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O
Papa Pio XII |
Este documento vem atestar as união e continuidade dos
sucessivos Pontificados - entre os quais o do Papa S.
Pio X, autor do já nosso conhecido
Tra le sollecitudini -
anteriores ao Concílio Vaticano II, e reveste-se de grande
utilidade para edificação e esclarecimento dos
cantores de
hoje a respeito dos objectivos da reforma litúrgica
ratificada na década de 1960. Dentre as variedade e profundidade dos
assuntos abordados, destacaríamos após uma 1ª leitura apressada:
- a breve história da música sacra e sua ininterrupta
tradição ao longo dos séculos, não obstante a inculturação aos vários
povos e seus ritos específicos, e a criação de novos cânticos
inspirados nos antigos;
- o valor apostólico do músico litúrgico enquanto facilitador
da participação activa e consciente nos mistérios sagrados, e a sua
justa recompensa em Cristo;
- a importância da música, tanto da local como da gregoriana,
nos territórios pagãos em Missão;
- o valor nobilíssimo da música em relação às outras artes
sacras, por serem estas meras circunstâncias da liturgia, enquanto
aquela é-a na essência;
- a necessidade de sujeição e obediência do artista à lei
divina, e à da Santa Sé;
- a destrinça entre música sacra litúrgica e
não-litúrgica, e os seus altos valores
respectivos e diferentes;
- considerações prácticas relacionadas com a
formação musical dos cantores e
Presbíteros a serem tomadas em conta pelos Senhores Bispos nas
suas dioceses.
Aos veneráveis irmãos Patriarcas,
Primazes,
Arcebispos, Bispos e outros Ordinários de lugar,
em paz e comunhão com a Sé Apostólica
INTRODUÇÃO
1. Sempre tivemos sumamente em
consideração a disciplina da música sacra; donde haver-nos parecido
oportuno tratar ordenadamente dela, e, ao mesmo tempo, elucidar com
certa amplitude muitas questões surgidas e discutidas nestes últimos
decênios, a fim de que esta nobre e respeitável arte contribua cada vez
mais para o esplendor do culto divino e para uma mais intensa vida
espiritual dos fiéis. Quisemos, a um tempo, vir ao encontro dos votos
que muitos de vós, veneráveis irmãos, na vossa sabedoria, exprimistes,
e que também insignes mestres desta arte liberal e exímios cultores de
música sacra formularam por ocasião de Congressos sobre tal matéria, e
ao encontro também de tudo quanto a esse respeito têm aconselhado a
experiência da vida pastoral e os progressos da ciência e dos estudos
sobre esta arte. Assim, nutrimos esperança de que
as
normas sabiamente fixadas por São Pio X no documento por ele com toda
razão chamado "código jurídico da música sacra"(1)
serão novamente confirmadas e inculcadas, receberão nova luz, e serão
corroboradas por novos argumentos; de tal sorte que a nobre arte da
música sacra, adaptada às condições presentes e, de certo modo,
enriquecida, corresponda sempre mais à sua alta finalidade.
I.
HISTÓRIA
2. Entre os muitos e grandes dons de
natureza com que Deus, em quem há harmonia de perfeita concórdia e suma
coerência, enriqueceu o homem, criado à sua "imagem e semelhança",
(2)
deve-se incluir a música, que, juntamente com as outras artes liberais,
contribui para o gozo espiritual e para o deleite da alma. Com razão
assim escreve dela Agostinho: "A música, isto é, a doutrina e a arte de
bem modular, como anúncio de grandes coisas foi concedida pela divina
liberalidade aos mortais dotados de alma racional".
(3)
No Antigo Testamento e
na Igreja primitiva
3. Nada de admirar, pois, que o canto
sacro e a arte musical também tenham sido usados, conforme consta de
muitos documentos antigos e recentes, para ornamento e decoro das
cerimônias religiosas sempre e em toda parte, mesmo entre os povos
pagãos; e que sobretudo o culto do verdadeiro e sumo Deus desde a
antiguidade se tenha valido dessa arte. O povo de Deus, escapando
incólume do mar Vermelho por milagre do poder divino, cantou a Deus um
cântico de vitória; e Maria, irmã do guia Moisés, dotada de espírito
profético, cantou ao som dos tímpanos, acompanhada pelo canto do povo.
(4)
E, posteriormente, enquanto se conduzia a arca de Deus da casa de
Abinadab para a cidade de Davi, o próprio rei e "todo Israel dançavam
diante de Deus com instrumentos de madeira trabalhada, cítaras, liras,
tímpanos, sistros e címbalos".
(5)
O próprio rei Davi fixou as regras da música a usar-se no culto
sagrado, e do canto;
(6)
regras que foram restabelecidas após o regresso do povo do exílio, e
fielmente conservadas até a vinda do divino Redentor. Depois, que na
Igreja fundada pelo divino Salvador o canto sacro desde o princípio
estivesse em uso e honra, é claramente indicado por são Paulo apóstolo,
quando aos efésios assim escreve: "Sede cheios do Espírito Santo,
recitando entre vós salmos e hinos e cânticos espirituais"
(7)
e que esse uso de cantar salmos estivesse em vigor também nas
assembléias dos cristãos, indica-o ele com estas palavras: "Quando vos
reunis, alguns entre vós cantam o salmo".
(8)
E que o mesmo acontecesse após a idade apostólica é atestado por
Plínio, que escreve haverem os que tinham renegado a fé afirmado que
"esta era a substância da falta de que eram inculpados, a saber: o
costumarem a reunir-se num dado dia antes do aparecer da luz e cantarem
um hino a Cristo como a Deus".
(9)
Essas palavras do procônsul romano da Bitínia mostram claramente que
nem mesmo no tempo da perseguição emudecia de todo a voz do canto da
Igreja; isto confirma-o Tertuliano quando narra que nas assembléias dos
cristãos "se lêem as Escrituras, cantam-se salmos, promove-se a
catequese".
(10)
O canto gregoriano
4. Restituída à Igreja a liberdade e a
paz, muitos testemunhos se tem, dos padres e dos escritores
eclesiásticos, que confirmam serem de uso quase diário os salmos e os
hinos do culto litúrgico. Antes, pouco a pouco se criaram mesmo novas
formas e se excogitaram novos gêneros de cantos, cada vez mais
aperfeiçoados pelas escolas de música, especialmente em Roma. O nosso
predecessor, de feliz memória, são Gregório Magno, consoante a tradição
reuniu cuidadosamente tudo o que havia sido transmitido, e deu-lhe
sábia ordenação, provendo, com oportunas leis e normas, a assegurar a
pureza e a integridade do canto sacro. Da santa cidade a modulação
romana do canto aos poucos se introduziu em outras regiões do ocidente,
e não somente ali se enriqueceu de novas formas e melodias, como também
começou mesmo a ser usada uma nova espécie de canto sacro, o hino
religioso, às vezes em língua vulgar. O próprio canto coral, que, pelo
nome do seu restaurador, são Gregório, começou a chamar-se
"Gregoriano", a começar dos séculos VIII e IX, em quase todas as
regiões da Europa cristã, adquiriu novo esplendor, com o acompanhamento
do instrumento musical chamado "órgão".
O canto polifónico
5. A partir do seculo IX, pouco a pouco a
esse canto coral se juntou o canto polifônico, cuja teoria e prática se
precisaram cada vez mais nos séculos subseqüentes, e que, sobretudo no
século XV e no XVI, por obra de sumos artistas alcançou admirável
perfeição. A Igreja também teve sempre em grande honra este canto
polifônico, e de bom grado admitiu-o para maior decoro dos ritos
sagrados nas próprias basílicas romanas e nas cerimônias pontifícias.
Com isso se lhe aumentaram a eficácia e o esplendor, porque à voz dos
cantores se aditou, além do órgão, o som de outros instrumentos
musicais.
A vigilância da Igreja
6. Desse modo, por impulso e sob os
auspícios da Igreja, a disciplina da música sacra no decurso dos
séculos percorreu longo caminho, no qual, embora talvez com lentidão e
a custo, paulatinamente realizou contínuos progressos: das simples e
ingênuas melodias gregorianas até às grandes e magníficas obras de
arte, a que não só a voz humana, mas também o órgão e os outros
instrumentos aduzem dignidade, ornamento e prodigiosa riqueza. O
progresso dessa arte musical, ao passo que mostra claramente o quanto a
Igreja se tem preocupado com tornar cada vez mais esplêndido e
agradável ao povo cristão o culto divino, por outra parte explica como
a mesma Igreja tenha tido, às vezes, de impedir que se ultrapassem
nesse terreno os justos limites, e que, juntamente com o verdadeiro
progresso, se infiltrasse na música sacra, deturpando-a, certo quê de
profano e de alheio ao culto sagrado.
7. A esse dever de solícita vigilância
sempre foram fiéis os sumos pontífices; e também o concílio de Trento
sabiamente proscreveu: "as músicas em que, ou no órgão ou no canto, se
mistura algo de sensual e de impuro",
(11)
Deixando de parte não poucos outros papas, o nosso predecessor de feliz
memória Bento XIV, em carta encíclica de 19 de Fevereiro de 1749, em
preparação ao ano jubilar, com abundante doutrina e cópia de argumentos
exortou de modo particular os bispos a proibirem por todos os meios, os
reprováveis abusos que indebitamente se haviam introduzido na música.
(12)
O mesmo caminho seguiram os nossos predecessores Leão XII, Pio VIII,
(13)
Gregório XVI, Pio IX, Leão XIII.
(14)
Todavia, em bom direito pode-se afirmar haver sido o nosso predecessor,
de feliz memória, São Pio X, quem realizou uma restauração e reforma
orgânica da música sacra, tornando a inculcar os princípios e as normas
transmitidos pela antiguidade, e oportunamente reordenando-os segundo
as exigências dos tempos modernos.
(15)
Finalmente, tal como o nosso imediato predecessor Pio XI, de feliz
memória, com a constituição apostólica "
Divini cultus
sanctitatem", de 20 de Dezembro de 1929,
(16)
também nós mesmos, com a encíclica "
Mediator Dei",
de 20 de novembro de 1947, ampliamos e corroboramos as prescrições dos
pontífices precedentes.
(17)
II.
A ARTE E SEUS PRINCÍPIOS NA LITURGIA
8. A ninguém, certamente, causará
admiração o facto de interessar-se tanto a Igreja pela música sacra.
Com efeito, não se trata de ditar leis de carácter estético ou técnico a
respeito da nobre disciplina da música; ao contrário, é intenção da
Igreja que esta seja defendida de tudo que possa diminuir-lhe a
dignidade, sendo, como é, chamada a prestar serviço num campo de
tamanha importância como é o do culto divino.
A liberdade do artista
deve estar sujeita à lei divina
9. Nisto a música sacra não obedece a leis
e normas diversas das que regulam todas as formas de arte religiosa,
antes a própria arte em geral. Na verdade, não ignoramos que nestes
últimos anos alguns artistas, com grave ofensa da piedade cristã,
ousaram introduzir nas Igrejas obras destituídas de qualquer inspiração
religiosa, e em pleno contraste até mesmo com as justas regras da arte.
Procuram eles justificar esse deplorável modo de agir com argumentos
especiosos, que eles pretendem fazer derivar da natureza e da própria
índole da arte. Afinal, dizem eles que a inspiração artística é livre,
que não é lícito subordiná-la a leis e normas estranhas à arte, sejam
elas morais ou religiosas, porque desse modo se viria a lesar
gravemente a dignidade da arte e a criar, com vínculos e ligames,
óbices ao livre curso da acção do artista sob a sagrada influência do
estro [entusiasmo
artístico, riqueza de imaginação].
10. Com argumentos tais é suscitada uma
questão sem dúvida grave e difícil, atinente a qualquer manifestação de
arte e a qualquer artista; questão que não pode ser resolvida com
argumentos tirados da arte e da estética, mas que, em vez disso, deve
ser examinada à luz do supremo postulado do fim último, regra sagrada e
inviolável de todo homem e de toda ação humana. De facto, o homem diz
ordem ao seu fim último - que é Deus - por força de uma lei absoluta e
necessária, fundada na infinita perfeição da natureza divina, de
maneira tão plena e perfeita, que nem mesmo Deus poderia eximir alguém
de observá-la. Com essa lei eterna e imutável fica estabelecido que o
homem e todas as suas ações devem manifestar, em louvor e glória do
Criador, a infinita perfeição de Deus, e imitá-la tanto quanto
possível. Por isso o homem, destinado por sua natureza a alcançar esse
fim supremo, deve, no seu agir, conformar-se ao divino Arquétipo, e
nessa direcção orientar todas as faculdades da alma e do corpo,
ordenando-as rectamente entre si, e devidamente domando-as para
alcançar o seu fim. Portanto, também a arte e as obras artísticas devem
ser julgadas com base na sua conformidade, com o fim último do homem;
e, por certo, deve a arte contar-se entre as mais nobres manifestações
do engenho humano, porque atinente ao modo de exprimir por obras
humanas a infinita beleza de Deus, de que é ela o revérbero. Razão pela
qual, a conhecida expressão "a arte pela arte" - com a qual, posto de
parte aquele fim que é ingênito em toda criatura, erroneamente se
afirma que a arte não tem outras leis senão aquelas que promanam da sua
natureza, - essa expressão ou não tem valor algum, ou importa grave
ofensa ao próprio Deus, Criador e fim último. Depois, a liberdade do
artista - liberdade que não é um instinto, cego para a acção, regulado
somente pelo arbítrio ou por certa sede de novidade -, pelo facto de
estar sujeita à lei divina em nada é coarctada ou sufocada, mas, antes,
enobrecida e aperfeiçoada.
A arte religiosa exige
artistas inspirados pela fé e pelo amor
11. Isso, se vale para toda a obra de
arte, claro é que deve aplicar-se também a respeito da arte sacra e
religiosa. Antes, a arte religiosa é ainda mais vinculada a Deus e
dirigida a promover o seu louvor e a sua glória, visto não ter outro
escopo a não ser o de ajudar poderosamente os fiéis a elevar
piedosamente a sua mente a Deus, agindo ela, por meio das suas
manifestações, sobre os sentidos da vista e do ouvido. Daí que, o
artista sem fé, ou arredio de Deus com a sua alma e com a sua conduta,
de maneira alguma deve ocupar-se de arte religiosa; realmente, não
possui ele aquele olho interior que lhe permite perceber o que é
requerido pela majestade de Deus e pelo seu culto. Nem se pode esperar
que as suas obras, destituídas de inspiração religiosa - mesmo se
revelam a perícia e uma certa habilidade exterior do autor -, possam
inspirar aquela fé e aquela piedade que convêm à majestade da casa de
Deus; e, portanto, nunca serão dignas de ser admitidas no templo da
igreja, que é a guardiã e o árbitro da vida religiosa.
12. Ao invés, o artista que tem fé
profunda e leva conduta digna de um cristão, agindo sob o impulso do
amor de Deus e pondo os seus dotes a serviço da religião por meio das
cores, das linhas e da harmonia dos sons, fará todo o esforço para
exprimir a sua fé e a sua piedade com tanta perícia, beleza e
suavidade, que esse sagrado exercício da arte constituirá para ele um
acto de culto e de religião, e estimulará grandemente o povo a
professar a fé e a cultivar a piedade. Tais artistas são e sempre serão
tidos em honra pela Igreja; esta lhes abrirá as portas dos templos,
visto comprazer-se no contributo não pequeno que, com a sua arte e com
a sua operosidade, eles dão para um mais eficaz desenvolvimento do seu
ministério apostólico.
A finalidade da música
sacra
13. Essas leis da arte religiosa vinculam
com ligame ainda mais estreito e mais santo a música sacra, visto estar
esta mais próxima do culto divino do que as outras belas-artes, como a
arquitetura, a pintura e a escritura; estas procuram preparar uma digna
sede para os ritos divinos, ao passo que aquela ocupa lugar de primeira
importância no próprio desenvolvimento das cerimônias e dos ritos
sagrados. Por isso, deve a Igreja, com toda diligência; providenciar
para remover da música sacra, justamente por ser esta a serva da
sagrada liturgia, tudo o que destoa do culto divino ou impede os féis
de elevarem sua mente a Deus.
14. E, de facto, nisto consiste a
dignidade e a excelsa finalidade da música sacra, a saber, em - por
meio das suas belíssimas harmonias e da sua magnificência - trazer
decoro e ornamento às vozes quer do sacerdote ofertante, quer do povo
cristão que louva o sumo Deus; em elevar os corações dos fiéis a Deus
por uma intrínseca virtude sua, em tornar mais vivas e fervorosas as
orações litúrgicas da comunidade cristã, para que Deus uno e trino
possa ser por todos louvado e invocado com mais intensidade e eficácia.
Portanto, por obra da música sacra é aumentada a honra que a Igreja dá
a Deus em união com Cristo seu chefe; e, outrossim, é aumentado o fruto
que, estimulados pelos sagrados acordes, os fiéis tiram da sagrada
liturgia e costumam manifestar por uma conduta de vida dignamente
cristã, como mostra a experiência cotidiana e como confirmam muitos
testemunhos de escritores antigos e recentes. Falando dos cânticos
"executados com voz límpida e com modulações apropriadas", assim se
exprime santo Agostinho: "Sinto que as nossas almas se elevam na chama
da piedade com um ardor e uma devoção maior por efeito daquelas santas
palavras quando elas são acompanhadas pelo canto, e todos os diversos
sentimentos do nosso espírito acham no canto uma sua modulação própria,
que os desperta por força de não sei que relação oculta e íntima".
(18)
Seu papel litúrgico
15. Por aqui, facilmente se pode
compreender como a dignidade e a importância da música sacra, seja
tanto maior quanto mais de perto a sua acção se relaciona com o acto
supremo do culto cristão, isto é, com o sacrifício eucarístico do
altar. Não pode ela, pois, realizar nada de mais alto e de mais sublime
do que o ofício de acompanhar com a suavidade dos sons a voz do
sacerdote que oferece a vítima divina, do que responder alegremente às
suas perguntas juntamente com o povo que assiste ao sacrifício, e do
que tornar mais esplêndido com a sua arte todo o desenvolvimento do
rito sagrado. Da dignidade desse excelso serviço aproximam-se, pois, os
ofícios que a mesma música sacra exerce quando acompanha e embeleza as
outras cerimônias litúrgicas, e em primeiro lugar a recitação do
breviário no coro. Por isso, essa musica "litúrgica" merece suma honra
e louvor.
Seu papel extralitúrgico
16. Não obstante isso, em grande estima se
deve ter também a música que, embora não sendo destinada principalmente
ao serviço da sagrada liturgia, todavia, pelo seu conteúdo e pelas suas
finalidades, importa muitas vantagens à religião, e por isso com toda
razão é chamada música "religiosa". Na verdade, também este gênero de
música sacra - que teve origem no seio da Igreja, e que sob os
auspícios desta pôde felizmente desenvolver-se, está, como o demonstra
a experiência, no caso de exercer nas almas dos fiéis uma grande e
salutar influência, quer seja usada nas igrejas durante as funções e as
sagradas cerimônias não-litúrgicas, quer fora de igreja, nas várias
solenidades e celebrações. De facto, as melodias desses cantos,
compostos as mais das vezes em língua vulgar, fixam-se na memória quase
sem esforço e sem trabalho, e, ao mesmo tempo também, as palavras e os
conceitos se imprimem na mente, são freqüentemente repetidos e mais
profundamente compreendidos. Daí segue que até mesmo os meninos e as
meninas, aprendendo na tenra idade esses cânticos sacros, são muito
ajudados a conhecer, a apreciar e a recordar as verdades da nossa fé, e
assim o apostolado catequético tira deles não leve vantagem. Depois,
esses cânticos religiosos, enquanto recreiam a alma dos adolescentes e
dos adultos, oferecem a estes um casto e puro deleite, emprestam certo
tom de majestade religiosa às assembléias e reuniões mais solenes, e
até às próprias famílias cristãs trazem santa alegria, doce conforto e
espiritual proveito. Razão pela qual, também este gênero de música
religiosa popular constitui uma eficaz ajuda para o apostolado
católico, e, assim, com todo cuidado deve ser cultivado e desenvolvido.
A música sacra é um meio
eficaz de apostolado
17. Portanto, quando exaltamos as prendas
múltiplas da música sacra e a sua eficácia em relação ao apostolado,
fazemos coisa que pode tornar-se de sumo prazer e conforto para aqueles
que, de qualquer maneira, se hão dedicado a cultivá-la e a promovê-la.
Afinal, todos quantos ou compõem música segundo o seu próprio talento
artístico, ou a dirigem ou a executam vocalmente ou por meio de
instrumentos musicais, todos esses, sem dúvida, exercitam um verdadeiro
e real apostolado, mesmo de modo vário e diverso, e por isso receberão
em abundância, de Cristo nosso Senhor, as recompensas e as honras
reservadas aos apóstolos, à medida que cada um houver desempenhado
fielmente o seu cargo. Por isso estimem eles grandemente essa sua
incumbência, em virtude da qual não são apenas artistas e mestres de
arte, mas também ministros de Cristo nosso Senhor e colaboradores no
apostolado, e esforcem-se por manifestar também pela conduta da vida a
dignidade desse seu mister.
III.
QUALIDADE DA MÚSICA SACRA
E REGRAS QUE PRESIDEM SUA EXECUÇÃO NA LITURGIA
18. Tal sendo, como já dissemos, a
dignidade e a eficácia da música sacra e do canto religioso,
grandemente necessário é cuidar-lhes diligentemente da estrutura em
toda a parte, para tirar deles utilmente os frutos salutares.
Santidade, carácter
artístico e universalidade da música litúrgica
19. Necessário é, antes de tudo, que o
canto e a música sacra, mais intimamente unidos com o culto litúrgico
da Igreja, atinjam o alto fim a eles consignado. Por isso - como já
sabiamente advertia o nosso predecessor S. Pio X - essa música "deve
possuir as qualidades próprias da liturgia, e em primeiro lugar a
santidade e a beleza da forma; por onde de
per se se chega a
outra característica sua, a universalidade".
(19)
20. Deve ser "santa"; não admita ela em si
o que soa de profano, nem permita que se insinue nas melodias com que é
apresentada. A essa santidade se presta sobretudo o canto gregoriano,
que desde tantos séculos se usa na Igreja, a ponto de se poder dizê-lo
patrimônio seu. Pela íntima aderência das melodias às palavras do texto
sagrado, esse canto não só quadra a este plenamente, mas parece quase
interpretar-lhe a força e a eficácia, instilando doçura na alma de quem
o escuta; e isso por meios musicais simples e fáceis, mas permeados de
tão sublime e santa arte, que em todos suscitam sentimentos de sincera
admiração, e se tornam para os próprios entendedores e mestres de
música sacra uma fonte inexaurível de novas melodias. Conservar
cuidadosamente esse precioso tesouro do canto gregoriano e fazer o povo
amplamente participante dele, compete a todos aqueles a quem Jesus
Cristo confiou a guarda e a dispensação das riquezas da Igreja. Por
isso, aquilo que os nossos predecessores S. Pio X, com toda a razão
chamado restaurador do canto gregoriano,
(20)
e Pio XI ,
(21)
sabiamente ordenaram e inculcaram, também nós queremos e prescrevemos
que se faça, prestando-se atenção às características que são próprias
do genuíno canto gregoriano; isto é, que na celebração dos ritos
litúrgicos se faça largo uso desse canto, e se providencie com todo o
cuidado para que ele seja executado com exactidão, dignidade e piedade.
E, se para as festas recém-introduzidas se deverem compor novas
melodias, seja isso feito por mestres verdadeiramente competentes, de
modo que se observem fielmente as leis próprias do verdadeiro canto
gregoriano, e as novas composições porfiem, em valor e pureza, com as
antigas.
21. Se em tudo essas normas forem
realmente observadas, vir-se-á outrossim a satisfazer pelo modo devido
uma outra propriedade da música sacra, isto é, que ela seja "verdadeira
arte"; e, se em todas as Igrejas católicas do mundo ressoar incorrupto
e íntegro o canto gregoriano, também ele, como a liturgia romana, terá
a nota de "universalidade", de modo que os féis em qualquer parte do
mundo ouçam essas harmonias como familiares e como coisa de casa,
experimentando assim, com espiritual conforto, a admirável unidade da
Igreja. É esse um dos motivos principais por que a Igreja mostra tão
vivo desejo de que o canto gregoriano esteja intimamente ligado às
palavras latinas da sagrada liturgia.
Somente a Santa Sé pode
dispensar o uso do latim
e do canto gregoriano nas missas solenes
22. Bem sabemos que, por graves motivos, a
própria Sé Apostólica tem concedido, a esse respeito, algumas excepções
bem determinadas, as quais, entretanto, não queremos sejam estendidas e
aplicadas a outros casos sem a devida licença da mesma Santa Sé. Antes,
lá mesmo onde se possam utilizar tais concessões, cuidem atentamente os
ordinários e os outros sagrados pastores, que desde a infância os fiéis
aprendam ao menos as melodias gregorianas mais fáceis e mais em uso, e
saibam valer-se delas nos sagrados ritos litúrgicos, de modo que também
nisso brilhe sempre mais a unidade e a universalidade da Igreja.
23. Todavia, onde quer que um costume
secular ou imemorial permita que no solene sacrifício eucarístico,
depois das palavras litúrgicas cantadas em latim, se insiram alguns
cânticos populares em língua vulgar, permiti-lo-ão os ordinários
"quando julgarem que pelas circunstâncias de lugar e de pessoas tal
(costume) não possa ser prudentemente removido",
(22)
firme permanecendo a norma de que não se cantem em língua vulgar as
próprias palavras da liturgia, como acima já foi dito.
Para que os féis
compreendam melhor os textos latinos, sejam eles explicados
24. Depois, a fim de que os cantores e o
povo cristão entendam bem o significado das palavras litúrgicas ligadas
à melodia musical, fazemos nossa a exortação dirigida pelos padres do
concílio de Trento, especialmente "aos pastores e aos que têm simples
cura de almas, no sentido de, com freqüência, durante a celebração da
missa, explicarem, directamente ou por intermédio de outros, alguma
parte daquilo que se lê na missa, e, entre outras coisas, esclarecerem
algum mistério deste santo sacrifício, especialmente nos Domingos e nos
dias de festa",
(23)
fazendo isso sobretudo no tempo em que se explica o catecismo ao povo
cristão. Isso mais fácil e mais factível se torna hoje em dia do que
nos séculos passados, visto se terem as palavras da liturgia traduzidas
em vulgar, e a sua explicação em manuais e livrinhos que, preparados
por pessoas competentes em quase todas as nações, podem eficazmente
ajudar e iluminar os fiéis, a fim de que também eles compreendam e como
que compartilhem a dicção dos ministros sagrados em língua latina.
A Santa Sé vigia para
conservar e promover os cantos litúrgicos de outros ritos
não-romanos
25. Óbvio é que o quanto aqui expusemos
acerca do canto gregoriano diz respeito sobretudo ao rito latino romano
da Igreja; mas pode respectivamente aplicar-se aos cantos litúrgicos de
outros ritos, quer do ocidente, como o Ambrosiano, o Galicano, o
Moçarábico, quer aos vários ritos orientais. De facto, todos esses
ritos, ao mesmo passo que mostram a admirável riqueza da Igreja na
acção litúrgica e nas fórmulas de oração, por outra parte, pelos
diversos cantos litúrgicos, conservam tesouros preciosos, que cumpre
guardar e impedir não só de desaparecerem, como também de sofrerem
qualquer atenuação ou deturpação. Entre os mais antigos e importantes
documentos da música sacra, têm, sem dúvida, lugar considerável os
cantos litúrgicos dos vários ritos orientais, cujas melodias tiveram
muita influência na formação das da Igreja ocidental, com as devidas
adaptações à índole própria da liturgia latina. É nosso desejo que uma
seleção de cantos dos ritos sagrados orientais - na qual está
prazeirosamente trabalhando o Pontifício Instituto para os estudos
orientais, com o auxílio do Pontifício Instituto para a música sacra -
seja felizmente levada a termo tanto na parte doutrinal como na parte
prática; de modo que os seminaristas do rito oriental, bem preparados
também no canto sacro, feitos um dia sacerdotes possam, também nisso,
eficazmente contribuir para aumentar o decoro da casa de Deus.
A música polifônica
26. Com o que havemos dito para louvar e
recomendar o canto gregoriano, não é intenção nossa remover dos ritos
da Igreja a polifonia sacra, a qual, desde que exornada das devidas
qualidades, pode contribuir bastante para a magnificência do culto
divino e para suscitar piedosos afectos na alma dos fiéis. Afinal, bem
sabido é que muitos cantos polifônicos, compostos sobretudo no século
XVI, brilham por tal pureza de arte e riqueza de melodias, que
são inteiramente dignos de acompanhar e como que de tornar mais
perspícuos os ritos da Igreja. E, se, no curso dos séculos, a genuína
arte da polifonia pouco a pouco decaiu, e não raramente lhe são
entremeadas melodias profanas, nos últimos decênios, mercê da obra
indefesa de insignes mestres, felizmente ela como que se renovou,
mediante um mais acurado estudo das obras dos antigos mestres,
propostas à imitação e emulação dos compositores hodiernos.
27. Destarte sucede que, nas basílicas,
nas catedrais, nas igrejas dos religiosos, podem executar-se quer as
obras-primas dos antigos mestres, quer composições polifônicas de
autores recentes, com decoro do rito sagrado; antes sabemos que, mesmo
nas igrejas menores, não raramente se executam cantos polifônicos mais
simples, porém compostos com dignidade e verdadeiro senso de arte: A
Igreja favorece todos estes esforços; realmente, consoante às palavras
do nosso predecessor de feliz memória são Pio X, ela "sempre favoreceu
o progresso das artes e ajudou-o, acolhendo no uso religioso tudo o que
o engenho humano tem criado de bom e de belo no curso dos séculos,
desde que ficassem salvas as leis litúrgicas",
(24)
Estas leis exigem que, nesta importante matéria, se use de toda
prudência e se tenha todo cuidado a fim de que se não introduzam na
Igreja cantos polifônicos que, pelo modo túrgido e empolado, ou venham
a obscurecer, com a sua prolixidade, as palavras sagradas da liturgia,
ou interrompam a acção do rito sagrado, ou, ainda, aviltem a habilidade
dos cantores com desdouro do culto divino.
O órgão
28. Devem essas normas aplicar-se,
outrossim, ao uso do órgão e dos outros instrumentos musicais. Entre os
instrumentos a que é aberta a porta do templo vem, de bom direito, em
primeiro lugar o órgão, por ser particularmente adequado aos cânticos
sacros e aos sagrados ritos, por conferir às cerimônias da Igreja
notável esplendor e singular magnificência, por comover a alma dos
fiéis com a gravidade e doçura do seu som, por encher a mente de gozo
quase celeste, e por elevar fortemente a Deus e às coisas celestes.
Outros instrumentos de
música que podem ser utilizados
29. Além do órgão, há outros instrumentos
que podem eficazmente vir em auxílio para se atingir o alto fim da
música sacra, desde que nada tenham de profano, de barulhento, de
rumoroso, coisas essas destoantes do rito sagrado e da gravidade do
lugar. Entre eles vêm, em primeiro lugar, o violino e outros
instrumentos de arco, os quais, ou sozinhos ou juntamente com outros
instrumentos e com o órgão, exprimem com indizível eficácia os
sentimentos, de tristeza ou de alegria, da alma. Aliás, acerca das
melodias musicais inadmissíveis no culto católico já falamos claramente
na encíclica "
Mediator Dei". "Quando eles não
tiverem nada de profano ou de destoante da santidade do lugar e da
acção litúrgica, e não forem em busca do extravagante e do
extraordinário, tenham também acesso nas nossas igrejas, podendo
contribuir não pouco para o esplendor dos ritos sagrados, para elevar a
alma para o alto, e para afervorar a verdadeira piedade da alma".
(25)
É o caso apenas de advertir que, quando faltarem a capacidade e os
meios para tanto, melhor será abster-se de semelhantes tentativas, do
que fazer coisa menos digna do culto divino e das reuniões sacras.
Os cânticos populares e
seu uso
30. A esses aspectos que têm mais estreita
ligação com a liturgia da Igreja juntam-se, como dissemos, os cantos
religiosos populares, escritos as mais das vezes em língua vulgar, os
quais se originam do próprio canto litúrgico, mas, sendo mais adaptados
à índole e aos sentimentos de cada povo em particular, diferem não
pouco entre si, conforme o carácter dos povos e a índole particular das
nações. A fim de que semelhantes cânticos religiosos proporcionem fruto
espiritual e vantagem ao povo cristão, devem ser plenamente conformes
ao ensinamento da fé cristã, expô-la e explicá-la rectamente, usar
linguagem fácil e melodia simples, fugir da profusão de palavras
empoladas e vazias, e, finalmente, mesmo sendo breves e fáceis, ter uma
certa dignidade e gravidade religiosa. Quando esses cânticos sacros
possuem tais dotes, brotando como que do mais profundo da alma do povo,
comovem fortemente os sentimentos e a alma, e excitam piedosos afectos;
quando se cantam como uma só voz nas funções religiosas da multidão
reunida, elevam com grande eficácia a alma dos fiéis às coisas
celestes. Por isso, embora, como dissemos, nas missas cantadas solenes
não possam eles ser usados sem especial permissão da Santa Sé, todavia
nas missas celebradas em forma não-solene podem eles admiravelmente
contribuir para que os fiéis assistam ao santo sacrifício não tanto
como espectadores mudos e quase inertes, mas de forma que, acompanhando
com a mente e com a voz a acção sacra, unam a própria devoção às preces
do sacerdote, e isso desde que tais cantos sejam bem adaptados às
várias partes do sacrifício, como sabemos que já se faz em muitas
partes do mundo católico, com grande júbilo espiritual.
31. Quanto às cerimônias não estritamente
litúrgicas, tais cânticos religiosos, uma vez que correspondam às
condições supraditas, podem contribuir de modo notável para atrair
salutarmente o povo cristão, para amestrá-lo, para formá-lo numa
sincera piedade, e para enchê-lo de santo regozijo; e isso tanto nas
Igrejas como externamente, especialmente nas procissões e nas
peregrinações aos santuários, e do mesmo modo nos congressos religiosos
nacionais e internacionais. De modo especial serão eles úteis quando se
tratar de instruir na verdade católica os meninos e as meninas, como
também nas associações juvenis e nas reuniões dos pios sodalícios, tal
como muitas vezes o demonstra claramente a experiência.
32. Por isso, não podemos deixar de
exortar-vos vivamente, veneráveis irmãos, a vos dignardes, com todo
cuidado e por todos os meios, de favorecer e promover nas vossas
dioceses esse canto popular religioso. Não vos faltarão homens
experientes para recolher e reunir juntos esses cânticos onde não se
haja feito, a fim de que por todos os fiéis possam eles ser mais
facilmente aprendidos, cantados com desembaraço e bem gravados na
memória. Aqueles a quem está confiada a formação religiosa dos meninos
e das meninas não deixem de valer-se, pelo modo devido, desses eficazes
auxílios, e os assistentes da juventude católica usem deles rectamente
na grave tarefa que lhes foi confiada. Desse modo pode-se esperar obter
mais outra vantagem, que está no desejo de todos, a saber: a de que
sejam eliminadas essas canções profanas que, ou pela moleza do ritmo,
ou pelas palavras não raro voluptuosas e lascivas que o acompanham,
costumam ser perigosas para os cristãos, especialmente para os jovens,
e sejam substituídas por essas outras que proporcionam um prazer casto
e puro, e que, ao mesmo tempo, alimentam a fé e a piedade; de modo que
já aqui na terra o povo cristão comece a cantar aquele cântico de
louvor que cantará eternamente no céu: "Àquele que se senta no trono e
ao Cordeiro seja bênção, honra, glória e poder pelos séculos dos
séculos" (Ap 5,13).
Condições especiais em
países de missão
33. O que até aqui escrevemos vigora
sobretudo para as nações pertencentes à Igreja nas quais a religião
católica já está solidamente estabelecida. Nos países de missão,
certamente não será possível pôr tudo isso em prática antes de haver
crescido suficientemente o número dos cristãos, antes de se haverem
construído igrejas espaçosas, antes de serem convenientemente
freqüentadas pelos filhos dos cristãos as escolas fundadas pela Igreja,
e, finalmente, antes de haver lá um número de sacerdotes igual à
necessidade. Todavia, vivamente exortamos os obreiros apostólicos que
lidam nessas vastas extensões da vinha do Senhor, entre os graves
cuidados do seu ofício, se dignarem de ocupar-se seriamente também
dessa incumbência. É maravilhoso ver o quanto se deleitam com as
melodias musicais os povos confiados aos cuidados dos missionários, e
quão grande parte tem o canto nas cerimônias dedicadas ao culto dos
ídolos. Improvidente seria, portanto, que esse eficaz subsídio para o
apostolado fosse tido em pouca conta, ou completamente descurado, pelos
arautos de Cristo verdadeiro Deus. Por isso, no desempenho do seu
ministério, os mensageiros do evangelho nas regiões pagãs, deverão
fomentar largamente este amor do canto religioso que é cultivado pelos
homens confiados aos seus cuidados, de modo que, aos cânticos
religiosos nacionais, não raro admirados até mesmo pelas nações
civilizadas, esses povos contraponham análogos cânticos sacros
cristãos, nos quais se exaltam as verdades da fé, a vida de nosso
Senhor Jesus Cristo, da Beata Virgem e dos santos na língua e nas
melodias peculiares dos mesmos povos.
34. Lembrem-se, outrossim, os missionários
de que, desde os antigos tempos a Igreja católica, enviando os arautos
do evangelho à regiões ainda não iluminadas pela luz da fé, juntamente
com os ritos sagrados, quis que eles levassem também os cantos
litúrgicos, entre os quais as melodias gregorianas, e isto no intuito
de que, atraídos pela doçura do canto, os povos a chamar a fé fossem
mais facilmente movidos a abraçar as verdades da religião cristã.
IV.
RECOMENDAÇÕES AOS ORDINÁRIOS
35. Para que obtenha o desejado efeito
tudo quanto, seguindo as pegadas dos nossos predecessores, nós nesta
carta encíclica recomendamos ou prescrevemos, vós, ó veneráveis irmãos,
com solícito empenho adoptareis todas as disposições que vos impõe o
alto encargo a vós confiado por Cristo e pela Igreja, e que, como
resulta da experiência, com grande fruto são, em muitas igrejas do
mundo cristão, postas em prática.
Os coros dos fiéis
36. Antes de tudo tende o cuidado de que
na igreja catedral e, na medida em que as circunstâncias o permitirem,
nas maiores igrejas da vossa jurisdição, haja uma distinta "
Scholae
cantorum", que sirva aos outros de exemplo e de estímulo para
cultivar e executar com diligência o cântico sacro. Onde, contudo, não
se puderem ter as "
Scholae cantorum" nem se puder
reunir número conveniente de "
Pueri cantores",
concede-se que "um grupo de homens e de mulheres ou meninas, em lugar a
isso destinado e localizado fora do balaústre, possa cantar os textos
litúrgicos na missa solene, contanto que os homens fiquem inteiramente
separados das mulheres e meninas, e todo o inconveniente seja evitado,
onerada nisso a consciência dos Ordinários".
(26)
Nos seminários e
colégios religiosos
37. Com grande solicitude é de
providenciar-se, para que todos os que nos seminários e nos institutos
missionários religiosos se preparam para as sagradas ordens sejam
rectamente instruídos, segundo as directrizes da Igreja, na música
sacra e no conhecimento teórico e prático do canto gregoriano, por
mestres experimentados em tais disciplinas, que estimem tradições, usos
e obedeçam em tudo às normas preceptivas da Santa Sé.
38. E, se entre os alunos dos seminários e
dos colégios religiosos houver algum dotado de particular tendência e
paixão por essa arte, disso não deixem de vos informar os reitores dos
seminários ou dos colégios, a fim de que possais oferecer a esse tal
ensejo de cultivar melhor tais dotes, e possais enviá-lo ao Pontifício
Instituto de música sacra nesta cidade, ou a algum outro ateneu do
gênero, contanto que ele se distinga por bons costumes e virtudes, e
com isso dê motivo a se esperar venha a ser um óptimo sacerdote.
Um perito em música sacra
no seio do conselho diocesano de arte sacra
39. Além disso, convirá providenciar, para
que os ordinários e os superiores maiores dos institutos religiosos
escolham alguém, de cujo auxílio se sirvam em coisa de tanta
importância a que, entre outras tantas e tão graves ocupações, por
força de circunstâncias eles não possam facilmente atender. Coisa
óptima para esse fim é que no conselho diocesano de arte sacra haja
alguém perito em música sacra e em canto, o qual possa habilmente
vigiar na diocese em tal terreno e informar o ordinário de tudo o que
se tem feito e se deva fazer, acolhendo-se e fazendo-se executar as
prescrições e disposições dele. E, se em qualquer diocese existir
alguma dessas associações que sabiamente têm sido fundadas para
cultivar a música sacra, e que têm sido louvadas e recomendadas pelos
sumos pontífices, na sua prudência poderá o ordinário ajudar-se dela
para satisfazer as responsabilidades desse seu encargo.
Os pios sodalícios
consagrados à música sacra
40. Os pios sodalícios, constituídos para
a instrução do povo na música sacra ou para aprofundar a cultura desta
última, os quais, com a difusão das idéias e com o exemplo, muito podem
contribuir para dar incremento ao canto sacro, amparai-os, veneráveis
irmãos, e promovei-os com o vosso favor, para que eles floresçam de
vigorosa vida e obtenham óptimos mestres idôneos, e em toda a diocese
diligentemente dêem desenvolvimento à música sacra e ao amor e ao
costume dos cânticos religiosos, com a devida obediência às leis da
Igreja e às nossas prescrições.
CONCLUSÃO
41. Tudo isso, movido por uma
solicitude toda paternal, quisemos tratar com certa amplitude; e
nutrimos plena confiança de que vós, veneráveis irmãos, dedicareis todo
o vosso cuidado pastoral a tal questão de interesse religioso muito
importante para a celebração mais digna e mais esplêndida do culto
divino. Aqueles, pois, que na Igreja, sob a vossa direcção, têm em suas
mãos a direcção do que concerne a música, esperamos achem nesta nossa
carta encíclica incitamento para promover com novo e apaixonado ardor e
com generosidade operosamente hábil esse importante apostolado. Assim,
conforme auguramos, sucederá que essa arte tão nobre, muito apreciada
em todas as épocas pela Igreja, também nos nossos dias será cultivada
de modo a ver-se reconduzida aos lídimos esplendores de santidade e de
beleza, e conseguirá perfeição sempre mais alta, e com o seu contributo
produzirá este feliz efeito: que, com fé mais firme, com esperança mais
viva, com caridade mais ardente, os filhos da Igreja prestem nos
templos a devida homenagem de louvores a Deus uno e trino, e que, mesmo
fora dos edifícios sagrados, no seio das famílias e nas reuniões
cristãs, verifique-se aquilo que S. Cipriano fazia objecto de uma
famosa exortação a Donato: "Ressoe de salmos o sóbrio banquete: e, como
tens memória tenaz e voz canora, assume esse ofício segundo o costume
em moda: a pessoas a ti caríssimas ofereces maior nutrimento se da
nossa parte houver uma audição espiritual, e se a doçura religiosa
deleitar o nosso ouvido".
(27)
42. Enquanto isso, na expectativa dos
resultados sempre mais ricos e felizes que esperamos tenham origem
desta nossa exortação, em atestado do nosso paternal afecto e em penhor
de dons celestes, com efusão de alma concedemos a bênção apostólica a
vós, veneráveis irmãos, a quantos, tomados singular e colectivamente,
pertençam ao rebanho a vós confiado, e em modo particular àqueles que,
secundando os nossos votos, se preocupam de dar incremento à música
sacra.
Dado em Roma, junto a São Pedro,
no dia 25 de dezembro, festa do Natal de nosso Senhor Jesus Cristo, do
ano de 1955, XVII do nosso ponti ficado.
PIO PP. XII.
Notas
(3)
Epist.161,
De
origine animae hominis, l, 2;
PL 33,
725.
(6)
Cf. 1Cr 23,5; 25,2-31.
(7)
Ef 5,18s; cf. Col 3,16.
(9)
Plínio,
Epist.
X, 96, 7.
(10)
Cf. Tertuliano,
De
anima, c. 9; PL 2, 701; e
Apol.
39; PL 1, 540.
(11)
Conc. Trid., Sess. XXII:
Decretum
de obseruandis et vitandis in celebratione Missae.
(12)
Cf. Bento XIV, Carta enc.
Annus
qui; Opera omnia, (ed.
Prati, Vol.17,1, p.16).
(13)
Cf. Carta apost.,
Bonum
est confiteri Domino, (2 de agosto de 1828). Cf.
Bullarium
Romanum, ed. Prati, ed. Typ. Aldina, t. IX, p.139ss.
(14)
Cf.
Acta
Leonis XIII,14(1895), pp. 237-247; cf. AAS 27(1894), pp.
42-49.
(15)
Cf. Acta Pii X, vol. I, pp. 75-87; AAS 36(1903-04), pp. 329-339;
387-395.
(16)
Cf. AAS 21(1929), pp. 33ss.
(17)
Cf. AAS 39(1947), pp. 521-595.
(18)
S. Agostinho,
Confess.,
1. X, c. 33, PL 32, 799ss.
(19)
Acta
Pii X, 1, p.78.
(20)
Carta
ao Card. Respighi, Acta Pii X,1,
pp. 68-74; v pp. 73ss; AAS 36(1903-04), pp. 325-329; 395-398;
v. 398.
(21)
Pio XI, Const. apost.
Divini
cultus; AAS 21(1929}, pp. 33ss.
(23)
Conc. Trid., Sess. XXII,
De
sacrificio Missae, c. VIII.
(24)
Acta
Pii X,1, p. 80.
(25)
AAS 39(1947), p. 590.
(26)
Decr.
S.C.
Rituum, nn. 3964; 4201; 4231.
(27)
S. Cipriano,
Epist.
ad Donatum (Epistola
1, n. XVI); PL 4, 227.