais intervalos melódicos (meio tom, tom inteiro, terceira menor, terceira maior, etc.);
  • na desintoxicação tonal e na aceitação do ambiente modal, mais propício que é ao recolhimento e oração;
  • no conhecimento de como as entoações da Missa formam um todo sólido, um esqueleto musical ao qual se apendem outros géneros musicais mais complexos (canto melismático, polifonia).
Para além disso, permite-me também a mim ganhar a experiência que não possuo para dirigir peças mais complexas. Deixo-vos, então, um manual (Dropbox, Scribd) em que reuni (com manifesto amadorismo) todas estas entoações, e que inclui, no final, os seguintes cantus varii propostos pelo Papa Paulo VI em 1974 a toda a Igreja de rito romano: O salutaris hostia, Adoro te devote, Tantum ergo sacramentum, Laudate Dominum, Parce Domine, Da pacem, Ubi caritas, Veni creator Spiritus, Regina cæli, Salve Regina, Ave maris stella, Magnificat, Tu es Petrus, e Te Deum.


Depois de bem sabido o 1º grau, proporia para o 2º o estudo das peças do Kyriale Romanum, as quais, embora preservando o mesmo texto ao longo do ano litúrgico, convém que se variem na música (mais ou menos como se mudam as côres dos paramentos):
  • Kyrie, incluindo algumas versões com tropo (fons bonitatis II, firmator sancte VIII ad lib., orbis factor XI);
  • Gloria in excelsis Deo;
  • Credo;
  • Sanctus;
  • Agnus Dei;
  • Ite missa est.
Estas peças vêm em grupos no Gradual Romano, de forma que se pode começar pelas mais simples (missas com n.º mais elevado) e ir crescendo na dificuldade. As peças do ordinário são úteis para o ensino dos modos gregorianos, que se poderá fazer nesta altura. Deixaria para o fim as antífonas da aspersão com água benta (Asperges me, Vidi aquam) e os oito tons do Gloria Patri da Missa (começando pelos VII e VIII modos, que se cantam nestas antífonas, respectivamente); estas peças exigem alguns conhecimentos de semiologia gregoriana, até aqui desconhecida, e que se revelará indispensável no 3º grau. Mas antes o PDF do Kyriale Romanum:



Finalmente, chegamos ao 3º grau: que inclui as peças do próprio de cada Missa:
  • Introitus
  • Graduale
  • Tractus
  • Alleluia
  • Sequentia
  • Offertorium
  • Communio
Estas peças, cujos texto e melodia variam practicamente todas as missas, são as mais belas do reportório gregoriano, mas também as mais difíceis. As peças mais fáceis são as sequências, com o seu estilo silábico. As restantes, semi-ornamentadas e melismáticas, exigem que se coordene tudo quanto se aprendeu até aqui, e se aprenda a modelação rítmica tão característica da música medieval. Para isso, encaminhamos o leitor interessado aos seguintes livros: Graduale Triplex, Offertoriale Triplex, Graduale Novum e Graduale Restitutum, que publicam as partituras a cantar em cada Missa; e para outros manuais, que ensinam a ler a notação arcaica.

Uma vez dominado este nível, resta cantar a polifonia do Renascimento, e voar!...

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Sacrificium laudis (1966), Papa Paulo VI


Tradução portuguesa não-oficial, das versões
italiana e latina disponíveis na página do
Vaticano. Por favor avisai-nos de alguma
incorrecção. Muito obrigado.
PAPA PAULO VI

SACRIFICIUM LAUDIS *

EPÍSTOLA APOSTÓLICA

Aos Chefes das Ordens Religiosas,
Sobre a língua latina a ser usada no Ofício Litúrgico coral
por parte dos religiosos obrigados ao coro.

Dilectos filhos,
Saudação e Bênção Apostólica, 

As vossas Famílias religiosas, devotadas ao serviço de Deus, sempre tiveram em grande consideração, numa tradição jamais interrompida, o Sacrifício de louvor oferecido pelos lábios dos que anunciam o Senhor, no canto dos salmos e dos hinos, com os quais são sanctificadas pela piedade religiosa as horas, os dias e os tempos do ano, estando no centro de tudo o Sacrifício Eucarístico como um sol esplendoroso que tudo a si atrai. Com efeito, justamente se pensava que nada deveria ser anteposto a uma tão santa práctica religiosa. Compreende-se com facilidade quanta glória de tal resulte para o Creador de todas as coisas, e quão grande a utilidade para a Igreja. Com esta forma de oração, fixa e mantida perene através dos séculos, haveis ensinado que o culto divino é de suma importância para a humana convivência.

Das cartas dalguns de vós e das muitas missivas enviadas de várias partes chegámos ao conhecimento que os cenóbios ou as províncias de vós dependentes - falamos somente daqueles de rito Latino - adoptaram diferente modos de celebrar a divina Liturgia: alguns são muito contrários à língua Latina, outros no Ofício coral vão pedindo o uso das línguas nacionais, ou querem até que o chamado canto Gregoriano seja substituído cá e lá com os cânticos hoje em voga; outros reclamam mesmo a abolição da própria língua latina.

Devemos confessar que tais pedidos Nos abalaram não levemente e nos entristeceram não pouco; e levaram-nos a perguntar de onde saiu  e porque se difundiu, esta mentalidade e este fastio desconhecidos no passado.

Certamente vos é notório, nem podeis duvidar, o quanto Nós vos amamos, nem às vossas Famílias religiosas, o quanto as estimamos. Frequentemente são para Nós causa de admiração os testemunhos de insigne piedade e os monumentos de refinado engenho, que [a todos] enobrecem. Conservaremos a Nossa alegria se surgir qualquer possibilidade, desde que lícita e conveniente, de favorecer, e de aceder aos vossos pedidos, para melhorar a situação.

Mas, quanto dissemos acima, vem depois de o Concílio Ecuménico Vaticano II se ter pronunciado sobre esta matéria de modo meditado e solene (Cf. CONC. VAT. П, Const. Sacrosanctum Concilium, n. 101 § 1) e depois de terem sido emanadas normas precisas com sucessivas Instruções; na primeira Instrução, para a exacta aplicação da Constituição sobre a Sagrada Liturgia, emanada a 26 de Setembro de 1964, estabele-se o seguinte: «Na récita do Ofício Divino em coro, os clérigos usem a língua latina» (n. 85); e na outra, que trata da língua a usar na celebração do Ofício e da Missa «conventuais», «nas comunidades» próximas às Religiosas, emanada a 23 de Novembro de 1965, aquela disposição ficou confirmada e também tendo em conta a utilidade espiritual dos fiéis e das particulares condições que subsistem nos países da missões. Portanto, enquanto não se determinar em sentido diferente por razões legítimas, estas leis permanecem em vigor e requerem obediência, na qual devem sobressair principalmente os religiosos, filhos caríssimos da Igreja.

Com efeito, não se trata somente de conservar a língua latina no Ofício coral - indubitavelmente digna, nem seria para menos que a guardássemos com cuidado, sendo na Igreja Latina fonte fecundíssima de civilidade cristã e riquíssimo tesouro de piedade -, mas, tão-bem de defender indemne a qualidade, a beleza e o originário vigor de tais orações e de tais cantos: trata-se, de facto, do Ofício coral, expresso «com as vozes da Igreja que docemente canta» (Cf St.º AGOSTINHO, Confissões, 9, 6: PL 32, 769), e que os vossos fundadores e mestres, e ademais Santos no Céu, luminárias das vossas Famílias religiosas, vos transmitiram. Não são de menosprezar as tradições dos que vos antecederam e ao longo dos séculos construíram a vossa glória. Este maneira de recitar o Ofício divino em coro foi uma das principais razões para a solidez e o feliz crescimento das vossas Famílias. É portanto de espantar que, surgindo com inesperada excitação, alguns pareçam ter negligenciado estas motivações.

Que língua, ou que cânticos vos parece que possam na presente situação substituir as formas de piedade católica que usastes atègora? Haveis de reflectir bem, para que as coisas não piorem depois de renegardes a esta gloriosa herança. Porquanto vos é de temer que o Ofício coral seja reduzido a uma recitação disforme, cujas pobreza e monotonia vós sereis certamente os primeiros a notar. Surge ainda uma outra interrogação: os homens desejosos de sentir os valores sagrados entrarão à mesma, e em tão grande número, nos vossos templos, se não ressoar em vós a piedade antiga e a nativa língua daquelas orações, unidas a um canto pleno de gravidade e de beleza? Pedimos portanto a todos os interessados que ponderem bem o que se perderia, e que não deixem secar a fonte que até hoje brotou abundantemente. Sem dúvida que a língua latina cria algumas dificuldades, talvez não leves, aos novatos da vossa sagrada milícia. Mas estas dificuldades, como sabeis, não são tais que não se possam superar e vencer, sobretudo entre vós que, longe dos afã e estrépito do mundo, vos podeis dedicar mais facilmente ao estudo. De resto, aquelas preces repletas de antiga grandeza e nobre majestade continuarão a atrair até vós os jovens chamados à herança do Senhor; de contrário, uma vez eliminado o coro em questão, que supera os confins das Nações e está dotado de admirável força espiritual, e a melodia que flui do profundo da alma, onde reside a fé e arde a caridade, ou seja o canto gregoriano, sereis como uma vela apagada que já não mais ilumina, e não mais atrai a si os olhos e as mentes dos homens.

Seja como fôr, filhos caríssimos, os pedidos dos quais falámos acima referem-se a uma realidade tão grave que neste momento não Nos é possível de aceder, anulando as normas do Concílio e as Instruções mencionadas. Exortamo-vos portanto que calorosamente pondereis bem sobre todos os aspectos desta questão tão complexa. Pela benevolência com que vos envolvemos, e pela boa estima com que vos acompanhamos, não queremos permitir aquilo que poderia ser causa de uma queda, para pior, de não breve malefício e decerto de mal-estar e tristeza para toda a Igreja. Permiti-Nos, ainda que contra a vossa vontade, que defendamos a vossa causa. A Igreja, que por razões de índole pastoral, isto é, para o bem do povo que não sabe latim, introduziu as línguas nacionais na sagrada Liturgia, dá-vos o mandato de proteger a tradicional dignidade, a beleza, e a gravidade do Ofício coral, seja na língua como no canto.

Assim, com um coração sincero e dócil, sede obedientes às prescrições que não surgiram por um amor exagerado aos modos antigos, mas propostas antes pela caridade paterna que temos por vós e aconselhadas pelo zelo para com o culto divino.

Enfim, concedemo-vos de coração no Senhor a vós e aos vossos religiosos a Bênção Apostólica, propiciadora dos dons celestes e testemunha da boa disposição do nosso ânimo.

Dada em Roma, junto a S. Pedro, a 15 de Agosto do ano de 1966, festa da Assumpção da Virgem Maria, quarto do Nosso Pontificado.

PAULO PP. VI

Notitiae 2 (1966), pp. 252-255

domingo, 19 de agosto de 2012

61ª Semana de Estudos Gregorianos



Recomendamos vivamente a todos os interessados em música sacra litúrgica a frequência deste curso completo e leccionado por experientes docentes. Uma óptima desculpa para desfrutar da bela cidade de Viseu. Mais informações no site do Centro Ward - Júlia d'Almendra:

sábado, 7 de maio de 2011

Discurso do Papa aos membros do Instituto Litúrgico Santo Anselmo

Discurso do Papa sobre a liturgia, a 6 de Maio de 2011.
Alguns destaques; texto integral depois da quebra:
(...) Na véspera do Concílio, de facto, parecia cada vez mais viva, no campo da liturgia, a urgência de uma reforma, postulada também pelas petições realizadas por diversos episcopados. Além disso, a forte demanda pastoral que motivava o movimento litúrgico requeria que se favorecesse e suscitasse uma participação activa dos fiéis nas celebrações litúrgicas, através do uso de línguas nacionais, e que se aprofundasse na questão da adaptação dos ritos às diversas culturas, especialmente em terra de missão. Além disso, mostrou-se clara desde o início a necessidade de um estudo mais aprofundado do fundamento teológico da Liturgia, para evitar cair no ritualismo ou promover o subjetivismo, o protagonismo do celebrante, e para que a reforma estivesse bem justificada no âmbito da Revelação e em continuidade com a tradição da Igreja (...). 
(...) [O] título escolhido para o Congresso do Ano Jubilar é muito significativo: "Instituto Pontifício: entre memória e profecia". Quanto à memória, devemos observar os frutos abundantes suscitados pelo Espírito Santo em meio século de história, e assim devemos agradecer ao Dador de todo bem, apesar também dos mal-entendidos e erros na realização efetiva da reforma. Não podemos deixar de recordar os pioneiros, presentes na fundação da Faculdade: Cipriano Vagaggini, Adrien Nocent, Salvatore Marsili e Burkhard Neunheuser, que, ao acolherem os pedidos do Pontífice fundador, se empenharam, sobretudo após a promulgação da Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, em aprofundar na "função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam - e, cada um à sua maneira, realizam - a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo - cabeça e membros - presta a Deus o culto público integral" (n. 7). 
A Liturgia da Igreja vai além da própria "reforma conciliar" (cf. Sacrosanctum Concilium, nº 1), cujo objectivo, de facto, não era principalmente o de mudar os ritos e gestos, mas sim renovar as mentalidades e colocar no centro da vida cristã e da pastoral a celebração do mistério pascal de Cristo. Infelizmente, talvez, também pelos pastores e especialistas, a liturgia foi tomada mais como um objecto a reformar que como um sujeito capaz de renovar a vida cristã, a partir do momento em que "existe um vínculo estreito e orgânico entre a renovação da Liturgia e a renovação de toda a vida da Igreja. A Igreja extrai da liturgia a força para a vida". Quem nos recorda isso é o Beato João Paulo II, na Vicesimus quintus annus, na qual a liturgia é considerada como o coração latente de toda actividade eclesial.

domingo, 17 de abril de 2011

Jubilate Deo (1974), do Papa Paulo VI

Paulo VI, o Papa que conhecia o trabalho teológico de
Joseph Ratzinger e a 28 de Maio de 1977 o ordenou Bispo,
nomeou Arcebispo de Munique e Cardeal, apoiou uma
«hermenêutica da reforma na continuidade».
Apresentamos a reprodução da edição Typis Polyglottis Vaticanis do livrete contendo o repertório mínimo de canto gregoriano para todas as paróquias de rito romano oferecido pessoalmente a todos os Bispos católicos e aos chefes das Ordens religiosas pelo Papa Paulo VI em 1974. Recorremos às versões original e pentagramática moderna disponibilizadas pela St. Cecilia Schola Cantorum. Juntamente com o livrete, foi enviada pela Sagrada Congregação para o Culto Divino uma carta intitulada Voluntati Obsequens — isto é em latim “Obedecendo à Vontade” —, o qual documento se publicou em latim nas Notitiæ (páginas 123-6), de Abril de 1974, e em francês em La Documentation Catholique, de 2 de Junho de 1974. Chegámos a uma versão inglesa, a qual traduzimos para o português. Inclui-se o prefácio e um comentário ao livrete, da época.

Cremos que esta edição contribuirá para a restauração do gregoriano e do latim na forma ordinária do rito romano, a nível local, como foi o propósito dos Reformadores Conciliares e dos que os precederam, quer pela simplicidade das melodias, quer pela autoridade com que são propostas. Esta edição, adaptada por nós à língua portuguesa, contempla as traduções dos cânticos apresentados em notação quadrada, traduções que se quiseram tão literais quanto possível para permitir aos utilizadores maior familiaridade com a língua latina e a penetração nos cânticos gregorianos mais avançados. Incluimos no final a transcrição para pentagrama musical moderno das orações mais longas, para aumentar a familiaridade com a leitura do tetragrama medieval.

Pedimos encarecidamente que divulgueis junto do vosso pároco, bispo diocesano, ou qualquer outra pessoa encarregue da música sacra numa paróquia de língua portuguesa. Ademais, agradecemos a vossa colaboração:
  • na detecção de erros da tradução portuguesa e na obtenção dos textos integrais, no original latino ou francês;
  • na obtenção das restantes melodias do livrete, principalmente dos diálogos, em notação musical moderna;
  • no pedido dos ficheiros originais, caso queirais editar uma versão para a vossa Igreja particular.
Muitíssimo agradecidos.

Descarregar Jubilate Deo em português (PDF)

***

Por favor comentai dando a vossa opinião ou identificando elos corrompidos.
Podeis escrever para:

capelagregorianaincarnationis@gmail.com

Print Desejo imprimir este artigo ou descarregar em formato PDF Adobe Reader

Esta ferramenta não lida bem com incrustrações do Sribd, Youtube, ou outras externas ao blog. Em alternativa podeis seleccionar o texto que quiserdes, e ordenar ao vosso navegador que imprima somente esse trecho.

PROCURAI NO BLOG