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quinta-feira, 30 de maio de 2024

Alberto Turco: Iniciação à Paleografia

Continuamos a tradução e republicação
dos brilhantes artigos contidos no 

  

Alberto Turco

INICIAÇÃO À PALEOGRAFIA

Iniciação à «paleografia musical», à antiga escrita musical, é o tema do presente curso de canto gregoriano. A que nós temos nos nossos livros é uma «neografia» da escrita musical. Entre a paleografia e a neografia musical não há solução de continuidade. Não se decidiu num determinado dia passar da paleo... para a neo... -grafia, para se encontrar ainda nos livros actuais e também na música moderna - mais uma vez, não há solução de continuidade - os sinais paleográficos um pouco evoluídos. Todavia, será interessante descobrir o que da escrita evoluiu e o que mudou.
Digamos imediatamente que a notação neumática é «quironómica». O termo de origem grega χείρ = «mão» e νόμος = "regra" ou, mais provável, νευμα = «sinal», quer dizer que o gesto da mão traduz o neuma que segue a melodia. A definição de Dom E. Cardine é ainda mais significativa: «o ductus da pena desposa o ductus da voz».
É realmente verdade! Para aqueles que procuravam escrever no pergaminho tudo o que podiam - não muito, de facto! -, a sua mão seguiu a sua voz. Em palavras mais simples, a sua mão procurava exprimir o que estavam efectivamente executando. Daqui, o desenho gráfico dos «neumas»:

podatus e certamente não


Capítulo I

ORIGEM DOS NEUMAS

A origem do neumas é assaz misteriosa. Mas, crê-se - e parece lógico - que os primeiras anotadores houvesses tomados em empréstimo os sinais que então usados para a música da palavra, isto é, os sinais de acentuação. Com efeito, era a única notação musical possível, mesmo que para nós não se trata de uma verdadeira notação musical.

«Acento», do latim accentus, composto por ad e cantus, é sinónimo de sílaba acentuada, cantada acima das outras e desenhada um sinal, um acento.
Os músicos tomaram os sinais dos acentos gramaticais para escrever a música, pelo facto de que já havia na sua palavra latina este elemento cantante, o chamado «cantus obscurior». Acentos havia dois, o acento agudo e o acento grave, e não era necessário inventar um outro.
Tomaram-se estes dois acentos como sinais neumáticos. Chamam-se sinais comuns, naturaisgerais, em contraposição a tudo o que é artificial, se assim se pode dizer.
O acento "agudo" () é traçado de baixo para cima e inclinado um pouco para a direita, quando é "sangalês".
O acento "grave" deveris ser o oposto de agudo; mas de facto, tomou uma extensão mais pequena e, na maioria das vezes, foi escrito horizontalmente (). Foi escrito de "esguelha" () para indicar um grande intervalo melódico descendente de terça ou quarta.
Eis quanto podiam fazer os músicos com estes dois sotaques, que porém não marcavam os intervalos.

Com os dois sinais fundamentais dos acentos - o acento agudo que sobe e o acento grave que desce - os músicos escreveram uma boa parte da música. Mas, não somente com sinais isolados, mas também com sinais "combinados":


grave - agudo


agudo - grave


grave - agudo - grave


agudo - grave - agudo


agudo - grave - grave

grave - agudo - agudo

Neste ponto, percebem-se já os limites deste sistema. Quando há duas notas, é claro que uma é grave e a outra é aguda, a menos que estejam em uníssono. Mas quando houver duas notas graves ou duas notas agudas de seguida? Seguramente haverá uma com um segundo emprego, que não se adaptará plenamente à definição. Tudo isto é muito relativo!
Tomemos o caso da sucessão de tractulus, à qual segue virga e tractulus:

Esta escrita neumática diz-nos que os dois últimos sons são inferiores ao último dó. A virga que os precede sublinha o acento. Na hipótese do exemplo citado, o acento está em uníssono com o que o preceder. Portanto, o uníssono dos dois últimos tractulus não é o mesmo que aquele que precede a virga. Ao invés, na hipótese que a virga indique um som mais agudo que o uníssono dos tractulus precedentes, não temos modo de saber se os tractulus depois da virga coincidem com o uníssono dos que a precedem. Tudo é relativo! Uma coisa é certa: com dois sinais, não se poderão nunca meter em relevo três intervalos. É inútil procurar! É metafisicamente impossível!

O verdadeiro drama tem que ver outrossim com o significado “mensuralístico” que se quis atribuir a estes dois sinais: o tractulus, a ser interpretado como “som breve”; a virga, “som longo”. Não se sabe quando isto aconteceu; mas sabe-se que esta interpretação mensuralista dos dois sinais durou até meados do séc. XIX.

E isto poderia ter-se verificado no séc. XII e XIII, na época em que a virga e o tractulus eram ainda as unidades de base. Uma vez transferidos os neumas para a pauta musical, a diferença entre nota alta e nota baixa era evidente e, portanto, não havia mais necessidade de virga e tractulus.
Todavia, a tradição de considerar a virga e o tractulus de diferentes valores rítmicos permaneceu por longo tempo. Nas velhas edições de Solesmes existem ainda algumas notas quadradas com hastes: por exemplo, na sequência Lætabundus de Natal, em Variæ preces (p. 70). Não nos é dado porém saber se os teóricos atribuíam efectivamente a estas virga um valor mais longo que às outras!

Foram necessários as provas de Dom J. Pothier [1] e Dom A. Moquereau [2] para demonstrar o contrário.

[1] POTHIER J., Mélodies Grégoriennes d’après la tradition, 1880 (ed. italiana : Le melodie gregoriane secondo la tradizione, Tournai-Roma, 1890). No Congresso de Arezzo, em 1882, três relatos: De la virga dans les neumes (48 p.), Une petite question de grammaire à propos du plain-chant (24 p.), La tradition dans la notation du plain-chant (32 p.) : cfr. COMBE P., Histoire de la restauration du chant grégorien d’après des documents inédits, Solesmes, 1969, p. 102.

[2] MOCQUEREAU A., Les accents grammaticaux et la mélodie du discours, in «Le nombre musical grégorien ou Rythmique grégorienne», t. I, Rome, Tournai, 1908, p. 132.

Vêm mais argumentos ao caso; mas o mais convincente é o do Versicularium sangalês (cód. St. Gallen, Stiftsbibliothek 381, século XI), o manuscrito que contém os versetos dos intróitos e das communio de todo o ano.

Os versetos mostram os tons solenes. Em muitos destes tons, descobre-se que
        - a 1ª parte do verso é assinalada com virga;
        - a 2ª parte (após o asterisco), com tractulus;



O emprego diferente das duas grafias é determinado pela posição do recitativo, com referência ao movimento melódico precedente e seguinte:
Pelo exemplo do tom relatado, é impossível crer que, na primeira parte, se cantassem sílabas de dois tempos (virga) e, na segunda parte, sílabas breves (tractulus). E no entanto, músicos de igreja e presidentes do Pontifício de música sacra acreditaram e praticaram isto. É a base do mensuralismo:

        punctum = breve            virga = longa

e, por consequência, o resto:

        podatus = três tempos:  1 breve + 1 longa

Em defesa de um certo mensuralismo, os teóricos do séc. XII e XIII sustinham que a música é paragonável à poesia, onde existem pés longos e pés breves. Era efectivamente uma realidade para eles? Tratava-se duma sua invenção ou, mais provavelmente, uma tentativa de explicar como cantar música? É difícil dizê-lo!
Dom Pothier e Dom Mocquereau falam de ritmo oratório: o ritmo do canto gregoriano é o ritmo do discurso.
Portanto, virga e tractulus: dois sinais de alternância relativa, não de longueza!

A escrita sangalesa tem uma preferência pela virga: nos casos incertos, tendo que escolher, escolhe a virga.
Quando uma linha melódica sobe em modo regular, obviamente, pode indicar-se com um punctum ou tractulus, metendo uma virga no agudo para o som mais alto... ou se não apenas virgas. Bem! São Galo escolhe a virga. Por que motivo? Porque a virga oferece indicações adicionais em comparação com o punctum (tractulus).
Tomemos o seguinte texto:


Hartker (f° 25) escreve quatro virga dispostas de maneira ascendente, indicando assim uma diastemacia que poderíamos definir como "precisa", no sentido de que, quando conhecemos o que o compositor pretende, podemos segui-lo; mas quando o não sabemos, estamos seguros de nos enganarmos seguindo-o.
É preciso admitir que a virga é mais adequada que o punctum/tractulus para indicar esta diastemacia, este meter em cena das notas.
Os compositores procuraram de vários modos precisar a diastemacia da virga empregando virga de várias dimensões: cfr. exemplo seguinte, retirado do Antifonário-Gradual de Mont-Renaud, séc. X-XI, f° 73v;

ou recorrendo a letras adjuntivas de significado melódico:
s = superius: um pouco mais alto;
i = inferius: um pouco mais baixo, etc.

Isso para dizer o quão adiante tiveram que seguir! Infelizmente, os compositores não haviam inventada ainda a “linha” para indicar o uníssono. Tome-se o exemplo de Reges Tharsis, o ofertório da Epifania:

Neste exemplo, os neumistas ainda não tinham qualquer ideia da representação gráfica do uníssono. Há essa mudança de posição da segunda virga que ofusca a ideia de uma linha horizontal.
Todavia, neste exemplo, evidencia-se a diferença entre:
uma virga episemada
e o punctum tornado stropha, no estilo ornado.

Entre as duas grafias há uma diferença, não de longueza, mas de expressão.
Com o tractulus, não se podem fazer grandes coisas. Vem escrito horizontalmente ou com grafia inclinada:

A grafia inclinada do tractulus indica a descida da nota por um intervalo de terça ou de quarta.

Os «Episemas»

Venhamos ao jogo dos episemas:
- para a virga: um pequeno traço, no topo, perpendicular 
Às vezes é bastante dúbio, porque pode ser causado pelo simples relaxe da pena;
- para o tractulus, por sua vez, existem três grafias de uso:
        - a grafia no estado simples, 
        - a grafia com um episema perpendicular no fim e por vezes bastante forte, muito mais evidente que para a virga 
        - a grafia com dois episemas 

Uma redução gráfica do tractulus é assinalada com um ponto ( . ). Esta grafia encontra-se somente nalguns manuscritos, entre os quais o Cantatorium (St. Gallen, Stiftsbibliothek 359, séc. X in.), o manuscrito mais antigo, mas também o mais perfeito do ponto de vista gráfico, o mais cuidado nos detalhes. Depois disto não há se não decadência. O Cantatorium usa o pequeno punctum no estilo ornado da missa.
Laon (cód. Laon, Bibl. Mun. 239, Graduale, cerca de 930) usa o pequeno punctum mais frequentemente que São Gallo.
Cada escola tem as suas vantagens e desvantagens. Não podem ter tudo nem exprimir tudo.

(continua)

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Sessantini: o "novo" Missal italiano

Continuamos a tradução e republicação
dos esclarecedores artigos contidos no 

  

Gilberto Sessantini

O "NOVO" MISSAL

Um antigo Pároco meu, cuja memória guardo com carinho, costumava dizer que não era necessário fazer qualquer reforma litúrgica, mas que teria sido suficiente mudar a cabeça dos padres (e depois acrescentava com um sorriso: "Mais fácil dizer do que fazer"...). Certamente não era contra as disposições do Vaticano II, mas com as suas palavras queria sublinhar que não era questão de latim ou italiano, de altar voltado para o Senhor ou de altar voltado para os fiéis, mas era tudo uma questão de como se posicionava em relação à liturgia e, em primeiro lugar, como o principal responsável pela celebração, o sacerdote, encarava a liturgia. Recordei estas suas palavras porque não gostaria que se depositassem demasiadas esperanças ilusórias na publicação da nova edição italiana do Missal Romano. Lemos elogios extensos e exagerados em todas as revistas especializadas e publicações do que outrora foi chamado de imprensa católica, como se a nova edição, finalmente libertada das garras dos escritórios do Vaticano, fosse em si um acontecimento salvífico... Não. A edição do Missal Romano não é e não será a panaceia que resolve os problemas da liturgia, aliás, talvez, os destaque ainda mais. Porque, devemos dizê-lo claramente, a liturgia está em crise. E está em crise porque em crise está a fé.
Daqui resulta, como várias vezes sublinhou lucidamente Bento XVI, que também a Igreja está em crise. Melhor, a crise de uma (a liturgia) surge da crise das outras, isto é, da crise da fé da Igreja, e, vice-versa, a crise da Igreja e da sua fé deriva da crise da liturgia, num movimento de recíproca dependência e influência. Tudo isto está diante dos olhos de cada um de nós, sacerdotes e fiéis. Portanto, não será a publicação e uso de um novo Missal a resolver as coisas. É preciso que primeiro mudar de perspectiva: é preciso recuperar a fé! Como? Antes de mais, recentrando a Liturgia – e consequentemente a vida – em Deus.
Aliás, que as orações litúrgicas sejam em latim, ou em italiano na primeira, na segunda ou na terceira versão, pouco importa se não nos lembramos que são dirigidas a Deus, que nos são dadas para podermos aceder ao mistério de Deus e entrar em comunhão com Ele, que constituem para nós fonte de santificação e meio para glorificar a Deus, como ensina o Concílio.
Que a oração do Pai-nosso seja traduzida de um modo e não de outro, pouco importará, se eu não sinto necessidade da conversão dos meus pecados, se eu não sei o que é pecado, se eu não considero mais nada como pecado, se eu não creio que exista alguém que me tente, isto é, que me empurre para o pecado, e que haja Alguém a quem eu pedir para ser poupado de uma tentação superior às minhas forças.
Que seja a “ceia do Senhor” ou a “ceia (das bodas) do Cordeiro”, pouco importa se eu não sei que o que faço na liturgia aqui na terra me prepara para a mesa escatológica do Reino; se não sei que a minha pátria está no céu; se não sei que a minha perspectiva final é a ressurreição e a vida eterna...
Pouco importa, se eu já não tenho o conceito do sagrado, do diálogo com Deus, se já não acredito na presença real de Cristo no Sacramento da Eucaristia.
Pouco importa, se considero a Missa apenas como uma reunião para fazer uma festa e não retenho mais a dimensão vertical da liturgia e o facto de que dentro dela, nas palavras e nos gestos do Missal, age Deus; e age para mim.
Claro, Deus na liturgia age através da mediação do homem: não é em vão que se utilizam sinais visíveis e capazes de antecipar e significar os dons sacramentais transmitidos pelos ritos. Mas qual homem? O homem, cuja mediação é necessária, não deve ser um homem “antropocêntrico”, totalmente concentrado e virado para si mesmo, voltado exclusivamente para o “humano”, auto-referencial a tal ponto de esquecer Deus ou colocá-lo entre parênteses; mas deve ser um homem “litúrgico”, isto é, aberto a Deus, desejoso de Deus, amigo de Deus, amante de Deus (diria Santo Agostinho), temente a Deus.
Eis por que é necessário recordar que na liturgia estamos na presença de Deus e O servimos, como nos recorda uma das Orações Eucarísticas: “damos-Vos graças porque nos tornastes dignos de estar na Vossa presença a cumprir o serviço sacerdotal" (PE II ). E é necessário recordarmos que este “estar na sua presença” e este “servi-lo nos santos mistérios” pressupõe que saibamos oferecer-lhe o melhor de nós mesmos, o melhor de quem somos, o melhor do que temos. E esse “melhor” não é o que nos agrada a nós, mas sim o que Lhe agrada a Ele. Pode até ser pouco, quanto possamos oferecer-Lhe, mas o importante é que seja “o melhor e tudo” que Lhe podemos dar, e é este "melhor e tudo" que devemos esforçar-nos por Lhe dar. Caso contrário, como poderemos ser na liturgia a “voz de toda a criatura” que se une à dos anjos, tal como a própria liturgia nos convida a cantar noutra das suas Orações eucarísticas: “Inúmeras hostes de anjos estão diante de Vós para Vos servir, contemplam a glória do vosso rosto e dia e noite cantam o vosso louvor. Junto com eles também nós, tornando-nos a voz de toda a criatura debaixo do céu, confessamos o vosso nome e exultantes Vos cantamos, ó Deus Três Vezes Santo” (PE IV)?
Como se vê, há muitas outros pressupostos a serem postos de antemão em jogo. Não bastará abrir o Missal no altar e ler alguma fórmula, seja ela nova ou velha. No fundo, o Missal é só um livro, enquanto a liturgia é vida. Vida de Deus que se nos comunica. A nossa vida que se oferece a Deus em sacrifício espiritual, em união com o sacrifício redentor de Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote.

Certamente, pensando na importância que assume o Missal não só para a nossa vida de oração mas também para a nossa vida de fé, é de esperar que seja cada vez mais fruto da Igreja e não o resultado de intervenções pessoais desta ou daquele outro liturgista ou pastor, como pelo contrário pareço intuir. Obviamente que os Missais ao longo dos séculos não foram escritos por anjos, mas as intervenções, que poderemos dizer de “desenvolvimento orgânico”, foram o resultado de uma partilha amplíssima do ponto de vista teológico, litúrgico, mistagógico, um “destilado” preparado por pessoas santas que trabalharam “de joelhos”, e não o fruto de correntes, reivindicações, partidarismos, caprichos, como a crónica da elaboração desta nova tradução infelizmente se nos apresentou.
Como todas as realidades humanas, o novo Missal apresenta aspectos positivos e negativos. Entre estes últimos é impossível não inserir o aspecto tipográfico: a falta do negrito, sempre utilizado nos Missais precedentes, torna a leitura extremamente cansativa, não obstante da defesa oficial: a escolha da fonte Requiem (sic!) apenas na sua variante normal foi efectuada “porque o negrito se considera pouco elegante e sobretudo pouco útil a fim de uma maior legibilidade” [1] (sic!!!). Na realidade o novo Missal mais parece um livro para se ler à mesa ou comodamente numa poltrona, do que um livro de altar, mais um livro de liturgista do que um livro de liturgo...

[1] Paolo Tomatis, Il Messale 2020: struttura, grafica, immagini, in Rivista di Pastorale Liturgica n 341 Luglio-Agosto 4/2020, p 36.

A falta de um critério unívoco e coerente para as traduções também evidencia o vai-e-vem a que a foi submetida a redacção. Por um lado, como por exemplo nas orações, temos novas traduções que respeitam admiravelmente o original latino e a mens contida na brevidade e profundidade teológica dos termos utilizados. Por outro lado, porém, temos traduções ad sensum ou verdadeiras e próprias interpretações como no caso do famigerado “não nos abandoneis na tentação...”. Houve uma briga pela tradução de um “et” (“assim como nós”) e deixou-se andar o muito mais significativo do ponto de vista teológico “pro multis”. Da série dois pesos e duas medidas. Com efeito, no caso do novo Missal os pesos e as medidas das traduções, segundo os especialistas, são três [2] ou mesmo cinco [3]. Um filólogo teria muito a dizer.

[2] Loris Della Pietra, La traduzione 2020: pregi e criticità, in Rivista di Pastorale Liturgica n 341 Luglio-Agosto 4/2020, p 30-34.

[3[ Angelo Lameri, Il Messale italiano 2020; i criteri della traduzione, in Rivista di Pastorale Liturgica n 341 Luglio-Agosto 4/2020, p 26-29.

Por outro lado, uma tradução mais atenta ao original latino responde também a uma necessidade destacada pela CEI, a de acompanhar a introdução e utilização do novo Missal com uma catequese mistagógica. De facto, assim está escrito na Apresentação:

o livro litúrgico permanece o primeiro e essencial instrumento para a digna celebração dos mistérios, para além do mais sólido fundamento de uma eficaz catequese litúrgica... Desta consciência deriva a importância de promover e encorajar uma acção pastoral destinada a valorizar o conhecimento e o bom uso do livro litúrgico, na dúplice perspectiva da celebração e do seu aprofundamento na mistagogia”. [4]

[4] MRI 2020, p VIII.

É claro que se uma tradução é banal e utiliza uma linguagem quotidiana, será bem difícil que possa dizer algo de profundo e que nos possa introduzir nos mistérios divinos através da mistagogia desse texto; mesmo que haja algum liturgista que considere a linguagem usada nos ritos ainda muito elevada e espere superá-la criando "uma linguagem litúrgica não religiosa" (sic!) para "diminuir o hiato cada vez maior que agora vemos existir entre os textos oficiais da liturgia e a concepção de Deus e a quotidiana experiência de fé dos crentes mais maduros”. Exatamente o contrário do que se deveria fazer: não é mais a liturgia que alimenta a fé dos crentes e abre ao mistério de Deus, mas sim os crentes (atenção, porém: os "mais maduros") que, a partir da sua concepção de Deus e da sua experiência, reescrevem a liturgia da Igreja e informam a fé...

[5] Goffredo Boselli, Le nozze dell’Agnello, San Paolo Cinisello Balsamo 2020, pp. 89-90.

Chegando aos elementos que mais de perto interessam aos leitores do nosso boletim, é de sublinhar como altamente positiva a expansão do número de Antífonas de Entrada e Comunhão. O auspício, obviamente, é que se produza quanto antes a recolha completa dos textos de todas as Antífonas de Entrada, Ofertório e Comunhão, com a respectiva salmodia, de modo a podermos ter um Gradual em língua italiana, completo e de referência primária para os compositores. Um ulterior elemento significativo do novo Missal, encontramo-lo no papel do canto, em particular no canto do celebrante em diálogo com os fiéis. A Apresentação afirma também que 

a beleza da liturgia surge da harmonia de gestos e palavras com que se é envolvido no mistério celebrado” e que, como ensina o Concílio, “[a] acção litúrgica reveste-se de maior nobreza quando é celebrada de modo solene com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação activa do povo.” (SC 113); na consciência de que o canto não é um mero elemento ornamental, mas uma parte necessária e integrante da solene liturgia (SC 112) e que, na escolha das partes destinadas ao canto, é oportuno dar a preferência «às que devem ser cantadas pelo sacerdote ou pelo diácono ou pelo leitor, com resposta do povo, bem como às que pertence ao sacerdote e ao povo proferir  conjuntamente" (IGMR 40), optou-se por inserir no corpo do texto algumas melodias que remetem às fórmulas gregorianas presentes na edição italiana do Missal Romano de 1983, adequando-as aos novos textos”. [6]

[6] MRI 2020, p. VII.

Se os princípios e recomendações aqui expressas não são uma novidade, é outrossim uma novidade, e não de pouca importância, ver inseridas estas partes com a sua notação no corpo do Missal, de modo que pareça também visualmente que o canto dos ministros é parte integrante e necessária da liturgia; e ainda mais interessante é a escolha preferencial pelas melodias gregorianas, uma escolha que ancora o nosso presente nas raízes profundas do fazer litúrgico, nesta uniformização com as escolhas das outras Conferências episcopais em todo o mundo. Por outro lado, é ainda o Concílio a sublinhar o papel que o canto gregoriano tem na liturgia: “como canto próprio da liturgia romana (...) terá este, por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar.” (SC116). Se nos alegramos com a preferência dada às melodias que remetem aos módulos gregorianos, algumas perplexidades todavia ofuscam esta alegria. Em primeiro lugar, a escolha de usar o pentagrama e a notação redonda, uma escolha talvez mais ideológica do que prática, pois ao fazê-lo distanciamo-nos de uma tradição secular, empurrando ainda mais para o esquecimento o canto gregoriano que, ao invés, usa internacionalmente um seu bem preciso e testado tipo de escrita, que entre outras coisas goza de maior legibilidade e ocupa menos espaço tipográfico. De outros elementos, e melhor do que eu, tratará o artigo de Dom Alberto Turco neste mesmo número do nosso boletim.
Não nos resta mais, enfim, que acolher “in spiritu humilitatis” e em obediência quanto os ofícios da CEI nos ofereceram.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

ALBERTO TURCO | Cursos Internacionais | Verão-Outono 2024 | Itália

Canto Gregoriano - corsi estivi internazionali

FARA SABINA (Rieti)
presso il Monastero delle clarisse eremite
8 - 13 luglio 2024

PADOVA
presso l’Abbazia di Santa Giustina
26 - 31 agosto 2024

ROMA
presso il “Seraficum” Collegio francescano dei frati minori conventuali
Via del Serafico, 1
00142 Roma RM


L’ALLELUIA MELISMATICO Origine e sviluppo
25 - 27 ottobre 2024
 - Verona



Per informazioni:
International Association Vox Gregoriana
ia.voxgregoriana@gmail.com
+39 351 8377138

Mais informações em língua portuguesa:

A Associação Internacional Vox Gregoriana tem o prazer de apresentar os Cursos de Fara Sabina e Pádua, agora na sua trigésima edição. Como no ano passado, o curso inclui um triénio fundamental para principiantes, um biénio de especialização para cantores e um “Mestrado Internacional” em interpretação, reservado a maestros e especialistas.

OFERTA QUINQUENAL

- TRIÉNIO FUNDAMENTAL

I. Iniciação ao canto gregoriano
Os cantos da Missa e do Ofício
História da notação musical
A notação quadrada, elementos auxiliares
O neuma, o ritmo, a interpretação
Os tons da salmodia silábica

II. O proto-gregoriano
Recitativos litúrgicos e salmodia pré-octoecos
Repertório anterior e formas litúrgico-musicais precedentes ao séc. IX
Análise estético-modal e datação das melodias

III. Introdução à paleografia
Origem dos neumas: acentos (neuma monossónico)
Modificação dos acentos: episema e liquescência
A combinação básica do sinal de acentos nos neumas fundamentais plurissónicos

- BIÉNIO DE ESPECIALIZAÇÃO

I. Semio-modalidade
O neuma e o modo da palavra cantada, através da análise do agrupamento gráfico (corte neumático) dos elementos sonoros do neuma

II. A interpretação do canto gregoriano
 Os efeitos verbo-modais na escrita neumática e sua interpretação rítmica no "estilo verbal".

MESTRADO INTERNACIONAL

Fara in Sabina: Exposição teórico-prática do ritmo gregoriano: do estilo verbal ao estilo melismático 

Pádua: As festas marianas: origens e difusão do Proprium Missae 

Cada mestrado aceita inscrições limitadas a 10 pessoas, a fim de se executarem as peças propostas. Também se aceitam inscrições de mais participantes, na qualidade de "ouvintes". Tanto a uns como a outros serão fornecidas as peças para estudo, em fotocópia. Texto para estudo: Liber Gradualis I, Pars Festiva.

MATERIAL DIDÁCTICO
Para todos os níveis de aprendizagem, Monsenhor Alberto Turco venderá a preços reduzidos manuais, tratados, cantorais, gravações em CD/DVD, etc. durante a realização do curso.

ACESSOS, ALOJAMENTO, REFEIÇÕES

Fara in Sabina: 8 - 13 de Julho de 2024
Aeroportos de Roma (Fiumicino, Ciampino)
Comboio até à Estação Ferroviária de Fara Sabina (junta à povoação de Passo Corese)
No largo da estação, Autocarro Autolinee Troiani linhas A/B/C ou Cotral, directamente até à povoação de Fara in Sabina (Comune)
Dormidas e refeições no Mosteiro das Clarissas Eremitas, séde do curso

Pádua: 26 - 31 Agosto de 2024
Aeroportos de Milão, Veneza, Bérgamo, Bolonha, Verona, Pádua.
Comboio até à Estação Ferroviária Central de Pádua (Padova)
Largo da estação (a sul), Autocarro ou Eléctrico
Ou Caminhada de 36 minutos a pé atravessando o centro histórico da cidade até Prato della Valle
Dormidas e refeições na Abadia Beneditina de Santa Justina, séde do curso

HORÁRIOS
Início às 15h30 de 2ª feira, conclusão ao almoço de Sábado
Aulas e ensaios durante a manhã e tarde para todos os grupos
Na 6ª Feira, concerto e Missa de encerramento

CUSTOS
Transferência bancária: Inscrição 45€
No local: Curso 110€ / Masters 160€ / Alojamento e refeições 50€/dia

INSCRIÇÕES
Cada participante deverá contactar a Associação Internacional Vox Gregoriana através de correio-electrónico, facebook, ou whatsapp +393518377138, e facultar os seguintes dados:

FORMULÁRIO DE APLICAÇÃO
Sobrenome____________________________________
Primeiro nome_________________________________
Nacionalidade_________________________________
Rua___________________________________________
Código Postal / Cidade__________________________
Província_____________________________________
Tel. _________________ celular. __________________
E-mail_______________________________________
Inscrevo-me no seguinte curso:
TRÊS ANOS FUNDAMENTAIS
I. Iniciação ao canto gregoriano __
II. O proto-gregoriano __
III. Introdução à paleografia __
ESPECIALIZAÇÃO DE DOIS ANOS
I. Semio-modalidade __
II. A interpretação __
MESTRADO INTERNACIONAL
Efectivo __ Ouvinte __

sábado, 17 de outubro de 2020

Os boletins do Centro "Jean Claire" de Verona

São publicados na página do Facebook desta associação italiana fundada e dirigida pelo Monsenhor Alberto Turco em homenagem a um seu mestre francês. Para saber mais sobre a associação, existe igualmente o sítio permanente.

Os boletins publicam-se a cada quatro meses (quadrimestrais) e apresentam curtos artigos em língua italiana da autoria de entendidos estudiosos do canto gregoriano. Todos eles se encontram na rede social da organização e podem também pedir-se em PDF para o seu email: gregorianavox@gmail.com . De seguida um breve elenco dos assuntos nos boletins já publicados:

2019 - 0
Sessantini: é necessário unir todos os que estudam o canto gregoriano e exigir elevada qualidade científica ao seu trabalho.

2019 - 1
Turco: Sobre a oscilação entre os modos de re e mi e uma crítica a opções de restituição melódica no Graduale Novum.

2019 - 2
Sessantini: o nº 116 da Sacrosanctum Concilium do Concílio Vaticano II ou o que significa ser o canto gregoriano próprio da liturgia romana.
Repeto: crítica a livro de Rampi e De Lillo.

2019 - 3
Bellinazzo: origem dos próprios das Missas do Natal.
Turco: a colocação do qüilisma no scandicus.

2020 - 1
Turco: reconstituição da antífona Immutemur habitu para a 4ª Feira de Cinzas.
Repeto: crítica a livro de De Lillo.

2020 - 2
Sessantini: o que significa «ceteribus paribus».
Turco: especificidades dos ofertórios das solenidades pascais.

2020 - 3
Turco: crítica às opções melódicas de alguns toni communes e símbolo apostólico no Graduale Novum.

2021 - 1
Sesantini: o "novo" missal.
Turco: o canto do celebrante.

2021 - 2

2021 - 3

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Os que puderem não deixem de frequentar o curso virtual de Monsenhor Alberto Turco nas próximas semanas:

Actualização: cursos de verão 2023.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Sequência portuguesa "Terra, exulta de alegria"

Nota prévia: para a correcta interpretação do canto gregoriano, recomendam-se os cursos com o maestro Alberto Turco.

É particularmente feliz o Missal de língua portuguesa na tradução da sequência para a Solenidade dos Santíssimos Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, mais conhecida por Corpo de Deus:

Terra, exulta de alegria,
Louva o teu pastor e guia,
Com teus hinos, tua voz.

Quanto possas tanto ouses,
Em louvá-l’O não repouses:
Sempre excede o teu louvor.

Hoje a Igreja te convida:
O pão vivo que dá vida
Vem com ela celebrar.

Este pão – que o mundo creia –
Por Jesus na santa Ceia
Foi entregue aos que escolheu.

Eis o pão que os Anjos comem
Transformado em pão do homem;
Só os filhos o consomem:
Não será lançado aos cães.

Em sinais prefigurado,
Por Abraão imolado,
No cordeiro aos pais foi dado,
No deserto foi maná.

Bom pastor, pão da verdade,
Tende de nós piedade,
Conservai-nos na unidade,
Extingui nossa orfandade
E conduzi-nos ao Pai.

Aos mortais dando comida,
Dais também o pão da vida:
Que a família assim nutrida
Seja um dia reunida
Aos convivas lá do Céu.


Não apenas traduz o sentido do original latino como também obedece à mesma estrutura métrica e estrófica, podendo portanto cantar-se com a exacta melodia gregoriana Lauda Sion salvatorem...




Foi o que se fez na seguinte partitura, que fica livre para descarga (PDF):

Curiosamente a versão latina é bem mais longa, tendo 24 estrofes em vez destas 7, o que explica a nota do Leccionário, certamente traduzida de uma edição vaticana:

Esta sequência é facultativa e pode dizer-se na íntegra ou em forma mais breve, isto é, desde as palavras: Eis o pão...

Eis aqui a mesma nota no Ordo cantus Missae (1988) para a forma ordinária do rito romano:

Na qual já agora pode ler-se que a sequência deve ser lida após ("post") a Alleluia. Na verdade, isto aplica-se a todas as sequências no rito romano (cfr. ponto 8 da secção II das praenotanda do mesmo Ordo), uma vez que na sua origem eram tropos acrescentados ao fim (do verso) da Aleluia.


Saiba mais sobre os cânticos do Corpus Christi.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Digitalização do Missale Bracarense

Chamamos a atenção para a iniciativa de angariação de fundos do Marco da Vinha, autor do blog Alma bracarense, que descobriu um exemplar do Missal Bracarense na edição típica de há 100 anos, e necessita de dinheiro para comprá-lo, digitá-lo e disponibilizá-lo gratuitamente em linha.

Para doar por favor ide à página de crowd funding.

A propósito, já alguma vez olhou para os manuscritos musicais de Braga?

Obrigado,


Por favor comentai dando a vossa opinião ou identificando elos corrompidos.
Podeis escrever para:

capelagregorianaincarnationis@gmail.com

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