Nota: chegámos a estas palavras do Papa através do sítio dos Cantori Gregoriani (cf. video infra), mais concretamente através da leitura de um texto ao qual havemos de dedicar mais atenção.
«Para [São] Bento [de Núrsia], valem como regra determinante para a oração e para o canto dos monges estas palavras do Salmo: Coram angelis psallam Tibi, Domine: «Na presença do anjos Vos hei-de cantar, Senhor» (cf. 138,1). Aqui se exprime a consciência de, na oração comunitária, cantar na presença de toda a cohorte celeste e, consequentemente, de estar sujeito ao critério supremo: rezar e cantar de modo a poder unir-se à música dos espíritos sublimes, considerados os autores da harmonia do cosmos, da música das esferas celestiais. Partindo daqui, é possível compreender a severidade de uma meditação de São Bernardo de Claraval, que usa uma palavra da tradição platónica, transmitida por Sto. Agostinho, para julgar o canto mal executado pelos monges, coisa que, na sua perspectiva, não era, de modo algum, de somenos. S. Bernardo qualifica a cacofonia de um canto mal executado como uma queda na «zona da dissemelhança», na regio dissimilitudinis. Sto. Agostinho tomara esta palavra da filosofia platónica para caracterizar o estado em que a sua alma se encontrava antes da sua conversão (cf. Confissões, VII 10.16): o homem, ser criado à semelhança de Deus, cai, em consequência do seu abandono de Deus, na «zona da dissemelhança», num afastamento de Deus, de tal ordem que deixa de ser Seu reflexo, tornando-se não apenas dissemelhante de Deus, mas também da sua verdadeira natureza de homem. S. Bernardo é, evidentemente, severo ao recorrer a esta expressão, que indica a queda do homem para longe de si mesmo, para qualificar o canto mal executado pelos monges, mas demonstra a que ponto leva o assunto a sério. Demonstra que a cultura do canto é também cultura do ser, e que os monges, com as suas orações e cânticos, devem corresponder à grandeza da Palavra que lhes está confiada, ao seu imperativo de verdadeira beleza. Desta exigência cardeal de falar com Deus e de O cantar com as palavras que Ele mesmo doou, nasceu a grande música ocidental. Não se tratava de uma obra da «criatividade» pessoal, com a qual o indivíduo, tomando como critério essencial a representação do seu próprio eu, ergue um monumento a si próprio. Tratava-se, isso sim, de reconhecer intimamente, com os «ouvidos do coração», as leis constitutivas da harmonia musical da criação, as formas essenciais da música impressas pelo Criador no mundo e no homem, e criar, desse modo, uma música digna de Deus, que seja, ao mesmo tempo, verdadeiramente digna do homem e que proclame de modo elevado a sua dignidade.»Nota: tradução do original francês a partir da tradução portuguesa do sítio da Santa Sé, que nos pareceu pouco correcta e deselegante.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Publicação sujeita a aprovação prévia pela administração do blog.