dos esplêndidos artigos contidos no
Gilberto Sessantini
O significado da expressão “ceteris paribus”
AAS: Acta Apostolicae Sedis
IMSSL: Instr. De Música Sacra et Sacra Liturgia, 1958
MD: Mediador Dei, 1947
MS: Musicam Sacram, 1967
MSD: Música Sacrae Disciplina, 1955
SC: Sacrosanctum Concilium, 1963
Depois de nos termos debruçado num precedente artigo [1] sobre o estatuto do “canto próprio da liturgia romana” aplicado ao canto gregoriano pelo n° 116 da Sacrosanctum Concilium, queremos dedicar algumas linhas à expressão “ceteris paribus” ̶ normalmente traduzida como “ em igualdade de condições" ̶ presente no mesmo número da constituição conciliar e, em sua maioria, interpretada em sentido restritivo, ou seja, limitando o uso do canto gregoriano. Em primeiro lugar, revisemos integralmente o texto em questão, porque, como é óbvio e oportuno, a primeira operação a fazer quando se fala de um inciso é colocá-lo no seu justo contexto:
“Ecclesia cantum gregorianum agnoscit ut liturgiae romanae proprium: qui ideo in actionibus liturgicis, ceteris paribus, principem locum obtineat. Alia genera Musicae sacrae, praesertim vero polyphonia, in celebrandis divinis Officiis minime excluduntur, dummodo spiritui actionis liturgicae respondeant, ad normam art. 30.” [2]
[1] G. SESSANTINI, Il gregoriano e il suo statuto di “canto proprio della liturgia romana, in Vox gregoriana, Bollettino informativo del centro di Canto Gregoriano e monodie "dom Jean Claire" Verona, anno I, n° 2 Maggio-Agosto 2019.
[2] SC 116.
A afirmação principal, que assim fundamenta todo o número 116, é que a Igreja reconhece o canto gregoriano como o canto próprio da liturgia romana. Desta afirmação de princípio derivam duas consequências práticas. A primeira é que nas celebrações deve reservar-se-lhe o lugar principal. A segunda, todavia, é que não devem ser excluídos, de modo algum, outros géneros de música sacra por causa desta primazia do canto gregoriano. Encontramo-nos perante um princípio claro e duas consequências práticas que dele decorrem e que são igualmente claras. Qual é, então, o significado de um aparte como aquele inserido na primeira consequência prática derivada do princípio básico afirmado precedentemente?
Para compreendê-lo, devemos antes de mais reconstruir a génese da referida passagem e, de forma mais geral, das declarações de princípio relativas ao canto gregoriano.
Como muitas outras declarações da Sacrosanctum Concilium, também aquela em questão é devedora do Magistério precedente, contrariamente ao que se crê. No que diz respeito à liturgia, à música sacra em geral e ao canto gregoriano em particular - para além das afirmações de princípio presentes nos documentos da primeira metade do século XX, cujo fundador foi o Motu proprio Inter sollicitudines [3] de Pio X -, é sobretudo o riquíssimo magistério de Pio XII a fazer escola, com uma primeira Encíclica, a Mediador Dei de 1947, estabelecendo todo o seu pensamento sobre a liturgia; uma segunda Encíclica, a Musicae Sacrae Disciplina de 1955, inteiramente dedicada à música sacra [4]; e finalmente uma Instructio de Musica Sacra et Sacra Liturgia, da Sagrada Congregação dos Ritos de 1958 [5], que pode considerar-se verdadeiramente como “o testamento espiritual de Pio XII em matéria litúrgica” [6]. É precisamente neste último documento que aparece pela primeira vez nos documentos magisteriais a expressão “ceteris paribus”:
“Cantus gregorianus est cantus sacer, Ecclesiae romanae proprius et principalis; ideoque in omnibus actionibus liturgicis non solum adhiberi potest, sed, ceteris paribus, aliis Musicae sacrae generibus est praeferendus”. (IMSSL 16) [7]
[3] Ver também a Carta ao Card. Respighi: Acta Pii X, vol. I, pp. 68-74; v. p. 73s; Acta Apostolicae Sedis (AAS) 36 (1903-04), pp. 325-329, 395-398, v. 398. Também Pio XI disto se ocupa: ver PIUS XI, Const. apost. Divini cultus: AAS 21(1929), p. 33s.
[4] Em AAS 48(1956), pp. 5-25. Eis as expressões altamente elogiativas reservadas ao gregoriano: “A essa santidade se presta sobretudo o canto gregoriano, que desde tantos séculos se usa na Igreja, a ponto de se poder dizê-lo património seu. Pela íntima aderência das melodias às palavras do texto sagrado, esse canto não só quadra a este plenamente, mas parece quase interpretar-lhe a força e a eficácia, instilando doçura na alma de quem o escuta; e isso por meios musicais simples e fáceis, mas permeados de tão sublime e santa arte, que em todos suscitam sentimentos de sincera admiração, e se tornam para os próprios entendedores e mestres de música sacra uma fonte inexaurível de novas melodias. Conservar cuidadosamente esse precioso tesouro do canto gregoriano e fazer o povo amplamente participante dele, compete a todos aqueles a quem Jesus Cristo confiou a guarda e a dispensação das riquezas da Igreja. Por isso, aquilo que os Nossos predecessores são Pio X, com toda a razão chamado restaurador do canto gregoriano, e Pio XI, sabiamente ordenaram e inculcaram, também nós queremos e prescrevemos que se faça, prestando-se atenção às características que são próprias do genuíno canto gregoriano; isto é, que na celebração dos ritos litúrgicos se faça largo uso desse canto, e se providencie com todo o cuidado para que ele seja executado com exactidão, dignidade e piedade”.
[5] In AAS 50 (1958), pp. 630-663.
[6] F. ANTONELLI, L’Istruzione della Sacra Congregazione dei Riti sulla Musica Sacra e la Sacra Liturgia, Opera della Regalità, Milano 1958, p.5.
[7] Instr. De Musica Sacra et Sacra Liturgia, (IMSSL) n° 16. Texto em F. ANTONELLI, op. cit. Em italiano, na tradução oficial: “Il canto gregoriano è il canto sacro proprio e principale della Chiesa romana. Perciò in tutte le azioni liturgiche, non solo si può usare, ma anche, a parità di condizioni, è da preferirsi agli altri generi di Musica sacra”.
N. do T.: Em português, na Instrução sôbre a Música Sacra e a Sagrada Liturgia. 1958. Editôra Vozes Ltda., Petrópolis, R. J., Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte: «16. Canto gregoriano é o canto sacro principal e próprio da Igreja romana. Portanto, não só pode ser usado em todos os atos litúrgicos, mas, em igualdade de condições, deve ser preferido aos outros gêneros de Música sacra».
O contexto no qual este parágrafo dedicado ao canto gregoriano se insere é o “Capítulo II: Normas gerais". Sobre o gregoriano já se havia dito algo, mas num sentido mais genérico, no parágrafo n.º 5 do “Capítulo I: Noções gerais”. As “Normas gerais” do segundo capítulo da Instrução preocupam-se em traçar a execução das acções litúrgicas “conforme os livros litúrgicos devidamente aprovados pela Sé Apostólica” [8], especificando que “a língua dos atos litúrgicos é o latim” [9] e que, portanto, “nas Missas cantadas, ùnicamente a língua latina deverá ser usada” [10], assim como nas missas rezadas, à excepção de “algumas orações ou cantos populares” [11] que podem ser feitos em vernáculo, e ainda “o Evangelho e também a Epístola sejam lidos em vernáculo por algum leitor, para proveito dos fiéis” [12]. O n.º 16 prossegue com a exposição do princípio supracitado do qual derivam as seguintes consequências:
“Por conseguinte: a) A língua do canto gregoriano, como canto litúrgico, é ùnicamente o latim. b) As partes dos atos litúrgicos que, conforme as rubricas, são cantadas pelo sacerdote celebrante e por seus ministros, o devem ser ùnicamente no canto gregoriano constante das edições típicas (...). c) Onde, por Indultos particulares, fôr permitido que nas Missas cantadas o sacerdote celebrante, o diácono ou o subdiácono ou o leitor, depois de cantados em gregoriano os textos da Epístola ou da Lição e o Evangelho, possam proclamar os mesmos textos também na língua vernácula, deve isso ser feito por meio de uma leitura em voz alta e distinta, com exclusão de qualquer melodia gregoriana, autêntica ou imitada”. [13]
[8] IMSSL 12.
[9] IMSSL 13.
[10] IMSSL 14a.
[11] IMSSL 14b.
[12] IMSSL 14c.
[13] IMSSL 16.
É claro que o contexto legislativo de IMSSL 16 diz respeito à vontade explícita de reiterar a necessária fidelidade rubrical em relação à língua latina e o seu natural e exclusivo revestimento musical litúrgico que é precisamente o canto gregoriano tal como se encontra nos vários livros litúrgicos, desde o Missal ao Gradual e assim por diante. Tanto é assim que nos números seguintes aparecem indicadas as modalidades de uma possível inclusão da “Polifonia sacra” [14] (e é aqui que aparecem as condições às quais voltaremos), da “Música Sacra moderna” [15], a exclusão do “canto popular religioso” [15], salvo disposição em contrário por Indulto [16], e a exclusão de modo total da que está definida como “Música religiosa” [17]. E isto se baseia no princípio, reiterado ulteriormente também no termo do segundo capítulo, de que “[t]udo quanto, conforme os livros litúrgicos, deve ser cantado (...) pertence integralmente à Sagrada Liturgia” [18].
[14] IMSSL 17.
[15] IMSSL 18.
[16] IMSSL 19.
[17] IMSSL 20.
[18] IMSSL 21.
Se este é o contexto para inserir o ditame de IMSSL 16, é inequívoco que este número seja o inspirador da posterior indicação conciliar. Mas com uma diferença que é bom não transcurar. No caso da Instrução de 1958, de facto, a referência a outros géneros de música sacra aos quais se deve preferir o canto gregoriano está presente na mesma frase. Em SC 116, porém, o inciso “ceteris paribus” é absoluto, não associado imediatamente aos outros géneros dos quais se pretende ser condição limitante. O significado que a expressão “ceteris paribus” assume na Instrução de 1958 é, portanto, o seguinte: o canto gregoriano deve, em qualquer caso, ser preferido aos outros géneros de música sacra, mesmo quando estes correspondam a todas as características exigidas a um verdadeiro canto litúrgico. Na verdade, neste caso "ceteris paribus" ̶ que à letra se traduz como "a par dos outros" ̶ tem mais claramente o significado de "posto em confrontação com os outros (géneros)", ou ainda "estando assim as coisas" [18b] e "em paridade de circunstâncias", e portanto a tradução mais eficaz e clara resulta ser esta:
“O canto gregoriano é canto sacro [por excelência], próprio e principal da Igreja romana; portanto, em todas as acções litúrgicas não só se pode utilizar, como, em paridade de circunstâncias, é de preferir-se aos outros géneros de Música sacra”.
O inciso "ceteris paribus" é, pois, um reforçante do uso ("não só se pode utilizar") e do uso preferencial ("como é de preferir-se") do gregoriano em comparação com os outros géneros de música sacra, mesmo quando estes superam as barreiras de admissibilidade, em coerência com toda a implantação de IMSSL, que, derivando das normativas precedentes, visa reintroduzir o canto gregoriano em todos os níveis de celebração, incluindo a nível popular com a participação dos fiéis no canto do liturgia segundo os diferentes graus individuados. É neste documento, de facto, que são propostos pela primeira vez os chamados “graus de participação” [19], que encontraremos mais tarde na Instrução Musicam Sacram de 1967 [20].
[18b] N. do T.: do latim jurídico rebus sic stantibus.
[19] IMSSL 24 e 25.
[20] MS 7 e 29,30,31.
Em SC 116, porém, o termo de comparação desaparece, uma vez que os “outros géneros de música sacra” são enunciados só no parágrafo seguinte e “ceteris paribus” se encontra, portanto, semântica e logicamente isolado. Além disso, a tradução oficial italiana insere uma nuance da conotação jurídica, no momento em que as “circunstâncias” se tornam “condições”, assimilando neste modo a frase às cláusulas contratuais com as quais geralmente se estabelece a igualdade sob certas condições. Ao fazê-lo, é o uso do gregoriano que resultaria estar sujeito a condições e não, vice-versa, a utilização dos outros géneros de música sacra, como claramente aparecia no documento de 1958. As traduções alemã de “ceteris paribus” como “Voraussetzungen” (pré-requisitos) e espanhola “circunstancias” (circunstâncias) avizinham-se mais do significado original, ao passo que o inglês “things” (coisas) e o francês “choses” (coisas) permanecem mais genéricas [21]. [21b]
[21] As traduções nas principais línguas ocidentais foram retiradas do sítio oficial do Vaticano:
“L’Église reconnaît dans le chant grégorien le chant propre de la liturgie romaine; c’est donc lui qui, dans les actions liturgiques, toutes choses égales d’ailleurs, doit occuper la première place”.
“The Church acknowledges Gregorian chant as specially suited to the Roman liturgy: therefore, other things being equal, it should be given pride of place in liturgical services.”
“La Iglesia reconoce el canto gregoriano como el propio de la liturgia romana; en igualdad de circunstancias, por tanto, hay que darle el primer lugar en las acciones litúrgicas.”
“Die Kirche betrachtet den Gregorianischen Choral als den der römischen Liturgie eigenen Gesang; demgemäß soll er in ihren liturgischen Handlungen, wenn im übrigen die gleichen Voraussetzungen gegeben sind, den ersten Platz einnehmen.”
[21b] N. do T.: Tradução oficial em língua portuguesa: "A Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na acção litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar."
Mas será esta realmente a interpretação a ser dada ao inciso “ceteris paribus” em SC 116, ou seja, uma limitação ao uso preferencial do canto gregoriano? Não creio. Em primeiro lugar, justamente pela origem desta expressão, como demonstrado. Em segundo lugar, porque se perderia a lógica de todo o quadro de SC116.
De que “condições” se fala, então, e a que se referem elas?
De “condições” dissemos que se fala na IMSSL. E são estas as condições de admissibilidade da “Polifonia Sacra” e da “Música Sacra moderna” na liturgia:
“A Polifonia sacra pode ser usada em todas os atos litúrgicos, sob a condição de haver uma schola que a execute conforme as regras da arte. Êste gênero de Música Sacra convém mais aos atos litúrgicos cuja celebração se reveste de maior esplendor.” (IMSSL 17)
“A Música Sacra moderna pode também ser admitida em todos os atos litúrgicos, se corresponder realmente à dignidade, à gravidade e santidade da Liturgia e houver uma schola que a possa executar conforme as regras da arte.” (IMSSL 18)
As condições, portanto, seriam ainda aquelas individuadas pela normativa eclesiástica desde Pio X: santidade, bondade de formas e universalidade, para além das possibilidades técnico-artísticas dos intérpretes. Estas determinam a possibilidade ou não de inserção no projeto litúrgico-musical de outros repertórios além do canto gregoriano, que por sua natureza satisfaz plenamente essas condições, servindo também e até - justamente por isto - de modelo. [22]
[22] MSD 21-22.
Os textos escritos como comentário ao IMSSL não entram na argumentação, limitando-se a citar ou parafrasear os ditames da Instrução. Por exemplo, Gelineau comenta assim: “nas acções litúrgicas, [o canto gregoriano] deve ser preferido – suposta a paridade de condição – aos outros géneros de música sacra” [23]. Aqui as condições tornam-se “condição”, mas é claro que não é o gregoriano a ser condicionado, mas sim os outros géneros de música sacra, segundo o pensamento da IMSSL.
[23] J. GELINEAU, Canto e musica nel culto cristiano, LCD Torino 1963, p 327. A edição original francesa é de 1959.
Os comentadores de SC e MS, porém, interpretam o inciso “ceteris paribus” de SC 116 de variados modos, segundo a ideologia inspiradora. Os mais oficiais vão no sentido de um alargamento dos critérios que SC coloca para a admissão de outros géneros de música sacra, como faz, por exemplo, Bugnini, que, logo após haver afirmado que “o gregoriano continua a ser o canto próprio do Igreja e, portanto, ceteris paribus (sic), a ser preferido por direito nativo", assim interpreta e conclui: "note-se o inciso ceteris paribus, que estabelece o equilíbrio entre os vários géneros musicais" [24], quase contornando aquele outro tanto significativo "direito nativo” que ele mesmo atribuiu ao canto gregoriano. Num sentido restritivo do canto gregoriano, por sua vez, vão os comentadores que pertencem à área Universa Laus, lendo nas “condições exigidas” antes de mais a destinação exclusivamente assemblear que deve ter o canto litúrgico, destinação, segundo eles, dificilmente aplicável ao gregoriano e, por isso mesmo, decretando a completa marginalização se não o completo ostracismo do "canto próprio" da liturgia da própria liturgia. Por outro lado, os comentaristas pertencentes à área ceciliana não entram no tema, excepto para meter à luz a ambiguidade originário do inciso, ou para condenar a interpretação unilateral, ou para depreciar a perigosidade das consequências práticas das suas interpretações unilaterais. [25]
[24] A. BUGNINI, La musica sacra, in F. ANTONELLI- R. FALSINI (cur.), Costituzione Conciliare sulla Sacra Liturgia. Introduzione, testo latino-italiano, commento, Opera della Regalità, Roma 1964, p. 323. Mais adiante, consciente de que “se todos os géneros musicais têm doravante direito de cidadania no culto, o seu uso é regulado pelo quê?”, o principal fautor da reforma litúrgica assim conclui e responde: “Na minha opinião pelos seguintes elementos: a) pelas normas positivas da Constituição ou da legislação musical, emitidas e não superadas; b) por normas positivas dadas ou a serem dadas pela autoridade eclesiástica competente, referida no art. 22; c) pelo bom gosto e pelo bom senso” (ibidem, p. 324). Nos anos sucessivos, no que diz respeito à regulamentação dada, bom gosto e bom senso raramente foram aplicados.
[25] Uma revisão em V. DONELLA, Editoriale, in "Bollettino Ceciliano", Anno 104, N. 3, Março 2009.
Não devemos ignorar, porém, que uma pequena complicação provém ainda da Instrução Musicam Sacram de 1967, a qual no nº 50 assim se exprime: “Nas ações litúrgicas em canto, celebradas em língua latina, ao canto gregoriano, como canto próprio da liturgia romana, se reserve, a paridade de condições, o posto principal”. O aditamento "celebrado em língua latina" parece querer ulteriormente restringir o âmbito do ditame conciliar às celebrações apenas em língua latina, tendo presente que em Itália a CEI tornou, de facto, impossíveis as celebrações em língua latina quando se está na presença de fiéis, contradizendo com esta limitação até o que foi disposto pelo próprio concílio [26]. Todavia, mesmo neste documento, que nas intenções originais deveria ter respondido aos quesitos e às dificuldades entretanto surgidas, e deveria ter resolvido as dúvidas práticas sobre a aplicação da reforma litúrgica e da música sacra [27], o inciso “a paridade de condições” não chega a ser adequadamente considerado nem explicado, contribuindo deste modo para deixar a questão numa espécie de limbo linguístico e canónico.
[26] Cfr CEI, Precisazioni, n° 12. Messale Romano ed. 1983: “Nas Missas celebradas com o povo usa-se a língua italiana (...). Os Ordinários do local (...) podem estabelecer que em algumas igrejas frequentadas por fiéis de diversas nacionalidades se possa usar ou a língua própria dos presentes ou a língua latina (...). Noutros casos previstos com base numa verdadeira motivação peneirada pelo Ordinário do local, deve-se em todo o caso usar a edição típica do Missale Romanum”. Note-se o uso do indicativo “usa-se” com sabor absolutizante e exclusivo, ao invés de um “use-se”, conjuntivo de género exortativo e inclusivo.
[27] Cfr MS 2 e 3.
Do quanto dissemos e demonstrámos, parece-me poder concluir que na legislação eclesiástica a expressão “ceteris paribus”, longe de ser restritiva em relação ao gregoriano, mete ainda mais em evidência as suas preeminência e exemplaridade. Trata-se de um inciso que, mutuado de um documento precedente, mudou em parte de significado mudando de contexto e, assim fazendo, ofereceu o flanco a interpretações diversas. Todavia, sob pena de negar todo o magistério anterior, a única interpretação possível resulta ser a original, presente na Instrução pacelliana. E as condições selectivas que o inciso “ceteris paribus” pressupõe serão (re)encontradas naquelas tradicionais (santidade, bondade de formas, universalidade) que deveriam ser verificadas em cada repertório ou género musical que se queira incluir na liturgia cantada. Por outro lado, tal inciso deve ler-se sòmente no constante Magistério da Igreja e não na interpretação de indivíduos singulares, musicólogos ou liturgistas que sejam. A vontade da Igreja é extremamente clara e refere-se ao gregoriano, não só como ao seu “canto próprio”, mais ainda como oração viva para uma liturgia viva e lhe exige a sua presença não como património histórico ou historicizado, nem como peça de museu para mostrar em ocasiões particulares, mas como canto que orienta para Deus todo o “fazer” da liturgia, fazendo-lhe emergir o seu “ser”.