domingo, 6 de março de 2011

Divini cultus sanctitatem (1928), do Papa Pio XI

Pio XI.
O presente texto é uma tradução não-oficial
baseada numa versão em língua castelhana
e bem suprida de utilíssimas notas
a que
chegámos através dos brasileiros da
Missa Gregoriana (Tridentina)
. Pedimos
a vós leitores o encarecido favor de nos
fornecerdes uma tradução portuguesa
oficializada, na net ou em papel, que até
agora nos tem passado desapercebida;
se não, que nos corrijais quaisquer erros
no texto e o confrontais com o latim
disponível na Santa Sé. Muito obrigados.
PIO, BISPO,
SERVO DOS SERVOS DE DEUS,
PARA PERPÉTUA MEMÓRIA DA COISA


CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA
DIVINI CULTUS SANCTITATEM
A.A.S., vol. XXI (1929), n. 2, pp. 33-41
SOBRE LITURGIA, CANTO GREGORIANO E MÚSICA SACRA, A CADA DIA QUE PASSA MAIS PROMOVIDOS

Veneráveis Irmãos,
Saudação e Benção Apostólica.


O DOGMA, A LITURGIA E A ARTE

Autoridade da Igreja sobre assuntos litúrgicos (1)
Havendo a Igreja recebido do seu fundador Jesus Cristo o encargo de velar pela santidade do culto divino, tem indubitavelmente autoridade, deixando sempre a salvo o substancial do Sacrifício e dos Sacramentos, para prescrever tudo aquilo que sirva para regular dignamente o dito augusto ministério público, concretamente em relação às cerimónias, ritos, fórmulas, preces e canto, cujo conjunto recebe o nome especial de Liturgia, ou seja a acção sagrada por excelência.

A Liturgia e a sua união com o dogma e a vida
É verdadeiramente coisa sagrada a liturgia, não só como elevação e união das almas até Deus, mas também como testemunho das nossas fé e gravíssima dívida que para com Deus temos pelos benefícios recebidos e dos quais sempre necessitamos. Daqui a íntima união que há entre o dogma e a liturgia, semelhante àquela entre o culto cristão e a sanctificação do povo. Por isso, Celestino I ensinava já que o canon da fé se encontrava expreso nas venerandas fórmulas da liturgia, e escrevia: «As normas da fé ficam estabelecidas pelas normas da oração. Os pastores da grei cristã desempenham a missão que se lhes há encomendado, e, portanto, advogam ante a divina clemência pela causa do género humano, e quanto pedem e oram, fazem-no acompanhados dos gemidos de toda a Igreja»(2).

Participação do povo na Liturgia e no Canto, antigamente
Estas orações colectivas, que primeiro se chamaram opus Dei(3), e depois officium divinum, como dívida que devia ser paga diàriamente ao Senhor, durante os primeiros séculos da Igreja, faziam-se de dia e de noite com grande concurso de fiéis. E é indizível o quão admiravelmente ajudavam aquelas ingénuas melodias, que acompanhavam a sagradas preces e o Santo Sacrifício, a incendiar a piedade cristã no povo. Foi então, especialmente nas vetustas basílicas, onde Bispos, Clero e povo se alternavam nos divinos louvores, quando, como reza a História, muitos dos bárbaros se educaram na civilização cristã. Ali, no templo, era onde o própio opressor da família cristã sentia melhor o valor e a eficácia do dogma da comunhão dos santos. Assim, o Imperador ariano Valente ficou como que anonadado [=chocado] ante a majestade com que São Basílio celebrou os divinos mistérios; e em Milão os herejes acusavam Santo Ambrósio de enfeitiçar as turbas com o canto dos seus himnos litúrgicos; e o certo é que aqueles mesmos himnos comoveram tanto Santo Agostinho que o fizeram decidir-se a abraçar a fé de Cristo. Foi também nas igrejas, onde quase todos os cidadãos formavam como que um imenso coro, o sítio em que os próprios artistas, arquitectos, pintores, escultores e literatos aprenderam da liturgia aquele conjunto de conhecimentos teológicos que hoje tanto resplandecem e se admiram nos insignes monumentos da Idade Média.

A Igreja fomentou sempre a vida litúrgica
Por aqui se acaba de ver por quê os Romanos Pontífices mostraram tão grande solicitude em fomentar e proteger a Liturgia sagrada; e assim como puseram tanto cuidado em expressar o dogma com palavras exactas, também se aplicaram a pô-lo nas sagradas normas da liturgia, defendendo-as e preservando-as de adulteração. Por isso, também se constata que os Santos Padres comentaram a liturgia nas suas homilias e escritos, e o Concílio de Trento quis que aquela fosse exposta e explicada ao povo cristão.

MOTU PROPRIO DE PIO X E O CENTENÁRIO DE GUIDO DE AREZZO

Pio X impulsionou há 25 anos o movimento litúrgico
No que toca aos tempos modernos, o Sumo Pontífice Pio X, de feliz memória, ao promulgar há vinte e cinco anos o Motu proprio sobre a música sacra e o canto gregoriano, propôs-se como fim principal fazer que reflorescesse e se conservasse nos fiéis o verdadeiro espírito cristão, tendendo com oportunas ordens e sábias disposições a suprimir quanto pudesse opôr-se à dignidade do templo, onde os fiéis se reúnem cabalmente para beber desse fervor de piedade na sua primeira e indispensável fonte que é a participação activa nos sacrossanctos mistérios e na oração solemne da Igreja. Importa, portanto, muitíssimo que quanto seja ornamento da sagrada liturgia esteja contido nas fórmulas e nos limites impostos e desejados pela Igreja, para que as artes, como é seu dever essencial, sirvam verdadeiramente como nobilíssimas servas ao culto divino; o qual não redundará em seu, mas antes bem dará maior dignidade e esplendor ao desenvolvimento das artes elas mesmas, no lugar sagrado.

A música sacra e o canto, coadjuvantes na renovação litúrgica
Isto viu-se realizado e confirmado de maravilhosa maneira no que atem à música e ao canto litúrgicos, posto que onde se observaram e cumpriram integralmente as disposições de Pio X se logrou a restauração das mais dilectas formas de arte e o consolador reflorescimento do espírito religioso, já que o povo cristão, compenetrado por um mais profundo sentimento litúrgico, começou a tomar parte mais activa no rito eucarístico, na oração pública e na salmodia. E Nós mesmos fizemos uma consoladora confirmação do facto, quando no primeiro ano do Nosso Pontificado um imenso coro de clérigos de todas as nações acompanhou com melodias gregorianas o solene acto litúrgico celebrado por Nós na Basílica Vaticana.

As normas de PIO X
Fere-Nos, todavia, advertir que as sábias disposições do Nosso antecessor não obtiveram em todas as partes a aplicação devida, e por isso não se obtiveram as melhoras esperadas. Sabemos, com efeito, que alguns pretenderam não estar obrigados à observância daquelas disposições e leis, não obstante a solemnidade com que foram promulgadas; que outros, depois dos primeiros anos de feliz emenda, voltaram insensivelmente a permitir certo género de música que deve ser totalmente desterrado do templo; e, finalmente, que em alguns sítios, por ocasião principalmente de comemorações centenárias de ilustres músicos, procuraram pretextos para interpretar composições que, ainda sendo formosas em si mesmas, não correspondem nem à majestade do lugar sagrado, nem à santidade das normas litúrgicas, e por tanto não devem ser interpretadas nas Igreja.

Motivo da Constituição: O Motu Proprio e o Centenário de Arezzo
Assim, pois, precisamente para que o povo e o clero obedeçam em diante com mais exactidão às normas impostas por Pio X a toda a Igreja, agrada-nos aqui dar algumas singulares disposições, sugeridas pela experiência de vinte e cinco anos. E isto fazemo-lo com tanto maior gosto, quanto que este ano, ademais de se cumprir o primeiro quarto de século da citada restauração da música sacra, se celebra também o centenário do monge Guido De Arezzo(4), o qual, chamado a Roma pelo Sumo Pontífice, faz hoje cerca de novecentos anos que expôs os felizes resultados do sistema por ele habilmente inventado para fixar, conservar e divulgar mais facilmente e com maior esplendor da Igreja e da Arte aquela melodia litúrgica que tem a sua origem nos primeiros dias do Cristianismo. No glorioso templo Lateranense, primeiro lugar onde São Gregório Magno, coleccionando, ordenando e aumentando o tesouro da monódia sagrada(5), herança e monumento dos Santos Padres [da Igreja], instituiu a famosa Schola que haveria de perpetuar a interpretação genuína e tradicional dos cantos litúrgicos, ali mesmo o monge Guido fez a primeira experiência do seu invento, diante do clero de Roma, e na presença do mesmo Sumo Pontífice, o qual, aprovando e elogiando a inovação, procurou que esta se pudesse pouco a pouco difundir por todas as partes, com imensas vantagens para todo o género de música.

Anúncio de novas normas
Por isso a todos os Bispos e Ordinários, a quem corresponde de modo singular a custódia [=guarda] da liturgia e o cuidado das artes sacras no templo, lhes prescrevemos aqui algumas normas, como resposta aos inumeráveis votos que de todos os Congressos de Música, e especialmente do celebrado faz pouco tempo em Roma, nos enviaram muitos sagrados Pastores e ilustres heraldos da restauração musical, a todos os quais tributamos aqui o merecida homenagem. E prescrevemos que estas normas se cumpram e observem segundo os meios e métodos mais eficazes, que em seguida descriminamos.

A PARTE DISPOSlTIVA

Cultura musical nos Seminários
I. Quem quer que deseje iniciar-se no ministério sacerdotal, não só nos Seminários, mas também nas casas religiosas, seja instruído no canto gregoriano e na música sacra desde os primeiros anos da sua juventude, a fim de que em tal idade possa mais facilmente aprender quanto se refere ao canto e à melodia, e ademais lhe seja menos dificultoso suprimir ou modificar defeitos naturais, se por casualidade deles padecer, os quais seria impossível remediar depois, em idade mais adulta. Iniciando-se assim esta aprendizagem do canto e da música desde as classes elementares, e prosseguido-a no ginásio e no liceu, os futuros sacerdotes, feitos já, sem sequer se darem conta disso, temperados cantores, poderão receber sem fadiga nem dificuldade a cultura superior que bem pode chamar-se de estética da melodia gregoriana e da arte musical, da polifonia e do órgão, conhecimentos que se tornaram hoje tão convenientes à cultura do clero.

Teoria e prácticas frequentes
II. Portanto, assim nos Seminários como nos demais institutos de educação eclesiástica, haja uma breve mas frequente e quase diária lição ou execução do canto gregoriano e da música sacra, lição que, se é dada com espírito verdadeiramente litúrgico, servirá mais de alívio que de pêsame para os alunos depois das fatigantes horas de outras aulas e estudos severos. Esta mais completa e perfeita educação litúrgico-musical do clero conseguirá, sem dúvida, que se recupere o seu antigo esplendor e dignidade o ofício do coro [chorale officium], que é parte principal do culto divino [quod pars est divini cultus praecipua]; e assim mesmo conseguirá que nas Escolas e Capelas musicais [scholae et capellae musicorum] renasça a sua antigua glória e grandeza.

O OFÍCIO CORAL

III. Todos aqueles que estejam à frente de Basílicas, Igrejas Catedrais, Colegiatas e Conventos de religiosos, ou que de qualquer modo pertençam a elas, devem empregar todo o seu esforço a fim de que se restaure o chorale officium segundo as prescripções da Igreja; não só em quanto é de preceito genérico, como rezar sempre o oficio divino com dignidade, atenção e devoção [digne, atente et devote], mas também em quanto concerne à arte do canto: posto que na salmódia se deve atender ora à precisão dos tons com as suas próprias cadências médias e finais, ora à pausa conveniente do asterisco, ora, por fim, à plena concórdia na recitação dos versículos salmódicos e das estrofes dos hinos. Porque, se tudo isso se cumprir nos seus mínimos pontos, salmodiando todos perfeitamente, não só demonstrarão a unidade dos seus espíritos, aplicados aos louvores de Deus, mas também no equilibrado alternar de ambas as alas do coro parecerão emular a laude eterna dos Serafins, que em voz alta cantam alternadamente: "Santo, Santo, Santo" [Sanctus, Sanctus, Sanctus].

Pessoa responsável pela Liturgia e pelo canto

IV. A fim de que em diante ninguém possa alegar desculpas ou pretextos para se achar dispensado da obrigação de obedecer às leis da Igreja, todos os Capítulos e Comunidades religiosas deveram tratar destas disposições em oportunas reuniões periódicas. E, assim como noutro tempo havia um cantor ou mestre de coro, assim também no futuro haja em todos os coros, tanto de canónicos como de religiosos, uma pessoa competente que vele pela observância das regras litúrgicas e do canto coral, e corrija na práctica os defeitos de todo o coro e de cada um dos seus componentes.

Insistência no canto gregoriano autêntico
E aqui é oportuno recordar que por antiga e constante disciplina da Igreja, como também em virtude das mesmas Constituições Capitulares, hoje todavia vigentes, é necessário que todos quantos estejam obrigados ao ofício coral conheçam, ao menos na medida conveniente, o canto gregoriano, ao qual hão de ajustar-se todas as Igrejas, sem exceptuar nenhuma, entenda-se só àquilo que tiver sido restituído à fidelidade dos antigos códices, e já dado pela Igreja como edição autêntica [vaticanis typis].

CAPELLAE MUSICORUM E SCHOLAE PUERORUM CANTORUM

Capelas musicais
V. Também nos queremos dirigir aqui a todos aqueles a quem as Capelas musicais [Capellas musicorum] concernem, como sendo aquelas que sucedendo no decurso dos tempos às antigas scholae se instituiram para este fim em Basílicas e nas Igrejas maiores, e as quais se ajustaram especialmente à polifonia sacra, que, a este propósito, costuma com toda a razão merecer a preferência depois das venerandas melodias gregorianas sobre todo e qualquer outro género de música eclesiástica. Por isso, desejamos Nós ardentemente que tais Capelas, tal como floresceram desde o século XIV ao XVI, assim também se restaurem, especialmente onde quer que a maior frequência e esplendor do culto divino exijam maior número e mais requintada selecção de cantores.

As Escolas de meninos devem formar-se em todas as Igrejas
VI. Quanto às scholae puerorum, devem ser fundadas não só nas igrejas maiores e Catedrais, mas também nas igrejas menores e paroquiais; os meninos cantores serão educados no canto por mestres de capela, para que as suas vozes, segundo o antigo costume da Igreja, se unam aos coros viris, sobretudo quando na polifonia sacra lhes é confiada, como sucedeu sempre, a parte de soprano [suprema voce], ou também do cantus. Dos meninos do coro, sobretudo no século XVI, saíram, como é sabido, os melhores compositores de polifonia clássica, sendo o primeiro de todo eles o grande Pier Luigi da Palestrina [Ioannes Petrus Aloisius Praenestinus].

A MÚSICA INSTRUMENTAL E O ÓRGÃO

A voz humana deve ressoar no templo
VII. E porque sabemos ser verdade que nalguma região se tenta fomentar de novo um género de música não de todo sagrada por causa especialmente do imoderado uso dos instrumentos, Nós cremo-Nos aqui no dever de afirmar que não é o canto com acompanhamento de instrumentos o ideal para a Igreja; pois à frente do instrumento está a voz viva que deve ressoar no templo, a voz do clero, a dos cantores e a do povo; e não se pense que a Igreja se opõe ao florescimento da arte musical quando procura dar a preferência à voz humana sobre todos os outros instrumentos, porque nenhum instrumento, nem ainda o mais delicado e perfeito, poderá alguma vez competir em vigor de expressão com a voz humana, sobretudo quando dela se serve a alma para orar e louvar ao Deus omnipotente.

O tradicional instrumento da Igreja: o órgão
VIII. A Igreja tem ademais o seu tradicional instrumento musical; referimo-nos ao órgão, que pela sua maravilhosa grandiosidade e majestade foi considerado digno de se enlaçar com os ritos litúrgicos, ora acompanhando ao canto, ora durante os silêncios dos coros e segundo as prescrições da Igreja, difundindo suavíssimas harmonias. Mas também nisto há que evitar essa mescla de sagrado e de profano, que devida por um lado a modificações introduzidas pelos constructores organeiros, e por outro a novidades musicais de alguns organistas, vai ameaçando a pureza da santa missão a que o órgão está destinado a realizar na Igreja.

Perigos do modernismo musical
Também Nós desejamos que, salvas sempre as normas litúrgicas, se desenvolva cada dia mais, e receba novos aperfeiçoamentos o quão se refere ao órgão. Não podemos contudo deixar de lamentarmo-nos de que, assim como acontecia noutros tempos com géneros de música que a Igreja com razão reprovou, assim também hoje se tente com moderníssimas formas voltar a introduzir no templo o espírito de dissipação e de mundanidade. Se tais formas começassem novamente a infiltrar-se, a Igreja não tardaria um segundo a condená-las. Ressoem de novo nos templos só aqueles acentos do órgão que estão em harmonia com a majestade do lugar e com o santo perfume dos ritos. Somente assim a arte do órgão reencontrará o seu caminho e o seu novo esplendor, com vantagem verdadeira para a liturgia sagrada.

A PARTICIPAÇÃO DO POVO

O povo de espectador deve passar a parte activa no canto litúrgico
IX. A fim de que os fiéis tomem parte mais activa no culto divino, restitua-se para o povo o uso do canto gregoriano, no que ao povo tocar. É necessário, na verdade, que os fiéis, não como estranhos ou mudos espectadores, mas verdadeiramente compreendedores e compenetrados da beleza da Liturgia, assistam às sagradas funções de tal modo que alternem a sua voz - segundo as devidas normas e instruções, mesmo em procissões e outros momentos solenes -, com a voz do sacerdote e a do coro. Porque, se isto felizmente suceder, não haverá já mais que lamentar esse triste espectáculo em que o povo nada responde, ou apenas responde com um murmúrio fraco e confuso às orações mais comuns expressas na língua litúrgica e até em língua vulgar.

Ensino generalizado da música litúrgica
X. Apliquem-se activamente um e outro Clero, com a guia e através do exemplo dos Bispos e Ordinários, a fomentar, quer directamente, quer por meio de pessoas entendidas, esta catequese [institutionem] litúrgico-musical do povo, como coisa que está tão estreitamente unida à doutrina cristã. E isso será mesmo fácil de obter se esta instrução no canto litúrgico se der principalmente nas escolas, congregações piedosas e outras associações católicas. Deste modo sejam as comunidades de religiosos, de monjas e instituições femininas zelosas por conseguir este fim nos diversos estabelecimentos de educação que lhes estão confiados. Igualmente confiamos que ajudarão não pouco a este fim as associações [societates] que nalgumas regiões, e acatando sempre as autoridades eclesiásticas, dediquem toda a sua inteligente acção a restaurar a música sagrada segundo as normas da Igreja.

Formação musical. Institutos de música
XI. Para alcançar estes ditosos frutos, é indubitavelmente necessário que haja maestros, e  que estes sejam muitíssimos. A este propósito, não podemos deixar de tributar as devidas exaltações àquelas Scholae e Institutos de Música fundados em muitas partes do mundo católico, pois, ensinando com todo o esmero e diligência as musicais disciplinas, formam sábios e meritíssimos maestros. Mas de maneira especialíssima queremos Nós aqui recordar e enaltecer a Escola Superior de Música Sacra(6), instituição fundada por Pio X em Roma no ano de 1910. Esta Escola, que o nosso imediato antecessor Bento XV fervorosamente protegeu, e à qual doou um novo e decoroso [=honroso] domicílio, também mereceu que Nós lhe outorgássemos o nosso especial favor, enquanto preciosa herança que nos deixaram dois Papas; e por isso a recomendamos calorosamente a todos os Ordinários do mundo.

Música sagrada maravilhosa do passado e vida interior
Bem sabemos quanta inteligência e trabalho requer tudo o que acima ordenámos. Mas quem não conhecerá as insignes obras mestras que deixaram à posteridade os Nossos Predecessores sem se deixarem arredar por dificuldade alguma, e isso cabalmente porque estavam imbuídos do fervor da piedade e do espírito litúrgico? E isto não é de espantar, pois tudo o que emana da vida interior da Igreja transcende os mais perfeitos ideais desta vida terrena. A dificuldade, pois, desta santíssima empresa, em vez de abater, deve muito mais excitar e elevar os ânimos dos Sagrados Pastores. Todos os quais, secundando concorde e constantemente a nossa vontade, prestarão ao Bispo supremo uma cooperação digníssima do seu ministério episcopal.

Decreto
Tudo isto Nós proclamamos, declaramos e sancionamos, decretando que esta Constituição Apostólica seja e permaneça sendo sempre de pleno valor e eficácia, obtenha o seu efeito pleno, sem que obste nada em contrário. A nenhum homem, pois, lhe será lícito infringir esta Constituição por Nós promulgada, nem contradizê-la com temerária audácia.

Dado em São Pedro de Roma, no quinquagésimo aniversário do nosso sacerdócio, dia 20 de Dezembro de 1928, séptimo do nosso Pontificado.

FR. ANDREAS Card. FRÜHWIRTH,
Cancellarius S. R. E.
CAMILLUS Card. LAURENTI
S. R. C. Pro Praefectus

Ioseph Wilpert, Decanus Collegii Protonotariorum Apost.
Dominicus Spolverini, Protonotarius Apostolicus.

Notas (ausentes da versão latina)

(1) O Motu Proprio deve considerar-se como uma recompilação de leis já dadas no transcurso dos séculos; a Constituição Apostólica, documento de importância e alcance gerais, em forma de Bula, é uma nova lei, um acto legislativo como por exemplo a erecção de um bispado, a nomeação de um bispo, a promulgação de uma lei, e exige o cumprimento das disposições do Motu Proprio. Este, sendo "instrução", dirige-se principalmente às pessoas que hão de executar a música sacra e logo aos que hão de vigiar a sua execução. A Constituição Apostólica, não obstante, sendo lei, é dirigida directamente aos  Bispos - porquanto estes representam nas suas respectivas dioceses a autoridade, o poder executivo, e são, em primeiro lugar, responsáveis pela aplicação das leis eclesiásticas -, e obriga, naturalmente, também todos os fiéis, ainda que de forma indirecta. Por conseguinte, este documento, não se ocupa tanto da música sacra enquanto tal como dos problemas de organização, assinalando os meios necessários e convenientes pelos quais se chega a lograr a finalidade proposta  pelo Motu Proprio de Pio X, de cuja publicação se celebrou, no ano de 1928, o 25º aniversário. (P. L.).

(2) Epist. ad Episcopos Galliarum, Migne, Patrol. lat. 50, 535.

(3) "Obra de Deus" e "Ofício Divino" são termos que se empregam para significar as orações obrigatórias que o sacerdote deve elevar diariamente a Deus. São Bento, o patriarca dos monges do Ocidente, consagrou esses termos na sua Regra.

(4) Guido De Arezzo, italiano (991-1033?), Teórico da música. Conhecido também com o nome de Guido Aretinus, foi um monge benedictino que ficou na história da música como um dos mais importantes reformadores do sistema de notação musical. Depois de ter terminado os estudos na abadia benedictina de Pomposa, em Ferrara, em cerca de 1025 ingressou como maestro na escola catedralícia de Arezzo, onde sobressaiu no ensino da arte vocal e escreveu o seu tratado principal, o Micrologus de disciplina artis musicae. Em 1029 retirou-se para o convento de Avellana, no qual possivelmente terá morrido em data imprecisa. A Guido De Arezzo se deve a fórmula que permite memorizar a entoação precisa das notas do hexacordo maior, cuja nomenclatura (Ut ou Do, Re, Mi, Fa, Sol, La) extraído das sílabas iniciais de cada hemistíquio do hino de São João Ut queant laxis. A nota Si formou-se quase um século e meio mais tarde com as maiúsculas do último verso. Ut foi sustituída no século XVII por Do, mais fácil de pronunciar (ainda que em França se continue a chamar por igual nome).

(5) Monódia: Mús. Canto a uma só voz.

(6) A Escola Superior de Música Sacra foi fundada sob esta denominação em 1910 pela Associação Italiana de Santa Cecília. Abriu a 3 de Janeiro e S. S. Pío X aprovou-a com o Breve "Expleverunt" de 4 de Novembro de 1911. A 10 de Julho de 1914, com Rescrito da Secretaria de Estado, S. S. declarou-a "Pontifícia" e outorgou-lhe a faculdade de conferir os graus. O Sumo Pontífice Bento XV outorgou-lhe como residência o Palácio do "Apollinare". S. S. Pío XI confirmou a faculdade de conferir os graus académicos, com o Motu Proprio de 22 de Novembro de 1922. Hoje intitula-se Instituto Pontifício de Música Sacra. Pio X dirigiu a "Epístola" Expleverunt desiderii Nostri, 4-XI-1911 ao Cardeal Rampolla um ano depois da fundação da Escola Superior de Música Sagrada; AAS. 3 (1911) 654-655; o Motu Proprio de Pio XI Ad musicae sacrae, de 22-XI-1922 acha-se na AAS. (1920) 623-626; a faculdade de conferir títulos académicos vai no núm. V das disposições. AAS. 14, 625.

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